Apresentação - Notas do Editor

 

A organização da mostra e do livro-catálogo

O primeiro contato que estabeleci com José Mojica Marins foi em 2001, na primeira edição da mostra Cinema Marginal. Manifestei já naquela época interesse em organizar uma retrospectiva de sua obra. Em 2003, coloquei em curso esse projeto.

Grande parte das mostras já realizadas sobre a obra de Mojica se concentrou em seus filmes de maior impacto: À meia-noite levarei sua alma, Esta noite encarnarei no teu cadáver, O estranho mundo de Zé do Caixão e O despertar da besta (ex-Ritual dos sádicos). No entanto, ainda que tenha se afirmado como precursor do cinema de horror no Brasil, Mojica também ousou trabalhar no registro de outros gêneros cinematográficos, como o melodrama, o faroeste, a pornochanchada e o sexo explícito. Como estas são facetas pouco exploradas de sua filmografia, tivemos como objetivo, ao organizar  o livro-catálogo e selecionar os filmes para a mostra José Mojica Marins – Retrospectiva da Obra, permitir que o público conhecesse, da maneira mais completa possível, a trajetória deste cineasta extraordinário, que já conta com meio século de carreira. A mostra prevê a exibição da maior parte dos filmes concluídos com direção do cineasta, entre outros.

Ao confeccionar  o livro-catálogo – feito nos moldes das publicações que acompanham as mostras que realizo –, achei por bem enfocar a obra do cineasta, em detrimento de passagens de sua vida pessoal já amplamente difundidas. O propósito maior foi, acima de tudo, incitar à reflexão. A filmografia de Mojica é bastante extensa e uma das primeiras etapas do trabalho foi organizá-la para selecionar os filmes para a mostra e também para o livro-catálogo. Partimos da filmografia compilada pelo pesquisador Carlos Primati, um trabalho realizado com grande dedicação, e procuramos enriquecê-la. O resultado está nos Extras, em Filmografia . Para realizarmos essa tarefa, durante quatro anos empreendemos um grande esforço de pesquisa e sistematização, detalhado a seguir. Mojica muitas vezes exerceu mais de uma função nos filmes de que participou: integrou a equipe técnica, foi supervisor de direção e/ou produção, atuou, escreveu argumentos e roteiros. Por isso, para elaborar uma filmografia mais completa e atualizada do cineasta, em 2004 fizemos algumas visitas à Cinemateca Brasileira. O balanço foi desalentador: não havia cópia de difusão da maioria deles e muitos de seus negativos originais, tanto de som quanto de imagem, corriam risco de desaparecer.

Durante a pesquisa constatamos que muitos filmes acabaram se perdendo, principalmente seus filmes amadores, realizados entre as décadas de 40 e 50: dos 16 elencados pelo diretor, restou apenas um trecho de quase nove minutos de Reino sangrento (1950), que encabeça os artigos críticos  escritos especialmente para o  catálogo. Além de pesquisa solicitada às cinematecas, estabelecemos intenso contato com produtores, atores e outros profissionais com quem Mojica trabalhou, no intuito de checar a existência dos materiais fílmicos e das peças de divulgação, informações das fichas técnicas e, quando era o caso, as datas de produção e lançamento.

A filmografia de José Mojica Marins foi dividida em longas, médias e curtas-metragens, de ficção e de não-ficção, filmes profissionais concluídos e não-concluídos. Separamos num item os filmes com direção não-creditada a Mojica ou com sua direção de cenas adicionais. Também ganharam indicação os filmes amadores, os filmes realizados com alunos e algumas produções em vídeo. Ao longo da carreira, Mojica se envolveu em diversos projetos, e é grande a dificuldade em se obter dados precisos sobre certas obras. Em muitos casos não há registro algum, e em outros existem apenas poucas fotos, cartazetes e a memória de Mojica. Cartazes e créditos nos filmes muitas vezes não exprimem a realidade dos fatos. Em livros especializados, as informações às vezes aparecem de maneira contraditória. Há grande divergência no que se refere a datas, ficha técnica, grafia dos títulos e dos nomes dos profissionais envolvidos. Procuramos fazer um amplo levantamento em diversas fontes, cruzando as informações nelas obtidas. Além disso, tivemos a oportunidade de abrir os arquivos pessoais de Mojica e esmiuçá-los. Examinamos documentos guardados em quase uma centena de pastas: contratos, notas fiscais, recibos, pareceres e certificados da censura, roteiros, relatórios, cartas etc. Nesse processo de pesquisa e checagem, contamos com a participação inestimável de Hilda de Alencar Gil.

Como parte das obras que constituem a filmografia de Mojica não foi lançada em circuito comercial, optamos por especificar as datas de produção, em detrimento da data de lançamento de cada filme, o que explica a ocorrência de datas duplas atribuídas a algumas realizações.

A pesquisa do conteúdo cinematográfico foi feita em 2004, 2005 e 2007, em três incursões ao acervo pessoal dos filmes de Mojica. A maior parte do material encontrado na Associação Beneficente e Cultural Zé do Caixão estava guardada em sala úmida e abafada, e os filmes sem nenhuma condição de aproveitamento foram descartados. As duas primeiras visitas técnicas foram realizadas por Francisco Mattos e Fábio Kawano, da Cinemateca Brasileira.

Já em 2007, foram inventariados por Marcelo Colaiacovo, da Heco Produções, os 400 rolos remanescentes, menos deteriorados, acondicionados em 368 latas enferrujadas. No intuito de classificar os títulos, mesmo os inaproveitáveis e, acima de tudo, preservar aqueles que estavam em bom estado, identificamos todos os rolos em mesa enroladeira, e descobrimos que alguns deles são registros únicos da obra do cineasta.

Para compreendermos melhor a filmografia de Mojica, foi preciso confirmar a existência de cada um de seus filmes. Ao longo da carreira, Mojica manteve como prática corrente a comercialização dos direitos autorais dos filmes que dirigia. O objetivo era angariar mais recursos financeiros, fosse para subsistir, fosse para a conclusão de projetos iniciados. Apesar disso, o cineasta nunca se preocupou com quaisquer procedimentos burocráticos e nem sempre lia os contratos que assinava. Além disso, precisamos nos assegurar da participação do cineasta em filmes em que seu trabalho não foi creditado e nos certificar das datas exatas de produção e lançamento de cada obra.

Outro fator que dificultou muito a escolha dos filmes foi a falta de cópia de difusão da maioria dos filmes. Conseguimos o apoio da Labo Cine, que facilitou enormemente a realização de 25 cópias, entre longas, médias e curtas-metragens.

A consulta sistemática ao acervo pessoal de Mojica se revelou imprescindível, dada sua extensa filmografia e a grande quantidade de material iconográfico referente à vida e à obra do diretor – não apenas em seu arquivo pessoal, mas pertencente ao acervo de outros pesquisadores. Durante mais de quatro meses, em 2007, dedicamo-nos a organizar todo esse material, que soma mais de 6 mil referências iconográficas, entre ampliações, contatos, cartazes e cartazetes de divulgação. Nossas principais preocupações eram identificar os filmes a que pertenciam, quais eram as pessoas retratadas e a quem pertenciam os direitos autorais dessas imagens. Todo esse material foi separado por temas/filmes e reagrupado. Há dezenas de outras pastas, com roteiros e recortes de jornais e revistas, que foram apenas identificadas. Paralelamente, nesse mesmo período, realizamos uma pesquisa em diversas instituições públicas.

Novos olhares críticos sobre a obra de Mojica

Nos livros das mostras que organizei (todos eles com o artista plástico Pedro Di Pietro como responsável pelo destacado trabalho gráfico), tradicionalmente destino um espaço para artigos críticos de pesquisadores. No livro-catálogo José Mojica Marins – 50 anos de carreira foi necessário privilegiar certas obras de Mojica, aquelas comprovadamente concluídas e que sobreviveram à deterioração e ao extravio. As análises de filmes da seção Filmes foram dispostas de acordo com a data de produção dos filmes dirigidos pelo cineasta. No intuito de fornecer um panorama do início das atividades de Mojica no cinema, a seção conta com 35 artigos e é encabeçada por dois filmes que seriam um média e um longa-metragem, mas dos quais restam apenas trechos: Reino sangrento e Sentença de Deus, respectivamente. O primeiro não está preservado na íntegra, e o segundo não chegou a ser concluído.

Em seguida, nessa mesma seção, vêm críticas dos principais longas-metragens do diretor, análises sobre a atuação do cineasta nos filmes em que tem participação mais efetiva, ou seja, participações de Mojica em filmes dirigidos por outros realizadores; a seguir, suas participações em documentários, sua pequena produção de filmes de sexo explícito e, por último, um artigo sobre suas realizações televisivas, programas que se perderam quase na totalidade.

Ao não ter condições de produção para dirigir seus filmes em seu próprio país, Mojica se viu obrigado a trabalhar em projetos que não tinham necessariamente a ver com as suas propostas iniciais. Ainda assim, mesmo após a seleção de seus filmes mais significativos, que ganham aqui análise crítica, houve dificuldade na localização de certas obras, como Sexo e sangue na trilha do tesouro, A mulher que põe a pomba no ar, Simplesmente mulher, Evolução (Homens vs. máquinas: a luta do século no planeta dos botões) e O diabo de Vila Velha, este último o primeiro convite para atuação profissional de Mojica após realizar À meia-noite levarei sua alma.

A seção Especiais traz análises de filmes escritas especialmente para esta publicação. São textos encomendados a críticos, pesquisadores e cineastas para dissecar as obras centrais da filmografia de Mojica. Foram ordenados cronologicamente e contemplam principalmente os filmes com direção de Mojica ou de seu pseudônimo J. Avelar.

A seção Ensaios reúne textos que discorrem mais aprofundadamente sobre a obra e a vida do cineasta, acrescidos da opinião e do repertório pessoal de três ensaístas – Alexandre Agabiti, Carlos Primati e Marco Aurélio Lucchetti – que são grandes conhecedores da cinematografia mojiquiana.

A seção Depoimentos consiste em três textos escritos por personalidades que têm admiração por Mojica e quatro entrevistas com pessoas do círculo de relações mais próximo ao cineasta.

A Bibliografia Comentada (na seção Extras) é uma fração da “monstruosa” quantidade de material escrito sobre o cineasta. O recorte é significativo, pois relaciona livros, trabalhos acadêmicos e críticas de filmes originalmente publicadas na imprensa.

Na Filmografia, elaborada por Carlos Primati e complementada pela equipe da Heco Produções, encontramos a dificílima tarefa de organizar uma relação consistente baseada prioritariamente nos trabalhos de Mojica feitos em película. Boa parte de suas obras mais antigas foi perdida pela ação do tempo; e as participações em vídeo, em contrapartida, são extensas e diversificadas, mas neste formato optamos por incluir apenas alguns dos vídeos com direção comprovada de Mojica.

Este site traz também uma longa entrevista com José Mojica Marins, realizada em sete encontros com o cineasta, nos meses de abril e maio de 2007. Foram gravadas 30 horas de conversa com Mojica. Para a formulação da pauta, convidei o pesquisador, professor e amigo Arthur Autran – que desde 2001, como um braço-direito, participou ora como consultor, ora como ensaísta dos projetos da Heco – e Daniela Senador – que, contratada para catalogar parte dos documentos inventariados do acervo de Mojica, juntou-se a nós a fim de assistir e debater cada um dos filmes do diretor. Na Entrevista foram abordados seus filmes mais marcantes, a relação de Mojica com diversos produtores – em especial com Augusto de Cervantes –, a repercussão de seus filmes junto ao público e o estilo cinematográfico do diretor. Elaboramos um Glossário com nomes, empresas e lugares citados por Mojica em seu depoimento, a fim de contextualizar algumas das passagens importantes de sua fala.

Mojica e a cultura brasileira

Dentre todos os projetos já realizados pela Heco Produções, este foi o que mais encontrou dificuldades para a captação de recursos. Apesar de o projeto ter sido aprovado nas leis de incentivo à cultura (leis Rouanet e Mendonça), as empresas contatadas se recusaram a vincular sua imagem ao personagem Zé do Caixão. Esta recusa se deve não somente ao desconhecimento da importância deste cineasta no panorama do cinema brasileiro e, sobretudo, da cultura brasileira, mas também ao fato de seu nome estar relacionado com freqüência a manchetes sensacionalistas. Isso não deixa de ser contraditório, já que se conhece bem o forte apelo popular que exerce a figura deste cineasta envolvido em mais de cem filmes, desde os anos 50. O carisma de Zé do Caixão e o reconhecimento do alcance popular do trabalho de Mojica mais uma vez ficou comprovado quando, em fins de 2003, Fátima Secches e eu propusemos ao estilista Alexandre Herchcovitch que homenageasse Mojica e seu Zé do Caixão por ocasião dos 40 anos de vida do personagem, que seriam comemorados no ano seguinte. Fátima estava envolvida comigo na captação de recursos financeiros para realizar a mostra sobre Mojica. Enviei para Herchcovitch os DVDs dos principais filmes e cópias de alguns cartazes, e ele então decidiu que usaria Zé do Caixão como mote para criar sua coleção masculina de inverno 2004. Ouso dizer que esse foi o pulo do gato para a carreira do talentoso estilista, que, com o notável trabalho que realizou inspirado em Zé do Caixão, obteve grande visibilidade no Brasil e no exterior.

Outro momento decisivo em que presenciei o fascínio que a figura de Mojica exerce foi quando o convidei para realizar oficinas e palestras nas mostras que organizei em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, respectivamente em 2001, 2002 e 2004. A presença do cineasta foi a mais destacada dessas mostras, única atração a ganhar matéria no programa Fantástico da Rede Globo e destaque na capa dos principais jornais locais. Mojica foi a figura mais festejada pelo público; de longe, a que mais rendeu repercussão na mídia. Mas, num país como o Brasil, em que grande parte das verbas de promoção e marketing é destinada a projetos duvidosos, definidos por critérios muitas vezes questionáveis, que terminam por favorecer produções comerciais de “público garantido” (deixando de lado uma política cultural mais ampla e arrojada), o que cria verdadeiras lacunas em nossa cultura, muitos projetos valiosos se ressentem, muitas vezes, de uma melhor avaliação de sua relevância cultural. Gostaria de agradecer ao Centro Cultural Banco do Brasil pela sensibilidade em apoiar o projeto da retrospectiva da obra de Mojica Marins. Agradeço também o apoio da Cinemateca Brasileira, que se aliou ao projeto de maneira admirável, propiciando condições de difundir os filmes de Moijca, preservados durante mais de 30 anos, tornando-se assim parceira na viabilização deste projeto. Outro apoio fundamental foi o da Labo Cine do Brasil, que apóia os projetos desenvolvidos pela Heco desde 2002.

A praga: filme inédito recuperado e finalizado

Em 2001 assisti pela primeira vez ao material bruto de A praga, filmado por Mojica em Super-8 nos anos 80. A fita continha pouco mais de 60 minutos de imagem, sem som. A praga havia sido primeiramente escrito por Rubens F. Lucchetti, a partir de argumento de Mojica, para o programa da TV Bandeirantes, na série Além, muito além do além, exibida entre 15-9-1967 e 26-7-1968. Neste programa, ao todo foram exibidos 34 episódios com uma hora de duração, e A praga era o de número 13. Em videoteipe P&B, teve a direção de Atonino Seabra e Mário Pomponet, com Zé do Caixão como protagonista. Na época, o programa estava entre os de maior audiência na televisão brasileira.

Mojica, irrequieto como sempre, propôs que eu concluísse e lançasse o filme. Porém, para que isso ocorresse, seria necessário ainda filmar algumas cenas que não haviam sido rodadas nos anos 80, montar, dublar os diálogos, criar a trilha sonora e finalizar som e imagem do filme. Desde aquele momento em que assisti ao material bruto, fiquei perturbado com o drama vivido pelo jovem casal Marina e Juvenal: passeando com a esposa, máquina fotográfica a tiracolo, ele acaba em frente à casa de uma velha. A estranha senhora, colhendo plantas em seu jardim, percebe o casal tirando fotos dela a torto e a direito.

Descontrolada, a velha mulher revela-se uma bruxa e acaba por jogar uma praga em Juvenal. A partir daí, o casal terá sua vida completamente alterada. Entendi que a narrativa de A praga era uma espécie de thriller de suspense psicológico e horror. O material bruto me motivara bastante e parecia ser um grande desafio – além de uma honra, pois se tratava de um filme inacabado do Mestre, filmado quase três décadas antes.

Quando o projeto para realizar a retrospectiva em homenagem aos 50 anos de carreira de Mojica foi aprovado no edital do CCBB em 2006, achei que seria o momento certo de resgatar a idéia de concluir A praga. Tínhamos como máster duas fitas de vídeo: uma VHS e uma Beta, incompletas, com imagens por vezes muito escuras, e ambas sem som. Os positivos estavam perdidos. Chamei Rodrigo Castellar (Magoo) para atuar como diretor de produção, a fim de, junto com minha fiel e valorosa equipe (da qual destaco Fábio Dell’Ore e Marcelo Colaiacovo), organizarmos os ensaios, a transcrição dos diálogos, a dublagem e a gravação das cenas adicionais em Super-8 necessárias para concluir a montagem do filme. A participação de Magoo nesta etapa de produção foi fundamental. A montagem do primeiro corte do filme foi uma experiência fabulosa, pois não fazíamos idéia exata dos diálogos dos atores – não havia nenhuma anotação ou lista de diálogos. O primeiro corte foi realizado sem nenhuma referência de som, o que ajudou muito no processo de estruturação da montagem do filme e na criação de sua linguagem.

Foi preciso a ajuda de uma deficiente auditiva para fazer a leitura labial das cenas e transcrever os diálogos. Com o primeiro corte, ainda sem som, procuramos Miriam Biderman e Ricardo Reis, da Effects, e mostramos a eles o filme. Pretendíamos conseguir um apoio para dublagem, edição e mixagem de som. Ambos ficaram em estado de êxtase e concordaram em apoiar o projeto. A dublagem dos diálogos foi feita a partir dessa transcrição e de fragmentos do roteiro encontrados com Mojica. Também foi usada como referência a revista em quadrinhos de 1969 que contém a história A praga. Convidamos atores profissionais para dar voz aos atores da época. Eucir de Souza, Luah Guimarães e Débora Muniz  fizeram um trabalho excelente, que fortaleceu em muito a trama. Feita a decupagem das cenas a serem rodadas e o plano de filmagem, as “cabeças” que amarram o enredo do filme foram realizadas com o Zé do Caixão.

Algumas cenas com efeitos especiais foram rodadas também, e a equipe que atuou no estúdio da Locall, cedido a título de apoio cultural, foi excelente: Louis Robin, André Kapel, René Brasil, Israel Basso, Denis Magalhães, Juliano Chiquetto, entre outros. Em doze horas de filmagem rodamos mais de 30 planos em Super-8 com câmera e fotografia de André Sigwalt.

E, com todo o material adicional filmado e os diálogos dublados, ajustei e concluí definitivamente o primeiro corte, para em seguida partir para a estruturação do segundo corte do filme.

Acabamos por localizar as másteres originais do filme rodado em 1980, e então foi possível teleciná-los com apoio dos Estúdios Mega. Enfim, conseguíamos ver o rosto e as expressões das personagens e as locações. Havia junto aos rolos localizados algumas cenas com testes de atores e uma cena de um ritual religioso, rodado com a mesma atriz que atua no filme, Sílvia Gless, mas com outro ator, desconhecido, representando o papel de Juvenal.

Este acabou sendo interpretado por Felipe Von Rhine. Foram refeitas algumas dublagens para acompanhar a evolução da montagem e inserida a trilha sonora composta por Thiago Cury. A partir deste segundo corte, contei com a valorosa colaboração de Mario Cezar Rabello, que operou a máquina de edição e fez todas as inserções dos diálogos e sons.

Com o terceiro corte da montagem de A praga concluído, partimos para a finalização de som e imagem na Cinema, também apoiadora do projeto. O filme foi finalizado em vídeo para ser exibido em algumas sessões especiais da mostra. Pretendemos lançá-lo em circuito comercial em película 35 mm. Para que isso ocorra, ainda será preciso conseguir recursos financeiros adicionais.

A praga é um filme inédito de José Mojica Marins, um filme-resgate em que foram tomados todos os cuidados para não descaracterizá-lo, de forma a não perder a identidade dos filmes dele. Como assisti a praticamente todos os filmes de Mojica, elaborando a pauta das entrevistas que fizemos durante sete longos encontros, aproximei-me muito da linguagem de seus filmes e de seu pensamento.

Para mim foi uma experiência única passar por todo o processo de juntar peças, aqui e acolá, para produzir e montar o filme. Mojica assistiu aos dois cortes do filme e ficou muito animado. A alegria de ver o Mestre assistir a seu A praga concluído deixou todos da equipe comovidos. Ele, sempre muito positivo e incentivador – e, claro, gostando do que via – , deu-me liberdade total para trabalhar e concluir seu filme, mostra de confiança a que agradeço muitíssimo. Mojica é um gentleman. Quando sugeriu que filmássemos uma cena que não estava prevista no plano inicial, pediu com muita educação e gentileza, fundamentando seu pedido, de maneira a torná-lo inquestionável. Impossível dizer não ao Mestre, mesmo com as limitações orçamentárias que tivemos.

Considerando os padrões técnicos e estéticos utilizados hoje como referência para o cinema nacional, o material bruto vai na contramão do cinema feito na atualidade. A praga está longe de se enquadrar nos padrões da maioria dos filmes lançados hoje, cujo esmero técnico vai além da importância e profundidade da história e dos personagens. Ele é “imperfeito” do ponto de vista técnico, não só pelo fato de ter sido filmado em 8 mm, e com câmera condizente a esse suporte, mas por ser um filme rodado em 1980 com orçamento baixíssimo, e realizado hoje nas mesmas condições. A praga é, ao meu ver, a grande novidade da mostra de filmes. Acredito que assistir a esse filme inédito de José Mojica Marins será um deleite para os aficionados do bom cinema do autor. A praga será o último filme de Wanda Kosmo, falecida em 2007, a ser lançado nos cinemas. Mojica e eu dedicamos o filme a ela.

Durante todos esses anos, quando nos encontrávamos, eu dizia a Mojica: “Ainda não consegui a verba necessária, mas vou fazer a mostra, o livro e concluir o filme, fique tranqüilo”. E deu certo, saiu tudo de uma vez, para variar. Quem não morrer verá. Aguardem!

Eugênio Puppo