Portal Brasileiro de Cinema / Carlos Hugo Christensen APRESENTAÇÃO   DEPOIMENTOS    FILMES    ENSAIOS    FICHA TÉCNICA    FILMOGRAFIA    PROGRAMAÇÃO    CONTATO
¨

O MENINO E O VENTO
Ficção, 1966, 35 mm, P&B, 104 min

O início da fase brasileira de Carlos Hugo Christensen permitiu ao cineasta mostrar duas facetas opostas de sua obra: as comédias leves e românticas, filmadas a cores (quase sempre estreladas por sua esposa, Susana Freyre), e os dramas de decadência física, moral e psicológica (Mãos Sangrentas, Leonora dos Sete Mares), sempre fotografados em preto e branco e ainda carregando influências do expressionismo alemão e do chamado “cine negro” que o diretor exercitou em vários países sul-americanos (La dama de la muerte, no Chile; La balandra Isabel llegó esta tarde, na Venezuela; Si muero antes de despertar e No abras nunca esa puerta, na Argentina). A chegada ao Brasil também colocou o cineasta em contato com a literatura local, pela qual prontamente se apaixonou, passando a adaptar obras de escritores renomados como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Orígenes Lessa, Fernando Sabino, e, principalmente, Aníbal Machado, seu autor preferido. Aníbal é autor do conto A Morte da Porta-estandarte, que faz parte do longa Esse Rio que Eu Amo (1962), do conto homônimo que deu origem ao filme Viagem aos Seios de Duília (1964), e também de O Iniciado do Vento, conto transformado no longa-metragem O Menino e o Vento em 1966; Millôr Fernandes assina a adaptação para as telas e é responsável pelos diálogos.

O fascínio sedutor do Rio de Janeiro sempre foi o pano de fundo de seus filmes mais alegres, mas para ambientar a história de preconceito e condenação moral narrada em O Menino e o Vento, Christensen saiu em busca de um cenário mais interiorano. A arquitetura barroca (ou similares) exerceu um papel determinante na filmografia do diretor em sua fase brasileira; prédios seculares evocando um aspecto de decadência, abandono, estagnação e aprisionamento. Foi assim em sua primeira visita a Minas Gerais, onde usou locações em Belo Horizonte, Curvelo e Nossa Senhora da Glória para filmar Viagem aos Seios de Duília, uma história sobre a incapacidade de se reviver um momento perdido no passado. O cineasta voltou a Minas para fazer O Menino e o Vento, seu filme dramático seguinte, dessa vez na pequena Visconde do Rio Branco, localizada na Zona da Mata; Christensen inclusive foi condecorado Cidadão Riobranquense pela Câmara Municipal da cidade, em agradecimento à sua opção de filmar lá.

A cidade no filme se chama Bela Vista, um local atrasado e parado no tempo, no interior de Minas, aonde chega um engenheiro vindo da cidade grande para enfrentar um processo criminal no qual é acusado de ser responsável pelo desaparecimento –possivelmente o assassinato– de um rapaz pobre e ingênuo. José Roberto, o engenheiro, há algum tempo visitara a cidade para conhecer os ventos que sopram com força por toda a região. Logo que chegou, fez amizade com o menino, conhecido como Zeca da Curva, também fascinado pelo vento como o engenheiro. O garoto lhe diz que tem a capacidade de evocar ventos fortes, prometendo mostrar ao engenheiro o mais intenso de todos eles, que ele chama de “ventão”. É quando Zeca desaparece em meio às rajadas de vento, sem voltar a ser visto.

O filme, um dos mais poéticos e sensíveis do diretor, evoca todo o simbolismo de liberdade e independência representado pelo vento e pelos que são “iniciados” nele; à certa altura o engenheiro declara que decidiu seguir uma profissão prática para se manter afastado do abismo e da tragédia que cercam aqueles que optam pelas atividades artísticas, mas seu pragmatismo só o deixou mais fascinado por uma força incontrolável, aqui representada pelo vento. A cena do “ventão” é um primor cinematográfico, elevada à categoria do fantástico graças à fotografia em preto e branco, entre o expressionismo e o surrealismo.

Na segunda metade, a narrativa assume a forma de drama de tribunal no qual o julgamento criminal se confunde com o moral –como Christensen fizera em María Magdalena, produção argentina rodada na Bahia– na qual o preconceito e a intolerância dos moradores da cidadezinha afloram a cada depoimento tendencioso das testemunhas, num caso baseado somente em provas circunstanciais. O elemento homoerótico é onipresente em todo o filme, porém a força lírica dos diálogos (ainda que um tanto artificiais) e das imagens amplia seu significado, funcionando como um libelo à liberdade, à aceitação e à tolerância.

O filme retrata a hipocrisia da cidadezinha por meio da atitude de seus moradores, que ao mesmo tempo em que condenam moralmente o engenheiro por seu suposto envolvimento sexual com o menino, oferecem-lhe ajuda em troca de favores sexuais: a dona da pensão, apaixonada por ele, insinua que pode amenizar seu depoimento caso ele ceda às suas investidas amorosas; e o primo da vítima, um homem rico, vindo da cidade grande, que admite sua homossexualidade declarando-se “anormal” e oferecendo sua simpatia em troca de amizade.

O filme marca a estreia de Ênio Gonçalves, que interpreta o engenheiro com fria competência, e também do garoto Luiz Fernando Ianelli, na época com dezesseis anos, no papel de Zeca da Curva. Ianelli, sem qualquer experiência prévia como ator, foi descoberto por Christensen e retornaria em outros filmes importantes do diretor (Anjos e Demônios, Enigma para Demônios). O Menino e o Vento é o primeiro filme da Carlos Hugo Christensen Produções Cinematográficas, companhia pela qual o cineasta realizaria seis de seus nove filmes seguintes, entre 1968 e 1982.

Carlos Primati



Produção

Apoio

Patrocínio

© 2015 HECO PRODUÇÕES
Todos os direitos reservados.

pratza