Portal Brasileiro de Cinema  QUANDO OS DEUSES ADORMECEM

QUANDO OS DEUSES ADORMECEM

Ficção, 1971-72, 35 mm, cor, 82 min, longa-metragem

 
 

Nesta continuação de Finis Hominis, o protagonista volta ao manicômio de onde fugiu. Mas os deuses que regem o universo adormecem e o Mal instala-se na Terra, fazendo com que imagens e sons do mundo desordenado voltem a povoar a mente de Finis. Ele sai às ruas novamente para pregar a razão e visita uma favela, um terreiro de umbanda, um casamento de ciganos e sai em peregrinação, sempre convidando os homens a refletir sobre seus atos.

Quando os deuses adormecem é a continuação de Finis Hominis. Nos créditos, identificamos os rostos dos dois personagens que abandonaram a vida mundana por causa do louco profeta no filme anterior. Na verdade, não há nenhum fator especial que faça nosso herói deixar as alas do manicômio para novamente ganhar as ruas da cidade. Simplesmente lhe dá na veneta, e assim começa uma nova aventura, em que se repetem mais ou menos os passos do filme anterior, contudo, de forma ainda mais brusca: alguns episódios autônomos demandam a intervenção de Finis Hominis para que a voz da razão e da justiça revele que os homens agem de forma pouco racional e muito hipócrita.

A maior diferença desse filme em relação a seu antecessor diz respeito ao número e à duração dos episódios: em Finis Hominis víamos diversas cenas e esquetes, ao passo que Quando os deuses adormecem utiliza apenas quatro grandes episódios – todos eles bem extensos, e com um interesse de atração por si mesmos, até meio avessos à própria figura do personagem principal. Temos primeiro uma briga na favela, depois um ponto de umbanda, em seguida um casamento cigano e, por fim, a peregrinação do protagonista, vista num procedimento de filmedentro- do-filme. No mais, como pequena intriga paralela, há o fato de o manicômio onde mora Finis Hominis estar na penúria material porque deixou de receber os vultosos cheques de um misterioso benfeitor.

Se há algo que atravanca um tanto o filme, é essa dupla natureza de atrações: por um lado, é um filme que continua as “aventuras” de Finis Hominis, o personagem; por outro, é um filme de exploitation que já oferece cenas “chocantes” sem a necessidade de intervenção do protagonista. Pode-se dizer que num episódio como o do ponto de umbanda, a chegada do guru é um simples adendo à seqüência. Se no cômputo geral o filme não está entre os mais significativos de Mojica, ele apresenta alguns momentos brilhantes, como as seqüências de abertura e do já mencionado ponto de umbanda. No primeiro caso, algumas imagens de Deus sustentando a Terra fazem casa para o que talvez seja o mais interessante e evocativo discurso filosófico inicial dos filmes do diretor. Quanto ao episódio da umbanda, trata-se de um registro documental, e o filme capitaliza o “escândalo” disso da forma mais oportuna possível: alertando o espectador para que saia da sala de projeção e fique uns cinco minutos na sala de espera caso não esteja preparado para as cenas reais que estão por vir. Curioso é que, desvinculadas de uma tradição acostumada a associar a prática da umbanda ao contato com o demônio, as cenas não surtem efeito assustador. Mas, retrospectivamente, é possível imaginar que ela deva ter chocado meio mundo. Isso só vem corroborar algo que sempre esteve na base da filosofia mojiquiana (e que é, na verdade, a moral da história de O despertar da besta): a cabeça do homem “normal” é capaz de muito mais horrores do que qualquer mundo “fantástico” ou “imaginário”.

Ruy Gardnier