Apresentação

 

No reduto da Boca do Lixo a regra era produzir a toque de caixa. Filmes de cangaço, de terror, de sexo explícito, policiais, experimentais, dramas e pornochanchadas fizeram uma ponte direta com um público popular que, não por acaso, lotava as salas em busca de entretenimento.

Durante a década de 1970, foram produzidos no Brasil aproximadamente oitenta filmes por ano — e cerca de 40% deles saíram da Boca. Em 1986, a sexta edição do Cinejornal, publicação editada pela Embrafilme, fez um ranking das 25 maiores bilheterias brasileiras entre 1970 e 1984. Na lista, apenas dois filmes produzidos na Boca: Independência ou morte (1972), de Carlos Coimbra, e Coisas eróticas (1982), de Raffaele Rossi e Laente Calicchio (com 2,974 milhões e 4,525 milhões de espectadores, respectivamente). Porém, filmes como A ilha dos prazeres proibidos (1978), de Carlos Reichenbach, Convite ao prazer (1980), de Walter Hugo Khouri, e A filha de Emmanuelle (1980), de Osvaldo de Oliveira, parecem ter tido sucesso semelhante — grosso modo, foram confeccionadas sessenta cópias de exibição para o lançamento de cada um deles. Há registros de que alguns desses filmes teriam feito milhões de espectadores, mas a falta de transparência na divulgação do número de ingressos vendidos e o desdém em relação a essa produção, inclusive por parte de seus integrantes, nos impedem de chegar a um resultado conclusivo. É sabido, contudo, que os produtores e exibidores envolvidos ganharam uma soma considerável de dinheiro.

Um dos maiores nomes da Boca do Lixo é Antonio Polo Galante, produtor de quase setenta filmes e parceiro de Alfredo Palácios na extinta Servicine. A. P. Galante, como costuma assinar seus filmes, completou cinqüenta anos de cinema em junho de 2004 e, para homenageá-lo, exibimos uma pequena parte de sua produção. Sua assinatura foi sinônimo de produções ligeiras — alguns filmes foram concluídos em duas semanas —, de baixo orçamento e de bom retorno de público, embora nem sempre tenha sido assim. Diferentemente de Palácios, que conhecera na Maristela, era uma pessoa mais turbulenta: ao assistir a um filme estrangeiro de que gostava já saía repleto de idéias para um novo enredo. Galante contou com parceiros fiéis como Inácio Araujo, Carlos Reichenbach, Antonio Meliande, Ody Fraga, Jairo Ferreira e Osvaldo de Oliveira. Tinha obsessão por dar título aos filmes e, para poder vendê-los aos exibidores, produzia o cartaz antes mesmo de o material estar pronto; mas sempre entregava tudo no prazo. Apesar de sua origem humilde e de ter sido desdenhado pela família, era uma espécie de príncipe da Boca, uma lenda viva do nosso cinema.

Realizar uma mostra dos filmes produzidos na Boca do Lixo é um desejo antigo, mas é também um projeto que ainda encontra obstáculos como a escassez de cópias de exibição e a falta de dados e informações sobre técnicos, atores, diretores e produtores. Esta mostra-piloto, realizada com o patrocínio do Centro Cultural Banco do Brasil, começa com a obra de A. P. Galante, numa primeira tentativa de mudar esse panorama e de resgatar definitivamente uma produção pouco estudada que foi fundamental para a cinematografia brasileira.

Agradeço o incentivo de Jean-Claude Bernardet na realização deste projeto.

Eugênio Puppo