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A INTRUSA
Ficção, 1979, 35 mm, Cor, 100 min

Os anos 1970 foram muito benéficos para Carlos Hugo Christensen. Bem estabelecido no Rio de Janeiro, o cineasta argentino pode expandir seu repertório de histórias para além da comédia e do drama, gêneros aos quais, principalmente, se reportava em sua carreira brasileira. Sempre com bastante notabilidade, passou pelo horror, pelo faroeste, pelo suspense, pelo policial e até pela comédia maliciosa. Em A Intrusa, seu filme derradeiro no Brasil e talvez o mais lembrado, Christensen apostou no drama de época, a partir do conto La Intrusa, do também argentino Jorge Luis Borges.

Premiado em Gramado, em 1980, como melhor diretor, ator (José de Abreu) e fotografia (Antônio Gonçalves), A Intrusa mostra também que mesmo fugido de sua terra natal e radicado num lugar que amava, a Argentina nunca saiu de Christensen. Além de Borges e do portunhol falado em vários momentos do filme, o longa traz também a trilha musical original de Astor Piazzolla, com seus belíssimos tangos. Talvez tenha sido isso que o impulsionou a voltar ao país de origem para realizar ¿Somos? (1982).

Situado em Uruguaiana, na fronteira entre Brasil e Argentina, em 1897, nos pampas gaúchos, A Intrusa acompanha os irmãos Nilsen, Cristiano (José de Abreu) e Eduardo (Arlindo Barreto), muito unidos e temidos na região. Entre a prestação de serviços com gado e couro e as apostas com galos de briga e corridas de cavalos, os Nilsen tocam a vida no vilarejo entre o prostíbulo, o bar e a casa, abusando da fama que mantêm. Tudo vai muito bem até Cristiano levar para casa Juliana (Maria Zilda), uma espécie de escrava do lar, que deve realizar os serviços domésticos e satisfazê-lo na cama.

Juliana, a intrusa do título, é o ponto de transformação da história. A relação dela com Cristiano causa enorme ciúme em Eduardo, que teme perder seu irmão, ao mesmo tempo que emula um desejo pela moça. Christensen, com sua habitual presteza e habilidade cênica, parece pouco interessado em Juliana como femme fatale, aquela que destrói lares. O que importa em A Intrusa é o retrato de uma sociedade machista e misógina, baseada praticamente na figura do homem como ser superior. As mulheres de Uruguaiana são prostitutas ou servas, mal cabendo ali o papel de esposa ou filha.

Dentro dessa lógica da exaltação da figura do homem, como ser bravo e leal, a admiração só existe de um homem para outro, já que a mulher, sem voz, é vista como objeto. Juliana funciona como catalisador da relação entre Cristiano e Eduardo. A começar por ela ser uma estranha dentro da casa, espaço tido como sagrado para os irmãos, onde ninguém, além deles, deve adentrar, e onde eles se revelam. O fato de ela estar na casa evidencia o ciúme em Eduardo, por julgar perder seu parceiro. Numa atitude infantil, o rapaz resolve dar o troco. Primeiro, busca provocar ciúme e chamar a atenção de seu irmão –entrando em apostas que sabe que perderá, trazendo outra mulher para casa–, sem o efeito esperado. Depois, toma Juliana em seus braços como forma de entender e de ter o irmão. Juliana é o duplo na relação. Uma vez que Cristiano descobre o envolvimento de ambos e percebe o desarranjo que a mulher causa na vida deles, os irmãos decidem vendê-la para o prostíbulo. Isso a torna apenas mais atraente e passam a mentir um para o outro apenas para tê-la.

Com a volta de Juliana à casa, o relacionamento dos dois enfim se estreita. A cumplicidade entre ambos que se revela um amor latente é enfim consumada, no que talvez seja a mais bela cena do filme. Juntos decidem possuir Juliana, que deixa de ser um duplo e passa a ser apenas uma engrenagem facilitadora. Ela, ali, permite, numa sociedade machista, que dois homens, irmãos, dividam a cama, numa noite de luxúria e prazer. De maneira sutil e elegante, como era de seu feitio, Christensen, que quase sempre mostra em seus filmes sugestões de homoafetividade, apresenta a latente relação incestuosa e homossexual entre Cristiano e Eduardo, que parecem, enfim, perceber e dimensionar o afeto entre eles. Tocam-se e encostam-se passionalmente enquanto transam com Juliana. O desejo é realizado.

A cena, que se passa na escuridão iluminada por lamparinas, revela o caráter da noite no filme. Christensen a filma com muitos recortes de luz, preferindo que o negrume cubra boa parte da imagem. A noite é lugar de segredos e, por conta disso, de declarações. É quando possuem Juliana e se possuem na cama, mas também quando se põem a defender o que lhes pertence, seja a casa, a honra ou o outro. A noite é o espaço da intimidade, enquanto o dia, o claro, é reservado para a brutalidade, para o trabalho. Talvez por isso o diretor opte por terminar no ensolarado. Assim que se livram de Juliana, abraçam-se longa e carinhosamente, selando o que há de sagrado apenas entre eles. Parecem enfim ter aceitado a natureza do relacionamento sem se furtarem às sombras.

Gabriel Carneiro



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