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ANJOS E DEMÔNIOS
Ficção, 1969, 35 mm, Cor, 100 min

Os primeiros anos de Carlos Hugo Christensen no Rio de Janeiro ficaram marcados por um ciclo de comédias turísticas ingênuas, inofensivas e lúdicas, deslumbradas e multicoloridas declarações de amor à Cidade Maravilhosa e aos seus personagens encantadores. Filmes como Meus Amores no Rio (1958), Amor para Três (1961), Esse Rio que Eu Amo (1962) e Crônicas da Cidade Amada (1965). Dez anos depois, Christensen tinha um olhar diferente para esse mesmo Rio de Janeiro; o mesmo cenário e os mesmos personagens –a classe média alta de mansões suntuosas e apartamentos espaçosos, de gente bonita e descolada– mas onde as relações humanas começavam a desmoronar e a revelar sua podridão. A violência urbana, a delinquência juvenil fora de controle, a imoralidade criminosa dos hippies; nada mais disso podia ser ignorado: o cinema de Christensen enfim assimilava a face horrenda de um mundo em que Charles Manson era uma espécie de besta apocalíptica anunciando o fim do Verão do Amor.

Anjos e Demônios, com argumento de José Barroso, adaptação de Ítalo Jacques, diálogos de Orígenes Lessa e roteiro de Carlos Hugo Christensen, pode ser considerado o momento em que o argentino-brasileiro aceita as novas normas do cinema contemporâneo e se aproxima mais do gosto popular. Filmado em 1969 e lançado em março do ano seguinte, mostra um diretor muito mais disposto a mostrar erotismo e violência no nível máximo permitido: o filme é considerado o precursor da vertente que ficaria pejorativamente conhecida como “pornochanchada”, com suas acintosas e gratuitas cenas de nudez e erotismo. Christensen, que quase 25 anos antes escandalizou e hipnotizou as plateias argentinas com a nudez dorsal da quase adolescente Olga Zubarry em El ángel desnudo (1946), desta vez mostrava, sem pudores e demoradamente, strip-teases masculinos e femininos. Porém, o sexo da geração hippie não estava mais envolto naquela atmosfera sedutora e poética; é um sexo agressivo, promíscuo, que se combina à violência e inevitavelmente resulta em estupro e morte.

Anjos e Demônios é um suspense policial competente, com uma trama dentro do padrão do gênero, que poderia ter sido filmada dez ou vinte anos antes. O aspecto moderno fica por conta da maneira (um tanto caricata) que Christensen retrata os jovens, e a certeira e (até certo ponto) surpreendente trilha sonora roqueira, formada por uma seleção de sucessos do rock internacional da época; porém, vale ressaltar, todas em versão cover. Ao logo do filme são ouvidas músicas como “Sunshine of Your Love” (Cream), “Susie Q” (Creedence Clearwater Revival), “I Started a Joke” (Bee Gees), “Hello, I Love You” e “Light My Fire” (The Doors), “I Heard It Through the Grapevine” (Marvin Gaye), “On the Road Again” (Canned Heat), “Birthday” (The Beatles) e, no grande momento do filme, uma cena de assassinato ao som pesado de “In-A-Gadda-Da-Vida”, do Iron Butterfly– mais de quinze anos depois, em 1986, o cineasta norte-americano Michael Mann usaria a mesma música na cena mais importante de Manhunter (Caçador de Assassinos, ou Dragão Vermelho), o primeiro filme da saga do médico canibal Hannibal Lecter.

Anjos e Demônios conta a história de Virgínia, uma moça bonita e encantadora, porém rebelde e de caráter destrutivo, envolvida com um bando de hippies delinquentes e desocupados com quem frequenta festas escandalosas regadas a rock, álcool, fumo, drogas e sexo. Menor de idade e órfã, Virgínia vive com seu tio Marcos, um velho rico e autoritário, num luxuoso apartamento em Copacabana. O tio tenta a todo custo discipliná-la, porém a moça, mimada e irresponsável, sempre se mete em encrenca. Numa das festas em seu apartamento ela conhece Paulo, um ladrão de ocasião que entra de penetra. Virgínia flagra o rapaz tentando roubar a carteira do tio, mas em vez de denunciá-lo ela se sente atraída pelo delinquente e eles iniciam um romance pervertido.

Numa das confusões em que Virgínia se envolve, o advogado de seu tio é chamado para intervir e proteger a adolescente de um escândalo. A moça, no entanto, decide seduzir o advogado, pretendendo convencê-lo a matar o velho para ficar com sua fortuna. A trama neste momento adquire aspectos típicos de contos policiais, com Virgínia se tornando a tradicional mulher fatal e manipuladora. E, também como é comum aos roteiros policiais, reserva uma surpresa final.

A adolescente Virgínia é interpretada pela bonita e delicada Eva Christian, atriz alemã na época com 32 anos, mas com um aspecto juvenil suficientemente convincente para o papel. Pouco depois ela ficaria conhecida do grande público na telenovela Jerônimo, o Herói do Sertão. Luiz Fernando Ianelli, que havia se destacado em sua estreia no filme O Menino e o Vento, aqui faz o papel do delinquente, e Ambrósio Fregolente tem uma breve participação no papel do tio. Porém, é Geraldo Del Rey, no papel do advogado Henrique, quem rouba toda a atenção. Patético como o homem maduro manipulado pela adolescente, é um personagem fadado à tragédia; ele afoga o velho e em seguida começa a ser chantageado por uma testemunha do crime.

Numa rápida cena de tribunal, o promotor público, vivido por Rubens de Falco, faz um discurso sucinto sobre o problema da impunidade de criminosos menores de idade: é Carlos Hugo Christensen, diretor e roteirista, deixando seu recado sobre um problema que quase cinquenta anos depois ainda inflama as discussões.

Carlos Primati



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