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MÃOS SANGRENTAS
Ficção, 1954, 35 mm, P&B, 92 min

Carlos Hugo Christensen não faria nada tão forte em sua carreira quanto esse Mãos Sangrentas, seu primeiro filme brasileiro, exibido no 20º Festival de Veneza. O cineasta já tinha mais de 30 longas no currículo, em sua maioria produções argentinas, quando fixou residência no Brasil em 1954, fugindo do governo peronista no país natal. Christensen já conhecia ligeiramente o Brasil, tendo filmado cenas de Anjo Nu (1946) no Rio de Janeiro e de María Magdalena (1954) em Salvador. Convidado para dirigir Mãos Sangrentas, produção da Maristela (São Paulo) e da Artistas Associados (Rio de Janeiro), o filme logo se tornou uma coprodução internacional com o México, por conta do astro mexicano Arturo de Córdova, com quem o cineasta já havia trabalhado em Cais da Perdição (1950).

Mãos Sangrentas baseia-se num episódio real acontecido em junho de 1952, quando mais de 450 presos se rebelaram na Colônia Correcional da Ilha Anchieta, no munícipio de Ubatuba (SP), onde os condenados mais perigosos ficavam, dominando a guarda e fugindo para o continente. O evento é considerado, até hoje, um dos piores do sistema carcerário no mundo, com 118 mortes entre fugitivos, soldados e funcionários. A ideia era fazer o filme o mais documental possível, rodando inclusive na Ilha Anchieta, na prisão –que seria desativada em 1955, por conta do motim-, porém a produção não foi autorizada pelo governo. A solução foi transferir as filmagens para a Ilha das Flores, em São Gonçalo (RJ). Os nomes também foram mudados. Os fatos, porém, são muito semelhantes, incluindo a bebedeira após a tomada das armas, como metralhadoras e fuzis, o conflito entre detentos para fugir nos poucos barcos disponíveis e o mar como principal túmulo.

Influenciado pelo neorrealismo italiano e pelo realismo francês, em voga na época, Carlos Hugo Christensen concebeu um dos filmes mais brutais e truculentos feitos até então, em especial no Brasil –foi muito criticado por isso, inclusive sendo chamado de desumano. No longa, os presos se aproveitam da confiança dos soldados e, sob a liderança de Adriano (Córdova), tomam de assalto uma prisão em uma ilha. O cineasta opta por uma violência gráfica, com bastante sangue e cenas impressionantes de espancamento, de enorme crueza. Os presos querem sobreviver após a fuga, entre sádicos, bufões e enlouquecidos, desesperados e desestruturados, que não sabem bem o caminho a seguir. A massa, ali, toma o partido e se vinga dos constantes maus-tratos e abusos de poder. Porque a truculência, vemos, não é apenas a dos presos contra os soldados ou contra os outros presos –a qual, evidentemente, é enorme. Mal começa o filme e um dos soldados chama Adriano de lado e o humilha, a partir de uma moral religiosa opressora, dizendo que ele tem de aceitar a Deus, que o cristianismo é o único caminho, pois não basta estar preso, ele deve se arrepender. Não apenas isso, diz ainda que Adriano jamais poderá segurar seu filho com suas mãos sangrentas depois de ter cometido o crime contra a ex-esposa. A barbárie ali não é só de Adriano; a humilhação constante provoca uma retaliação ainda mais violenta quando os presos chegam ao poder.

Se na primeira parte do filme o foco é a rebelião dos presos, a segunda recai sobre Adriano e alguns poucos comparsas tentando escapar do cerco do exército e fugir com êxito. A segunda parte vem com a noite, com um grupo cada vez menor embrenhado pelas matas. Com influência da fotografia noir, feita por Mário Pagés, com vários recortes de luz e predominância da escuridão, Christensen se aprofunda em Adriano. As palavras do guarda já o incomodaram, mas quando a traição da esposa é colocada em dúvida, pela artista de um pequeno cabaré (Tônia Carrero), o personagem se perde. Enquanto tenta sobreviver diante de um sol inclemente, animais e insetos, sede, fome, emboscadas policiais, com um grupo bastante instável, Adriano passa a questionar cada vez mais seu passado. Na sanha de reencontrar o filho, o detento faz de tudo, sendo gradualmente tomado pela loucura. O declínio mental é igualmente violento no personagem. O cineasta, assim, vai desconstruindo a bruteza de homem, um sujeito até então implacável. Curioso pensar que Adriano enlouquece à medida que deixa o racional de lado e se guia pelo emocional. Não há caminho de sucesso ali, é evidente para todos, mas ele segue.

Christensen acerta ao conceber sua fuga da prisão entre a violência física e a psicológica. Grande artesão, ele compõe um filme de ação muito bem ritmado pela montagem de José Cañizares, em especial na primeira parte, intercalando os vários pontos de resistência. Mas a montagem parece mais impressionante na construção da atmosfera da segunda parte, quando pequenas instabilidades ganham vulto. Ali a tensão é crescente e colabora para a decadência de Adriano. Há de se ressaltar ainda o primor da composição de Christensen, que mesmo não sendo tão requintada como nos anos 1970, seu auge nesse sentido, reforça o senso de conhecimento dos gêneros narrativos. A agilidade da ação e o esmero, em Mãos Sangrentas, estão a serviço do homem e de sua tormenta pessoal.

Gabriel Carneiro



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