SOBRE PRIMO CARBONARI

Hilda de Alencar Gil
(pesquisadora de conteúdo responsável por identificar as imagens nos filmes do acervo)

Primo Carbonari nasceu em São Paulo, no dia 1º de janeiro de 1920, último dos quatro filhos dos italianos Vicente e Philipa Carbonari.

Carreira

Primo iniciou a carreira profissional como fotógrafo aos 12 anos de idade. Mais tarde, passou a fotografar casamentos, batizados e outras solenidades não-oficiais, tendo sido também fotógrafo de grande parte dos jornais da época.

Na segunda metade dos anos 1930, ingressou no meio cinematográfico, trabalhando no laboratório da empresa Matarazzo, distribuidora de fitas estrangeiras. Depois, foi contratado pelo diretor técnico da produtora Companhia Americana de Filmes, Achilles Tartari, para ser assistente de Francisco Madrigano.
Tanto Tartari quanto Madrigano atuavam como “cavadores” – denominação dada pela historiografia do cinema brasileiro aos que se dedicavam à atividade de “cavar” filmagens, encomendadas por políticos, fazendeiros, industriais, etc. Esse tipo de filmagem teve muito sucesso na São Paulo dos anos 1920, servindo de esteio econômico para a atividade cinematográfica nacional por décadas a fio, embora já sem a mesma importância econômica.
Segundo seu currículo, Carbonari trabalhou como técnico de fotografia na Cia. Cinematográfica Vera Cruz; como diretor de fotografia e documentarista na Campos Filmes; como diretor de fotografia na Atlântida Filmes, e como diretor de fotografia e documentarista no Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP.

Com o decreto federal nº 21.240 de 1932 – que entraria em vigor apenas em 1934–, tornou-se obrigatória a exibição de um curta-metragem nacional antes da projeção de longa-metragem estrangeiro, o que beneficiou bastante a indústria do cinejornal.

Cinejornal

O cinejornal é uma programação jornalística para exibição cinematográfica. Surgiu na França, em 1909, com a Pathé Fait Divers da Pathé Frères, apresentados semanalmente.
Em 1910, Francisco Serrador, passa a apresentar no Brasil o Bijou Jornal, no Bijou Théàtre, em São Paulo, de sua propriedade. A produção se estabilizou nos anos 1920, principalmente com a subvenção dada pelo Estado de São Paulo à Rossi Atualidades.
A produção de cinejornais padronizou o tempo de exibição, o formato de apresentação e institucionalizou o patrocínio, pois este era muito importante para os produtores, quase sempre cinegrafistas independentes ou pequenas produtoras, que dependiam financeiramente da realização desses filmes.
Depois de 1934, com a obrigatoriedade de exibição, muitas produtoras iniciaram a produção sistemática de cinejornais, como a Cinédia – Cinédia Atualidades, e a Atlântida – Atualidades Atlântida.

O cinejornal foi o fio condutor de todo o trabalho de Primo, que explorava assuntos variados como a divulgação de banquetes, casamentos, aniversários, empresas, feiras industriais, exposições de artes plásticas; realizações dos governos federal, estadual e municipal; aspectos das indústrias de mineração, energia, exportação, telefonia, transporte, entre outros.
Na opinião de Carbonari, os ingredientes técnicos para fazer um bom cinejornal eram: uma boa cópia (de exibição), um bom locutor e poucas laudas de texto que sintetizem o acontecimento e indiquem o que representa para o grande público.

A lente anamórfica

Em depoimento, Carbonari se atribui uma série de primazias, como por exemplo a utilização da vinheta “notícias” no cinema. Afirma também ter sido o primeiro cinegrafista a contornar e filmar a Ilha do Bananal e o primeiro a subir ao pico das Agulhas Negras, além de ter introduzido a cor nas produções cinematográficas nacionais.
Outro orgulho de Primo Carbonari é ter sido pioneiro no Brasil na utilização da imagem anamórfica (imagem deformada por um sistema óptico que produz uma ampliação longitudinal, em vez de transversal).

A lente anamórfica usada na filmagem comprime a imagem, reduzindo-a a aproximadamente metade da largura original. A lente anamórfica utilizada na projeção faz o inverso, praticamente duplicando a largura da imagem registrada no fotograma, para que a imagem projetada corresponda à imagem original. A imagem anamórfica é projetada em uma tela de largura bem maior do que a usual e requer uma objetiva especial, que capta a imagem em um filme-padrão, cujo negativo mede 35 mm, com uma amplitude maior na proporção entre a altura e a largura.

Para obter um aproveitamento maior da película, as objetivas anamórficas preenchem mais completamente a área do fotograma. A distorção causada na imagem precisa então ser corrigida quando o filme é projetado, para que se apresente em proporções corretas na tela larga.

O padrão de 35 mm já tinha uso universal, por isso, era mais econômico para os produtores e exibidores simplesmente acoplar as lentes especiais à câmera ou ao projetor, ao invés de investir num novo formato de filme, que também necessitaria de câmeras, projetores e equipamentos de edição compatíveis.

No entanto, o entusiasmo pelo novo sistema alastrou-se pelo mundo com o lançamento do primeiro longa-metragem em fotografia anamórfica, a produção americana O manto sagrado (The robe), de Henry Koster, que estreou em 1953 nos Estados Unidos. Essa técnica de filmagem e projeção difundiu-se primeiramente com o Cinemascope, um dos muitos formatos de tela larga desenvolvidos nos anos 1950.

Carbonari foi ligado ao exibidor Paulo de Sá Pinto, dono de várias salas de cinema, entre as quais as salas República e Ritz São João. Apoiado por ele, Primo teve condições de desenvolver a sua versão de Cinemascope: o sistema Amplavisão.

A Produtora

Em 1955, Carbonari fundou a Primo Carbonari Produções Cinematográficas, segundo ele para dar um nome aos cinejornais, mostrando que havia uma pessoa responsável pelo que era exibido na tela.

De 1964 até o final dos anos 1970, Carbonari dominou o mercado paulista de complementos cinematográficos, dedicando-se principalmente aos cinejornais, sendo considerado o mais importante produtor do gênero no Estado de São Paulo.

A produtora ficava na avenida São João, centro da cidade de São Paulo. A agenda de filmagem era um quadro-negro, cercado de tripés, caixas de som e latas de filmes. Sobre a mesa, chumaços de algodão, produtos químicos e mais latas de filme; pilhas de latas de filme pelos corredores, da escada até o teto, e equipamentos por toda parte.

Carbonari comprava equipamentos sem cessar, perseguindo seu maior sonho: estabelecer em São Paulo um parque industrial cinematográfico. “Riqueza é muito difícil. Nunca construí uma casa para mim. Moro em casa alugada. Mas comprei muito equipamento porque sempre achei que a indústria cinematográfica dá grandes possibilidades de você ficar rico, multimilionário.[...] mas na parte industrial eu fiz o que era possível para criar um parque industrial, para podermos ter qualquer coisa de que nos orgulhar”, declarou Primo ao programa Luzes, Câmera..., da TV Cultura, em 1976.
Ao longo dos anos 1970, Carbonari participou ativamente da política cinematográfica. Foi presidente do Sindicato da Indústria Cinematográfica, membro da Comissão Estadual de Cinema e defendeu a legislação de obrigatoriedade e controle de exibição de curtas-metragens nos grandes circuitos de exibição.

Curtas e Longas

Primo Carbonari conseguiu um importante entrosamento com os exibidores, tornando-se um dos poucos a receber deles o que a lei estipulava para um curta-metragem que tivesse o Certificado de Classificação Especial, dado pelo Instituto Nacional de Cinema (INC), criado em 1966.

Esse certificado era um prêmio aos produtores nacionais de curtas-metragens, calculado sobre a renda líquida anual auferida com a exibição do filme. Enquanto os curtas que tinham o Certificado de Qualidade Normal recebiam 15%, os de Boa Qualidade ou Categoria Especial recebiam 25%, dessa renda.

Mesmo tendo nos cinejornais sua principal atividade, Carbonari produziu também curtas-metragens, entre eles: Luz e fé, D. Pedro I: 150 anos depois, O trabalho das abelhas, Bandeirantes do século XX, O vôo do silêncio, ...E os tempos passaram e Titãs da pintura, filmes esses realizados entre 1966 e 1975 e candidatos aos certificados de Categoria Especial e de Boa Qualidade.

A inserção de matéria paga era proibida tanto nos filmes de Categoria Especial quanto nos cinejornais, a não ser sob a forma de menção a patrocinadores nos letreiros iniciais ou finais. Primo Carbonari concordava que as matérias pagas eram ilegais quando feitas de maneira escancarada, mas as fazia sob alegação de divulgar discretamente uma cidade, uma grande obra ou, no caso dos cinejornais, quando mostrava eventos importantes, como o Salão do Automóvel, o Salão da Criança, uma feira de Utilidades Domésticas, etc.

Realizou também os seguintes longas-metragens: O circo chegou à cidade (1957, direção de Alberto Severi), Aí vêm os cadetes (1959, direção de Luiz de Barros), Américas unidas, IV Jogos Panamericanos (1963, direção de Antonio Orellana e Lima Barreto).

Em 1964, produziu o longa A morte por 500 milhões, uma reconstituição cinematográfica do assalto ao carro pagador de um banco, em rua central de São Paulo, com direção de Antonio Orellana. O próprio Secretário de Segurança Cantídio Sampaio e o delegado-geral Coriolano Nogueira Cobra atuaram no docudrama. O longa Os Incríveis neste mundo louco (1966) mostrava a banda de música jovem em peripécias mundo afora.

Cinejornal x Televisão

Segundo críticas da época, os cinejornais eram muito defasados em relação aos acontecimentos e por isso começaram a provocar insatisfação. Tornaram-se ainda mais defasados quando surgiu o telejornal, em 1950, junto com a televisão e o lançamento da TV Tupi, de São Paulo.

Entretanto, Carbonari encontrava vantagens nessa defasagem: argumentava que o cinejornal podia durar cinco anos (o prazo de validade do certificado de censura) e que percorria todo o território brasileiro, ao passo que o telejornal não duraria mais de um minuto e só atingia, na época, o Rio de Janeiro e São Paulo.

Nos anos 1980, fatores como a universalização da televisão, a constituição de formas mais baratas e eficientes de autopromoção por parte dos setores da elite que utilizavam o cinejornal e, no final da década, o descumprimento freqüente da lei de obrigatoriedade de exibição do curta-metragem, tornaram difícil a situação da produtora de Carbonari.
A medida provisória nº 151, assinada em 1990 pelo presidente Fernando Collor de Mello, extinguiu entidades federais ligadas ao cinema, como a Fundação do Cinema Brasileiro – FCB e a Distribuidora de Filmes S.A. – Embrafilme, o que acarretou uma crise gravíssima na atividade cinematográfica brasileira.

Primo Carbonari faleceu no dia 21 de março de 2006, aos 86 anos, na Barra Funda, bairro onde morou a vida inteira. Sua única filha, Regina Carbonari, e seu neto Eduardo, cuidam de seu patrimônio.

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