Apresentação

 

Walter Hugo Khouri – Il Maestro

Ainda lembro com uma nitidez de detalhes incrível aquela tarde em que eu que passava em frente ao saudoso Cine República, hoje demo-lido para dar a lugar à estação do Metrô. O ano era 1975, eu tinha acabado de entrar na faculdade e, como todo rapaz de 17 anos, cheio de minhocas na cabeça.

De meu pai, já havia pegado o vírus cinematográfico e desde os 12 anos não saía do cinema. Via de tudo, exceto cinema brasileiro. Não sei se foi o cartaz ou a exposição das fotos do filme, mostrando a belíssima Selma Egrei, com seu olhar etéreo, não sei... porém entrei, assisti ao filme O desejo e saí absolutamente “chapado”. Meu Deus! Existia vida inteligente no cinema brasileiro.

A partir daí, comecei a acompanhar a carreira do Walter, assistindo a seus filmes anteriores e, principalmente, conhecendo outros bons diretores nacionais. Mas o mais importante foi que aquela tarde e aquele filme criaram em mim a vontade de fazer algo em Cinema.

Anos depois, em 1990, trabalhando como um dos coordenadores do setor de vídeo do Museu da Imagem e do Som, de São Paulo, estava apresentando uma mostra de Vídeo-Arte bastante alternativa da artista Kit Fitzgerald, quando, logo após o término da sessão, um senhor aproximou-se de mim e perguntou se eu havia organizado a mostra e se conhecia a artista. Ao responder que sim, ele disse que também a conhecia, que gostava do trabalho e que também trabalhava na área. “Puxa, que bacana, como é seu nome?”, perguntei. “Meu nome é Walter Hugo Khouri”. Na hora não acreditei que após tantos anos, e numa surreal mostra de Vídeo-Arte, estava conhecendo o diretor que havia literalmente “feito a minha cabeça”. Fomos tomar um café e até hoje tenho o prazer de ser seu amigo e prazer ainda maior de trabalhar com ele.

Walter Hugo Khouri é, sem dúvida, um dos mais talentosos e competentes diretores do cinema brasileiro. Seus conhecimentos de câmera, luz, música, fotografia, direção de arte fazem dele um diretor completo, que chega a assumir, inclusive, várias dessas funções em alguns dos seus filmes. Independente, sempre faz os filmes que escreve, como ele próprio me ensinou: “Faça sempre seu filme, sem concessões”.

A partir daí, tornei-me seu amigo e, ouso dizer, discípulo, pois vejo em seus filmes o cinema que eu quero fazer – denso, reflexivo, atemporal e desvinculado de características geográficas. Seu cinema tem o ser humano e seus questionamentos existenciais como o centro da questão, não importando se a estória se passa em São Paulo, Roma ou Paris.

Tenho o prazer de apresentar ao público de São Paulo essa grande mostra retrospectiva sobre sua obra, que fará jus aos seus 50 anos de carreira, com 25 longas-metragens. Um momento único na cinematografia brasileira, com uma coerência temática e estética que me faz chamá-lo Il Maestro.

Generoso, divertido, profundamente convicto do cinema que quer fazer, Walter sempre consegue conquistar mais e mais amizades entre seus pares no cinema brasileiro. E, ao chegar ao seu 25º longa metragem, seus amigos e eu, como discípulo, aguardamos ansiosamente o 26º filme que está por vir. Longa vida a Il Maestro.

Sérgio Martinelli, Curador

 

Retrospectiva Walter Hugo Khouri – Meio século de cinema

Cinqüenta anos após o início de seu primeiro filme, Walter Hugo Khouri ganha homenagem à altura de sua significação para o Cinema. O Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo promove a Retrospectiva Walter Hugo Khouri – Meio Século de Cinema, a mais abrangente mostra já realizada em celebração da obra desse autor tão singular — sua expressiva filmografia de 25 longas-metragens apresenta uma regularidade temática e estética pouco comum no cinema nacional. Khouri é dono de um estilo pessoal inconfundível. Já no início da carreira, quando despontava o Cinema Novo, Khouri — também roteirista de todos os seus filmes — estabeleceu caminho próprio, montando dramas existenciais cheios de intimismo, ambientes fechados, enre dos com poucos personagens e muito silêncio, tudo captado por movimentos de câmera precisamente contidos. Abriu mão de engajamento político, preferindo dar vazão a seus densos conhecimentos de Filosofia e Psicologia. Criou inúmeras histórias interconectadas com momentos aparentemente autobiográficos, em que forja, com equilíbrio, situações de erotismo, mistério, paixão e nostalgia.

Firmou-se assim como um dos poucos autores a fazer cinema nacional sob assumida influência do cinema europeu. Além de diretor e roteirista, pode-se dizer que Khouri é também um refinado cenógrafo, pois exige sempre dos diretores de arte primorosas composições de cena. A persistência estético-temática faz de Khouri um autor cuja pro posta não se esgota em apenas uma ou duas obras. Ao contrário, va lendo-se em diversos filmes do mesmo personagem central (Marcelo), o diretor compôs trabalhos independentes que se interligam.

Por tudo isso, é um prazer para o Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo abrir as portas para o cinema de Khouri e permitir que o espectador se aproxime de seus filmes — em alguns casos, raros — e que, sobretudo, possa lançar um olhar sobre o conjunto da obra desse autêntico autor do Cinema Brasileiro.

Centro Cultural Banco do Brasil