Portal Brasileiro de Cinema / Carlos Hugo Christensen APRESENTAÇÃO   DEPOIMENTOS    FILMES    ENSAIOS    FICHA TÉCNICA    FILMOGRAFIA    PROGRAMAÇÃO    CONTATO

O REI PELÉ
Ficção, 1979, 35 mm, Cor, 100 min

Sétimo longa do argentino Carlos Hugo Christensen no Brasil, O Rei Pelé (1962) dá continuidade à série de filmes sobre o encantamento do diretor com o nosso país. Nessa virada dos anos 1950 para os 1960, depois de apostar em dramas densos como Mãos Sangrentas (1954) e Leonora dos Sete Mares(1955), Christensen se voltou para a leveza da vida, com comédias e romances, louvando, em especial, a cidade do Rio de Janeiro, caso de Meus Amores no Rio (1958). Alternando melodrama e humor, O Rei Pelé fala sobre a maior paixão brasileira, o futebol, e seu principal artista.

Nascido em 23 de outubro de 1940, em Três Corações (Minas Gerais), Edson Arantes do Nascimento, o Dico, mais conhecido como Pelé, teve ascensão meteórica no futebol. Aos 12 anos, começou a jogar no time juvenil do Bauru Atlético Clube (BAC), o Baquinho, levado por seu pai, o também futebolista Dondinho, que lá atuava. Em 1956, o técnico Waldemar de Brito, famoso jogador dos anos 1930, maravilhado pelas peripécias de Pelé em campo, levou-o ao Santos Futebol Clube. Meses depois foi convocado para a seleção brasileira. Tinha 16 anos. Aos 17, sagrou-se um dos heróis da conquista do campeonato mundial na Suécia, em 1958. Quando o filme entrou em produção, em 1962, Pelé tinha apenas 22 anos, mas já era anunciado como o rei. Conquistaria, durante a produção, a Copa do Mundo, o Brasileiro, a Libertadores e o Intercontinental pelo Santos.

Cinebiografia prematuríssima, assim como o livro que deu origem ao longa, Eu Sou Pelé, de Benedito Ruy Barbosa, lançado pouco antes, o longa só prenuncia o Pelé dos recordes de gols e honrarias de maior da história. Essa trajetória, porém, todos conhecem, em especial pela reincidência do jogador até hoje na mídia –Pelé, depois desse longa, protagonizou ficções diversas, como Os Trombadinhas (1979) e Fuga para a Vitória (1981), além de ser tema do documentário Pelé Eterno (2004), de Aníbal Massaini.

O Rei Pelé trabalha a mitificação do craque como ícone do futebol, construindo sua persona de gênio da bola através da história de sua vida, sempre muito digna, de bom moço, que, se errou, foi em nome do bem maior que era o futebol. Afinal, o longa busca solidificar a pecha de rei, construída desde o inicio, quando uma mãe de santo profetizou que aquele menino negro e pobre seria rei. Isso não significa que Christensen siga apenas as manjadas convenções das biografias partidárias, quase publicitárias. Claro que o objetivo principal do filme –como de qualquer bom exploitation– é se aproveitar do nome em evidência de Pelé para levar multidões ao cinema. Isso, porém, não significa que não exista margem para algo diferente.

O principal ponto nesse sentido é a ideia do filme sobre Pelé como produto da construção cinematográfica. O longa começa com o jogador conversando com produtor Fábio Cardoso num estúdio. Cardoso apresenta-lhe a ideia de fazer um filme sobre ele, uma biografia. “Mas eu não sou ator, nunca representei”, retruca. “Você não é ator, mas é Pelé, e você vai ser Pelé no filme. Apenas, simples”, encerra Cardoso. Logo, começa a fazer perguntas sobre as origens dele. Aparece a imagem de uma casa simples. “Sua rua, sua casa. Como é de noite, vamos acender o lampião em frente à sua casa”, narra o produtor. E faz-se a luz. Depois de nos inserir dentro do que será a história de Pelé, Cardoso vez por outra ressurge entrevistando o futebolista ou outras personagens de sua vida. Ainda aparece Nelson Rodrigues, argumentista ao lado de Cardoso e responsável pelos diálogos, datilografando em sua máquina.

O mais surpreendente é o trabalho de encenação. Christensen conta a história de Pelé a partir da visão do jogador, ilustrando os diferentes episódios. O longa se apoia muito em imagens de arquivo e registros dos jogos dele pelo Santos e pela seleção, expondo sempre o brilho das jogadas e dos gols. Porém, há a história que é apenas memória, sem registro. Para isso, o cineasta convoca Pelé e vários personagens de sua trajetória para dar vida a eles mesmos no cinema. Sua mãe Celeste, por exemplo, vive dona Celeste –ainda que o pai seja feito por um ator. Os jogadores do Santos e o técnico Lula também. O próprio Pelé faz ele mesmo entre os 16 e os 23 –com três diferentes atores vivendo o jogador nas idades de 6, 10 e 15 anos, este último interpretado por Luiz Carlos de Freitas, o Feijão, jogador de futebol que depois diria que o filme arruinou sua carreira por ser sempre comparado ao rei.

Curioso também notar que Christensen vendia o filme como um documentário, mas não um documentário chato. O cineasta o filmou como ficção. Traz Pelé e outras pessoas que interpretam a si mesmas para legitimar a história, mostrar que aquilo é verdadeiro, porém sem assemelhar o formato do longa a um docudrama. O artifício não coloca em dúvida se as cenas são encenadas, mas reforça a realidade dos fatos que as inspiraram.

Talvez por conta disso, é muito interessante ver o papel que a discussão sobre preconceito racial tem no filme. Ainda que o longa e Pelé digam que ele nunca sofreu discriminação por ser negro –exceto uma vez–, o principal antagonista em sua juventude era um sujeito extremamente racista, que proíbe a filha de conversar com ele e, além disso, tenta destruir sua idoneidade. Pelé continua, hoje, com o mesmo discurso. O filme está aí para reforçar que não passou disso.

Gabriel Carneiro



Produção

Apoio

Patrocínio

© 2015 HECO PRODUÇÕES
Todos os direitos reservados.

pratza