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A MORTE TRANSPARENTE
Ficção, 1978, 35 mm, Cor, 90 min

Para a realização de seu penúltimo filme brasileiro (o último seria A Intrusa, lançado em 1980), Carlos Hugo Christensen retornou ao gênero do suspense policial, como fizera em Anjos e Demônios, quase dez anos antes. A Morte Transparente foi escrito pelo próprio Christensen, com diálogos de Péricles Real, e novamente aborda a criminalidade e a violência entre os jovens cariocas. O Rio de Janeiro boêmio e sedutor do carnaval e do samba, dos cassinos e boates, do romance inocente, tão celebrado e exaltado em vários de seus filmes, havia desaparecido para sempre; dez anos depois, a violência retratada por Christensen é injustificável, fora de controle, caótica, um relato triste e realista que propõe uma reflexão sobre a escalada do crime.

A cena de abertura mostra quatro delinquentes invadindo uma luxuosa mansão e ameaçando estuprar uma moça que vive sozinha no local. Desesperada, a jovem salta na piscina e tenta manter os bandidos afastados, mas eles a cercam à beira da piscina e ficam durante horas esperando que ela se canse de nadar. Exausta, ela acaba afundando na piscina e os criminosos, ao verem seu corpo inerte, ficam desesperados e fogem do local. O líder do bando é Beto, um rapaz pobre e marginalizado, acostumado com a frieza da violência cotidiana e as relações sexuais corrompidas.

A investigação policial chega até Beto (Wagner Montes), intimado a comparecer à delegacia de polícia. Chegando ao local, ele descobre que a moça –chamada Marlene (Bibi Vogel)– na verdade não morreu; ela simulou o afogamento para se livrar dos marginais. Em seguida, uma surpresa ainda maior: a vítima retira a queixa, deixando Beto intrigado e mais ainda o delegado responsável pelo caso. Obcecado por Marlene, o delinquente volta a procurá-la e eles iniciam um romance secreto.

Marlene é sustentada por um amante, um homem mais velho, um industrial paulista casado que lhe propicia uma vida de luxo e conforto, visitando-a ocasionalmente. Por sua vez, Beto torna-se cada vez mais possessivo e visita Marlene sempre que pode, mas fica transtornado quando ela está com o amante. Num súbito acesso de fúria, o marginal novamente invade a mansão e ataca o industrial indefeso, afogando-o e dando início a um desastroso plano de paixão desenfreada e ganância que fatalmente culmina na sua ruína.

O filme retrata as relações sentimentais totalmente desprovidas de carinho: são paixões doentias, mesquinhas, violentas ou movidas por interesse. Beto tem um melhor amigo, um homossexual mais velho que também serve de confidente e álibi sempre que se mete em alguma encrenca e com quem ocasionalmente troca favores sexuais por dinheiro e presentes. O personagem de Beto é praticamente uma recriação do delinquente interpretado por Luiz Fernando Ianelli em Anjos e Demônios, também envolvido com uma jovem rica ao mesmo tempo em que mantém relações homossexuais com o melhor amigo.

A morte trágica do amante de Marlene é encoberta por alguns amigos do industrial, que acreditam que ele sofrera um colapso cardíaco e tentam impedir que a viúva descubra que ele tinha uma amante. Beto, por sua vez, mantém-se afastado de Marlene por algum tempo, mas quando tenta revê-la descobre que a mulher tem outro amante e que sua atitude intempestiva apenas a ajudou a se livrar do velho industrial e se apoderar do dinheiro do seguro de vida que ele fizera em seu nome.

A trama repete velhos clichês de histórias policiais: triângulos amorosos, um milionário inconveniente que precisa ser assassinado, crime, dinheiro, vingança e reviravoltas. Christensen não está no auge de sua forma, mas consegue narrar com segurança suficiente para que o filme prenda a atenção; acima de tudo, é um reflexo sincero de sua percepção dos tempos modernos, uma época de violência desenfreada e de marginalidade crescente, problema que é colocado em questão no diálogo final, na figura do delegado: “O mais importante era saber por que eles fazem essas coisas. Por quê? Afinal, de quem é a culpa?”

A cena mais significativa nesse sentido é quando Beto ataca aleatoriamente um casal de namorados na praia, primeiro propondo ao rapaz que ambos compartilhassem a garota e, diante da recusa dele, um brutal espancamento com uma chave inglesa. Depois de surrar o rapaz, Beto dá um violento pontapé no rosto da moça, num momento verdadeiramente chocante.

A Morte Transparente traz uma das raras atuações no cinema de Wagner Montes, que começou a carreira como repórter policial no rádio e ficou famoso em programas de TV como O Povo na TV e Jornal Policial, chegando a ter um programa com seu nome. Sua limitação como ator, exagerando nas emoções, conferem um aspecto patético ao personagem, contribuindo para retratar sua impulsividade melancólica e trágica. Mais tarde, Wagner Montes entrou na política e em 2010 foi eleito Deputado Estadual do Rio de Janeiro, sendo o mais votado do Estado, com mais de 500 mil votos.

A trama é embalada por uma indefectível trilha em ritmo de discothèque, bem ao sabor da segunda metade dos anos 1970. Ao fazer um registro fiel da época, o filme ficou bastante datado, de uma maneira cafona e quase risível. Mostra, por outro lado, a disposição de Christensen de se adaptar aos novos tempos, de não fechar os olhos para o mundo ao seu redor, por mais horrendo e decadente que ele pudesse parecer.

Carlos Primati



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