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Prénom Carmen (Carmen de Godard)

França, 1982, cor, 35mm, 85’



Carmen participa de um grupo terrorista que assalta um banco. No meio do assalto, ela conhece Joseph, segurança do banco, e se apaixona. Eles fogem para o litoral, mas o romance desanda, ao passo que o grupo de Carmen planeja uma nova operação num hotel.

Na coletiva de imprensa do Festival de Veneza de 1983, do qual Prénom Carmen recebeu o Leão de Ouro de melhor filme, Godard afirmou que estava “interessado em ver as coisas, não antes de elas existirem, mas antes que se lhes dê um nome”. Na mesma entrevista, disse ainda: “Acho que, no cinema, não pode haver senão histórias de amor”. Godard costuma despistar os jornalistas, mas, dessa vez, foi franco e exato, dando-lhes a melhor explicação possível da simplicidade de Prénom Carmen, uma história de amor que, partindo de um grande mito feminino já conhecido de todos, busca, paradoxalmente, retroceder ao que existe antes do nome, antes da linguagem, antes do conhecimento. Nomear, como se sabe desde os tempos bíblicos, é dominar, designar, classificar. Inversamente, não dizer o nome, ou regredir ao pré-nome, é negar da história de Carmen aquilo que todos já conhecem, é arrancá-la da ordem simbólica em que foi enquadrada pela tradição. É “contar” sua história ao invés de somente representá-la.

Godard se aventura como ator e interpreta um dos personagens do filme. Tio Jean, como sua sobrinha Carmen lhe chama, é um cineasta hipocondríaco que, no início do filme está internado num hospital (ecos do personagem de Jerry Lewis em O bagunceiro arrumadinho podem ser sentidos). Sua primeira participação é pura comédia física: Godard toca e esbarra em todos os objetos que estão no quarto de hospital, tornando visível esse conflito comum a todos os heróis burlescos da história do cinema, a saber, o conflito entre o corpo do ator cômico e o mundo material circundante, que lhe oferece obstáculos permanentes. Godard inicia, assim, a exploração de uma “persona” cômica que seria desdobrada em Soigne ta droite (1987). Se ele retorna ao cinema burlesco é porque este havia inventado, por meio dos corpos de Chaplin, Keaton, Langdon, etc., a forma mais direta de apreensão cênica do desajuste de um sujeito com o mundo. Ao se internar no hospital e se alienar do restante do “mundo do cinema”, Godard anuncia a postura de reclusão que doravante marcará sua obra.

Prénom Carmen é o terceiro filme da fase iniciada com Sauve qui peut (la vie) (1979). Fase de recomeço e redescoberta, em que antigos temas e motivos de sua obra ressurgem transfigurados. Se, em Passion (1982) (seu filme anterior), víamos uma releitura de O desprezo, aqui é o enredo de Pierrot le fou (1965) que reaparece: um homem encontra uma mulher e se junta a ela numa aventura fadada ao fracasso. Ela participou de um sanguinolento assalto a banco; ele, que trabalhava como segurança no banco, ajudou-a a fugir. Eles pegam a estrada e se retiram numa casa à beira do mar. Mas a mulher logo se cansa da monotonia da vida conjugal e perde o interesse pelo companheiro, que se desespera. De maneira bem simples, é assim que a intriga pode ser resumida. Trata-se de um boy meets girl à maneira de Godard, ou uma aventura romântica com ares de small movie – para usar a mesma expressão que aparece numa cartela ao final, fazendo alusão a um antigo gênero de filme “pequeno”, B, de baixo orçamento, protagonizado por assaltantes de banco e amantes desmiolados (filmes como os que Joseph H. Lewis realizava nos anos 1950). O filme condensa, talvez em seu apogeu, o trabalho singular de Godard com os gestos e, de forma mais ampla, com as condutas corporais dos atores. Há cenas em que um tapa, um empurrão ou uma carícia sexual são executados com um inaudito misto de impulsividade e exatidão pictórica; são ações incompletas, que mal se esboçam, mas mesmo assim se fixam com total força na tela. Em outros momentos, os corpos são paralisados numa pose escultural carregada de beleza e sofrimento. Afinal, como diz o Tio Jean, “a beleza é o começo do terror que somos capazes de suportar”.

Os planos do mar da Bretanha (cinzento e frio), assim como as imagens do tráfego noturno de Paris, surgem e ressurgem como um leitmotiv ou como uma imagem-refrão trazida pela montagem, marcada aqui por uma liberdade de raccord que se pensava ter morrido com o cinema silencioso, ou ter ficado restrita às periferias mais distantes do cinema experimental.

Prénom Carmen se equilibra entre duas formas de beleza, encarnadas pelas duas mulheres com que Joseph (Jacques Bonnaffé) se relaciona. De um lado, Claire (Myriem Roussel), violinista de um quarteto de cordas que ensaia peças de Beethoven (outro leitmotiv da montagem). Sua beleza é angelical, supraterrestre, tornada ainda mais diáfana pela luz clara que entra pela janela enquanto toca o violino. Já a beleza de Carmen (Maruschka Detmers) é o exato oposto: carnal, terrestre, selvagem, imperfeita. Carmen é um corpo que pede para ser desejado, ou melhor, que praticamente impõe tal condição – inclusive, ao próprio Godard, que jamais havia filmado um nu feminino (nem mesmo o de Brigitte Bardot) com tamanha intensidade erótica. Não há como não considerar o corpo nu de Maruschka Detmers o centro energético do filme. Essa beleza viciosa da carne desestabiliza qualquer ordenação racional, do mesmo modo que o caos da realidade, seu rumor confuso, perturba a harmonia absoluta expressa pela música de Beethoven, que o quarteto ensaia isolado do mundo. O cinema de Godard atravessa de um lado a outro, num inquieto vaivém, o fio que conecta esses dois extremos.

Luiz Carlos Oliveira Jr.



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