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MEUS AMORES NO RIO
Ficção, 1958, 35 mm, Cor, 120 min

Se colocados lado a lado, Rio, 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos, e Meus Amores no Rio, de Carlos Hugo Christensen, parecem falar de países (e cidades) totalmente distintos. Somente as paisagens e alguns poucos elementos dão conta de que se trata do mesmo Rio de Janeiro dos anos 1950. Apenas três anos separam um filme do outro, mas a impressão é de um abismo temporal muito maior, quase intransponível. Mesmo tendo sido feito depois do filme de Nelson Pereira, Meus Amores no Rio fala de uma cidade utópica, representada à perfeição, na qual o idílio caracteriza o paraíso num mundo absolutamente destituído de maus sentimentos ou intrigas que não sejam relacionadas a conflitos amorosos.

Meus Amores no Rio se insere na vertente mais “positiva” do cinema de Christensen. Depois de décadas de vida e trabalho na Argentina e em outros países latino-americanos, o diretor adotou a capital carioca como lar definitivo em 1956 (exatamente um ano após a explosão de Rio, 40 Graus). Encantado, não mediu pudores em retratar a cidade da maneira mais afetuosa e sonhadora, realizando, entre 1958 e 1965, uma série de comédias e aventuras românticas ambientadas nas deslumbrantes paisagens locais. Os títulos adiantam muito do que Christensen buscava: Matemática Zero... Amor Dez, Amor para Três, Esse Rio que Eu Amo, Crônica da Cidade Amada e o próprio Meus Amores no Rio, que inaugurou o ciclo. Não à toa, vários desses filmes têm Susana Freyre, então esposa do cineasta, como atriz principal, interpretando quase sempre alguma jovem apaixonada envolvida em dissabores ou conflitos de cunho sentimental-burguês.

Espécie de "apresentação" de um Rio de Janeiro paradisíaco, quase o filtro de seu próprio olhar de estrangeiro com esperanças de felicidade numa nova terra, Meus Amores no Rio se vincula diretamente ao olhar da protagonista Elena Mendoza (vivida por Susana Freyre). Após participar de um programa de televisão em Buenos Aires, a moça ganha uma viagem de sete dias à Cidade Maravilhosa. Elena é uma espécie de garota-enciclopédia, profunda conhecedora de todos os detalhes culturais, arquitetônicos e históricos do Rio. Entre apresentações musicais de canções de Ary Barroso e Ataulfo Alves à beira da piscina do Copacabana Palace e o envolvimento platônico com três rapazes da classe média-alta carioca (um jornalista, um piloto de avião e um milionário sem vocação profissional), a garota circula por pontos turísticos como o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, o estádio do Maracanã e as praias de Copacabana e Paquetá sem nunca tirar o sorriso do rosto nem a graciosidade dos gestos.

Christensen parece se inspirar num misto das comédias musicais da Cinédia, produzidas nos anos 1930, com certo estilo do cinema americano de estúdio da mesma época. Meus Amores no Rio é o primeiro longa-metragem brasileiro feito em Cinemascope colorido, que amplia os planos abertos de paisagens do Rio e permite que Susana Freyre possa estar sempre enquadrada no centro da imagem, ora inserida nas belezas naturais da cidade, ora “dividida” entre os vários flertes que disputam sua atenção. Mesmo quando mais atores estão no quadro (como na cena da delegacia), é Elena o ponto central: o filme está com ela e a ela sempre remete. Trata-se do olhar para um universo que ela enxerga sob o filtro da representação falseada. Isso fica mais evidente nos momentos em que surgem “ruídos” na paisagem –no caso, meninos de rua que animadamente chegam para pedir dinheiro a Elena e ao jornalista. Em tom cômico, ele berra: “Isso devia ser proibido pela polícia! Povo miserável!”. (Ironicamente, o personagem é interpretado por Jardel Filho, ator que viveria um tipo completamente diferente de jornalista nove anos depois, em Terra em Transe, de Glauber Rocha.).

As mazelas sociais, afinal, não têm vez em Meus Amores no Rio. Mais que os garotos pedintes, há o menino negro, vestido de marinheiro, que toca gaita para embalar momentos românticos de Elena com um de seus pretendentes. Enquanto o casal saboreia água de coco, a criança entoa um tango (celebrando a Argentina natal da moça); minutos depois, num passeio de barco, ele toca o “Brasileirinho” de Waldir Azevedo. No desfecho do filme, o mesmo garoto irá à despedida de Elena no aeroporto para “representar” o piloto, ausente por conta de uma viagem à Bahia.

Naquele momento histórico, a ingenuidade de Elena talvez refletisse a ilusão do próprio Carlos Hugo Christensen. Meus Amores no Rio aborda um Rio de Janeiro mítico, sob a visão positiva do estrangeiro. O cinema de Christensen até então se equilibrava entre a abordagem impiedosa de determinados núcleos de situações e personagens (como em boa parte de seu trabalho na América Latina e especialmente na estreia no Brasil, com Mãos Sangrentas, em 1955) e o olhar leve e bem-humorado às agruras das relações românticas, algo muito presente em várias de suas produções argentinas nos anos 1940.

Meus Amores no Rio é uma piscada de olho, uma paquera, um cartão postal cinematográfico da boa vontade de Christensen em habitar um novo espaço de beleza e de esperança no aguardo de tempos melhores. Não iria demorar para o cinema do argentino refletir outros aspectos dessa mesma realidade, mais sombrios e destituídos de possibilidades, em filmes como Anjos e Demônios (1970), Enigma para Demônios (1975) e A Morte Transparente (1978). Nesse sentido, Meus Amores no Rio é uma espécie de prólogo, um ponto de partida daquilo que de melhor um espaço urbano era capaz de oferecer aos olhos e aos bons sentimentos, antes da tempestade que inevitavelmente iria se abater por dentro das entranhas dessa máquina de ilusão.

Marcelo Miranda



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