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A SINA DO AVENTUREIRO

Ficção, 1957-58, 35 mm, P&B, 88 min, longa-metragem

 
 
 

Neste filme, Jaime é um jovem e solitário bandoleiro que vaga pelos povoados do interior praticando assaltos. Em uma fuga, leva um tiro e é acolhido pela família da ingênua Dorinha, por quem se apaixona. Mas o destino reserva surpresas amargas para o aventureiro. Por amor a Dorinha, Jaime se entrega à polícia. Ao sair da prisão, contudo, tem de enfrentar o sanguinário Xavier.

O primeiro longa-metragem escrito e dirigido por José Mojica Marins não pertence ao gênero que o consagrou, o filme de terror. A sina do aventureiro é um faroeste cabloco (ou “western feijoada”, na definição do pesquisador Rodrigo Pereira), vertente prolífica, mas desprezada pela historiografia clássica do cinema brasileiro. Insere-se, portanto, na tradição mais ampla dos filmes rurais de aventura, território que compreende nomes tão heterogêneos quanto significativos como E. C. Kerrigan, Amilar Alves, Luiz de Barros, Humberto Mauro, Eurides Ramos, Antoninho Hossri, Victor Lima Barreto, Carlos Coimbra, Wilson Silva, Osvaldo de Oliveira, Reynaldo Paes de Barros, Edward Freund, Ozualdo Candeias, Tony Vieira e Rubens Prado.

O intuito de dialogar com um dos gêneros mais populares do cinema aponta o que a direção de cinema significa para Mojica: comunicação direta com o público. Daí ser o próprio cinema o seu principal universo de referências. Se em 1958 – ano em que o filme foi lançado – isso ia de encontro ao ideário nacional-popular defendido pelos realizadores independentes ligados à esquerda. Por outro lado, antecipava em pelo menos dez anos a corrente contracultural dos cineastas ditos marginais, marcada pelo culto ao filme de cinema: “O natural é tão falso como o falso. Somente o arquifalso é realmente real”, diria Rogério Sganzerla, com admiração, sobre o criador de Zé do Caixão.

 

O “arquifalso” faroeste A sina do aventureiro compreende em sua estrutura melodramática uma série de clichês facilmente assimiláveis por amplas camadas do público espectador de filmes, leitor de folhetins e de histórias em quadrinhos ou fiel seguidor de rádio/telenovelas. Embora esse compromisso com o gênero pudesse ser relacionado a uma “camisa-de-força”, é justamente o oposto que se dá com Mojica: é o clichê que o redime, é a “prisão” do gênero que o liberta.

Tal relação visceral com o cinema certamente contribuiu para conferir ao filme uma aparência, algo inusitada, de antologia. Enquadramentos e cenários, diálogos e músicas e determinadas soluções de montagem são colhidos de um vasto repertório comum. Reorganizados por Mojica, às vezes dão a impressão de unidade desamparada: Jaime, o aventureiro do título, nos é apresentado em uma espécie de trailler dentro do filme; grandes elipses modificam a caracterização de alguns personagens, mas mantêm intocados tantos outros; as canções (cujas letras foram escritas pelo próprio Mojica) condizem com o estilo épico, mas não são dóceis a ponto de se submeter à narrativa.

O que dá organicidade a esse conjunto desigual de atrações é que tudo parece estar submetido a um paradoxo fundamental: A sina do aventureiro é decupado como um filme mudo e dialogado como um programa radiofônico. Entre o primado da imagem e o reinado da palavra, afirma-se um estilo.

Em A sina do aventureiro não há meios-tons, sutilezas ou perfumaria. Tudo se passa como se o cinema fosse um território a ser constantemente violado. Mojica assina não só a direção, o argumento e o roteiro como também a decupagem. Esse destaque soa estranho, mas faz sentido: corresponde à ambição de Mojica Marins em apossar-se da linguagem, abrindo veredas e clarões com a violência convicta que é própria apenas daqueles espíritos originais, para quem a criação não é circunstância, mas caminho sem volta.

Luís Alberto Rocha Melo