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ENIGMA PARA DEMÔNIOS
Ficção, 1974, 35 mm, Cor, 106 min

Os filmes produzidos e dirigidos por Carlos Hugo Christensen na década de 1970 demonstram a afinidade do cineasta com os gêneros populares –depois de filmar o faroeste Caingangue, A Pontaria do Diabo (1974) no Estado de Mato Grosso, ele voltou a Minas Gerais (onde fizera Viagem aos Seios de Duília e O Menino e o Vento) para realizar dois filmes de terror: Enigma para Demônios e A mulher do Desejo (A Casa das Sombras). O gênero do horror, marginalizado durante décadas e considerado de menor relevância, ganhou prestígio graças ao êxito mundial de O Exorcista (1973), de William Friedkin. Satanismo, demonologia e missas negras eram temas em evidência na época, desde que começaram a ser abordados por filmes de grande repercussão, como O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski. O sucesso comercial desses filmes no mundo inteiro tirou o horror da marginalidade e por algum tempo o elevou à categoria de cinema legítimo, aceito e levado a sério por público e crítica. O fenômeno repercutiu também no Brasil, em obras como Exorcismo Negro (1974), de José Mojica Marins, e Seduzidas pelo Demônio (1976), de Raffaele Rossi, tentando aproveitar esse interesse repentino.

Com vasta experiência em filmes de mistério e suspense que realizou nas décadas de 1940 e 50 pela América do Sul, Christensen inspirou-se nesse novo ciclo de horror satânico e sobrenatural para realizar o que inicialmente formaria uma trilogia de filmes do gênero. O conto Flor, Telefone, Moça, de Carlos Drummond de Andrade, uma das raras –senão única– incursão do consagrado escritor na literatura de terror, serviu de base para Enigma para Demônios, rodado em 1974 e lançado em junho de 1975. A fonte, um conto com pouco mais de duas mil palavras, forneceu somente o ponto de partida do enredo (uma moça que é atormentada por telefonemas do além depois que pega uma flor ao acaso num túmulo); o próprio Christensen se encarregou do roteiro, com diálogos escritos por Orígenes Lessa.

A história acompanha a chegada a Minas Gerais de Elza, que está vindo da Argentina, depois da morte do pai, para reencontrar seus únicos parentes vivos –os tios e um primo que ela não conhecia. Sua viagem de volta ao Brasil é para receber a herança deixada pela mãe: uma propriedade no interior do Estado e uma enorme fortuna. Porém, logo que chega ela também fica sabendo do escândalo sexual que causou sua separação da mãe ainda quando criança e também das circunstâncias trágicas que envolveram a morte da mãe, num acidente de carro mal explicado. A trama começa a se complicar quando a moça vai visitar o túmulo da mãe no cemitério e pega ao acaso uma rosa de uma sepultura qualquer, sai do cemitério e a deixa cair na calçada; pouco depois, começa a receber telefonemas ameaçadores, nos quais a voz insistente do morto exige que ela devolva sua flor. Os parentes não acreditam na história e desconfiam que ela esteja enlouquecendo, o mesmo mal que vitimou sua mãe. Elza vai ficando cada vez mais transtornada e os telefonemas não cessam.

Christensen cita o poeta maldito Charles Baudelaire na epígrafe: “A maior astúcia do Diabo está em persuadir-nos de que não existe”. O tema estava em evidência na época –novamente por causa de O Bebê de Rosemary e O Exorcista– e a preocupação do cineasta parece ser a de tornar plausível a presença do sobrenatural e do diabólico no enredo. Porém, é uma situação paradoxal: a solução do enigma revela que os verdadeiros vilões são os parentes, mesquinhos e de ganância desmedida, que conspiram para se apoderar da herança da moça. A participação de uma seita satânica –no momento visualmente mais impactante do filme– é responsável pela conexão com as forças diabólicas e com o mundo do sobrenatural.

Enigma para Demônios foi filmado em Belo Horizonte, Mariana, e na cidade histórica de Ouro Preto, com cerca de trezentos anos de existência, um cenário que oferece a estética barroca de um “terror quase medieval” –nas palavras do próprio cineasta– proposto pelo enredo. A passagem por Ouro Preto valeu a Christensen uma homenagem da Câmara Municipal da cidade, que outorgou-lhe a Medalha de Aleijadinho (a exemplo da honraria recebida anteriormente em Visconde do Rio Branco), por ter escolhido a cidade como cenário de seu filme.

Esteticamente, o filme remete aos clássicos de horror estrangeiros, com castelos góticos e assombrações. Porém, estruturalmente, há uma sensível alteração do convencional no que se refere à narrativa clássica de horror: dessa vez é a mulher vinda da cidade grande (Buenos Aires) quem acredita estar às voltas com forças sobrenaturais, enquanto os moradores locais acreditam que ela sofre de distúrbios mentais. Uma conspiração envolvendo cultos satânicos, missas negras e sacrifícios embaraça as tramas e justifica esse comportamento.

Monique Lafond é a grande estrela do filme, desdobrando-se nos papéis de Elza e de sua mãe, que aparece em algumas cenas de flashback e numa cerimônia satânica que resulta na possessão do corpo da jovem. Luiz Fernando Ianelli, revelado em O Menino e o Vento e presente em Anjos e Demônios, tem o principal papel masculino; outro destaque é o iniciante José Mayer, no papel do jovem médico que acaba salvando a moça no final. No ano seguinte, Mayer assumiria o papel de protagonista no próximo filme de horror de Christensen, A Mulher do Desejo (A Casa das Sombras).

Carlos Primati



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