Portal Brasileiro de Cinema  À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA

À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA

1964 . José Mojica Marins
São Paulo, 85 minutos, 35mm, p&b

 

No fim de 1963, quando começou a rodar À meia-noite levarei sua alma, José Mojica Marins não tinha muito em que se inspirar. Aquele era o primeiro filme de terror feito no Brasil. “Eu já tinha o filme inteiro rodado na minha cabeça antes de começar a filmar”, diria Mojica, mais tarde. Assistindo ao filme hoje, quase quarenta anos depois, é impossível não acreditar nas palavras de Mojica. Cada cena, cada seqüência parecem ter sido rodadas com a confiança de um cineasta veterano, embora aquele fosse apenas o quarto longa-metragem do diretor. Muita gente compara a ambientação do filme, com sua fotografia expressionista altamente contrastada, ao horror italiano de gente como Mario Bava — que Mojica nunca conheceu. Besteira. A maior influência são mesmo as histórias em quadrinhos que Mojica lia desde pequeno. À meia-noite é, na verdade, um gibi transposto para as telas. Desde as primeiras cenas, quando uma bruxa pede que os espectadores mais medrosos abandonem a sala, o filme usa artifícios de HQs, como a figura do “apresentador” da história, recurso comum nos gibis da EC Comics. O filme tem um ritmo vertiginoso, aceleradíssimo. As cenas se sucedem aos pulos, de um cenário para outro, sem muita enrolação. É pá-pum, um susto atrás do outro, uma surpresa a cada quadro. E se a narrativa é puro HQ, o tom é blasfemo até os ossos. É difícil acreditar que um jovem de 27 anos possa ter feito, no Brasil carola de 1963, um filme tão violentamente anticatólico. “Acreditar em quê? Num símbolo? Numa força inexistente criada pela ignorância?”, diz Zé, apontando para um crucifixo na parede. Depois que o público viu Zé do Caixão comendo carne numa Sexta-Feira Santa e rindo da procissão que passava embaixo de sua janela, muita gente passou a acreditar que Mojica tinha, de fato, parte com o Demônio. Mas À meia-noite é mais que uma simples provocação: quando, no fim, Zé finalmente encontra os espíritos errantes e tem seu castigo, o filme renega tudo o que disse antes. Resta a dúvida: seria um filme radical ou conservador? O que fica: a primeira impressão, a de um Zé que desafia a Deus, ou a última, em que o divino finalmente castiga nosso herói? A verdade é que, desde que o filme foi lançado, todo mundo que sai de uma sessão de À meia-noite levarei sua alma sai zonzo... e perturbado.

André Barcinski

Cia. produtora: Apolo Cinematográfica

Produção: Geraldo Martins, Ilídio Martins, Arildo Irvan

Direção e roteiro: José Mojica Marins

Fotografia: Giorgio Attili

Montagem: Luiz Elias

Cenografia: José Vedovato

Música: Hermínio Gimenez

Elenco: José Mojica Marins, Magda Mei, Nivaldo de Lima, Valéria Vasquez, Ilídio Martins, Arildo Irvan, Genê Carvalho, Vânia Rangel, Graveto, Robinson Aielo, Avelino Marins