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AMOR PARA TRÊS
Ficção, 1960, 35 mm, Cor, 102 min

Ao realizar um ciclo de comédias e aventuras amorosas na primeira fase como diretor radicado no Brasil, Carlos Hugo Christensen voltou à própria produção argentina. Encontrou no romântico La Señora de Perez se Divorcia (1945) a inspiração de Amor para Três (1960), refilmagem quase quadro a quadro do original. Dois elementos principais diferenciam mais profundamente a nova versão: na estética, a utilização de cores e do formato Cinemascope, alargando a tela e proporcionando maior movimentação e fluidez dos atores dentro de cenários suntuosos que marcam a história; no elenco, a presença de Susana Freyre, substituindo Mirtha Legrand no papel principal de esposa que exige o desquite ao flagrar o marido médico aos beijos com uma paciente no consultório.

Apesar de se vincular cronologicamente à lua de mel de Christensen com o Rio de Janeiro (o que filmes como Meus Amores no Rio e Esse Rio que eu Amo explicitam desde os títulos), Amor para Três –adaptado originalmente de uma peça de teatro– é essencialmente uma comédia romântica de interiores, com forte influência das screwball comedies tão em voga no cinema norte-americano dos anos 1940 e 50. Todos os principais elementos do subgênero estão lá: os encontros e desencontros entre casais, a relação intempestiva entre homens e mulheres, as informações truncadas que geram confusão, os diálogos acelerados, piadas orais e físicas, as correrias para se resolver algum determinado conflito e os enquadramentos objetivos e diretos, pelos quais corpos e ambiente se chocam uns com os outros para gerar humor.

A personalidade forte de Julieta (Susana Freyre) se vincula à das mulheres emancipadas de Howard Hawks (como a Katherine Hepburn de Levada da Breca, 1938, e a Rosalind Russell de Jejum de Amor, 1940), o que enriquece um certo subtexto feminista de Amor para Três. Quando confrontada por exigências de Carlos, o marido de quem ela quer se separar, Julieta diz: “Estou farta dos preconceitos sofridos neste mundo contra nós, as mulheres. Solteiras, nos deprimem. Casadas, nos oprimem. E velhas, nos oprimem”. Pouco depois, Julieta não se furta a logo arranjar um pretende em meio ao processo de separação, e o escolhido é justamente o advogado do divórcio (Agildo Ribeiro, em assumido alívio cômico). Boa parte das intrigas e situações do filme se dá a partir das provocações da protagonista sobre a condição de quase desquitada, assim como Julieta também inverte a polaridade do deboche ao seduzir novamente Carlos enquanto foge do futuro cônjuge. Entre idas e vindas, Julieta é o melhor elemento em cena de Amor para Três, filme na maior parte do tempo bastante simplificador, sem nenhum intuito além de proporcionar alguns momentos de diversão e risadas ao público que, na época, buscava o entretenimento garantido de uma comédia de ambientação burguesa.

O tom alto-astral de Amor para Três não esconde o olhar irônico e dotado de alguma picardia às desventuras entre os casais. Num dos primeiros diálogos do filme, Julieta pergunta a Carlos se ele “é maluco”, cuja resposta é: “Não. Sou monógamo”. A suposta traição se dará num típico mal-entendido de comédias do gênero, quando ele é “atacado” pela paciente (apresentada como uma vamp caricata e devoradora de homens) justo no momento em que a esposa o visita no trabalho. A cena é construída como suspense, numa montagem paralela que se divide entre o assédio da paciente e a subida pelo elevador da mulher. O discurso final de um juiz em prol do matrimônio e do estímulo a maridos e esposas viverem uma aventura a cada dia “sempre um com o outro” é seguido pelo pedido feito diretamente à câmera (ao público) para que os maridos beijem as esposas “com bastante carinho” na plateia do cinema. Antes de antever moralismo ou ingenuidade, Christensen parece lidar com o imaginário da instituição do casamento como algo à beira do precipício, no que estimular explicitamente o afeto através do humor de uma história romântica parece um tanto deslocado –tanto quanto estaria deslocado o matrimônio dentro da abordagem do filme.

Mesmo atravessado por questões próximas da sátira social, Amor para Três segue predominantemente a forma lúdica com que lida com as relações entre os personagens. Há espaço até mesmo para o flerte entre os empregados da casa de Julieta –colocando-os, evidentemente, em seus devidos lugares dentro da estrutura de classes apresentada no filme (incluindo um achaque bastante violento de Carlos contra a empregada, na tentativa de descobrir o paradeiro da esposa). O desenlace de todo o imbróglio se dá significativamente numa noite de réveillon, quando recomeços e promessas se fazem presenças garantidas. O abraço congelado nos créditos iniciais de Amor para Três se repete no fluxo das imagens no final, dessa vez sem a pausa, pois tudo está devidamente resolvido.

Algo, porém, se modifica no olhar e no corpo da mulher. Se antes ela surgia como a esposa somente apaixonada e dedicada, Julieta, ao escolher dar um profundo e insinuante beijo no marido na frente de todos para provar (e reconfigurar) o matrimônio, expande a si mesma e os próprios desejos. Quando se volta para o juiz depois do beijo final (sob aplausos de uma plateia sobretudo ávida por experiências similares), a expressão de Julieta é outra: mais lasciva e consciente de seu papel e poder. No último giro de Susana Freyre em Amor para Três, de cabeça inclinada, olhos levantados e insinuantes e lábios projetados para frente (detalhes ausentes na mesma cena da versão de 1945), está a semente de outro tipo de comportamento, de infinitas possibilidades de libertação, algo posteriormente impregnado nas mulheres cada vez mais complexas do cinema de Christensen.

Marcelo Miranda



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