Portal Brasileiro de Cinema  A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES

A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES

Ficção, 1975, 35 mm, cor, 79 min, longa-metragem

 
 
 

Durante uma noite de tempestade, várias pessoas procuram abrigo numa hospedaria de beira de estrada, entre elas um grupo de hippies, um casal de amantes, um suicida, um gigolô e empresários corruptos. Das sombras dos corredores, iluminados pelos relâmpagos do temporal, o místico proprietário da estalagem observa os hóspedes. Na aurora do novo dia, toda a atmosfera de morte que domina o lugar é revelada.

Quem é Marcelo Motta? Consultei o press-release do filme atrás de uma pista. A única coisa que encontrei foram algumas “frases para publicidade” realmente sensacionais. Desprezado por muitos fãs de Mojica, que o consideram um filme menor, A estranha hospedaria dos prazeres - “o maior impacto emocional já filmado” - é diversão garantida e pode ser apreciado sem susto. Trata-se de mais uma das histórias de terror macabro roteirizadas por Rubens F. Lucchetti. É um cinema que podia muito bem estar no gibi. Produzido e estrelado por José Mojica Marins, o filme foi dirigido por um nome que, para mim, sempre foi uma incógnita. Os biógrafos de Mojica e o enciclopedista Luiz Felipe Miranda já haviam resolvido o mistério faz tempo. Marcelo Motta é um antigo colaborador de Mojica que teve o sonho de fazer um filme com Zé do Caixão atendido pelo mestre. Mas apesar do seu nome constar como diretor nos créditos, abandonou a filmagem, fazendo com que Mojica concluísse a obra.

A estranha hospedaria dos prazeres é, portanto, um filme de discípulo. Por isso, não surpreende e pode até conquistar a simpatia de quem ainda não cansou de ver os mesmos clichês repetidos filme após filme.

Há também um clima de nonsense, de filme inglês rodado na Boca do Lixo e de psicodelia que vai prendendo a atenção do espectador menos exigente. Acho que era isso que as pessoas costumavam chamar antigamente de cinema. O estranho mundo de Zé do Caixão é pequeno perto do universo de José Mojica Marins. Raios, tambores, o transe coletivo dos discípulos e um ritual bizarro de ressurreição fazem Zé do Caixão levantar da tumba. O pregador maldito ressuscita dublado (como manda o figurino) e despeja nos incautos sua clássica introdução na forma de vã filosofia: “Viver para morrer ou morrer para viver? Existe a resposta certa? Não! Somente dúvidas… Somente deduções… Qual a certeza do vazio?”.

Agosto, sexta-feira 13. Na hospedaria das almas desencarnadas, a noite é de jogatina, negociatas, chantagem, crimes, orgia, adultério, motoqueiros e taras. A ação avança em direção ao nada. O dono da hospedaria adverte: “As emoções não fazem sentido”. Mojica não pertence a este mundo. Quando o elemento genuinamente nacional coloca a cara na tela, percebe-se logo a diferença. Alguma coisa está errada.

Teria sido a longa exposição de Mojica ao cinema – a infância inteira dentro do Cine Santo Estevão – a causa da terrível mutação? Ele pode matar com um simples olhar. Os ratos que ousaram cruzar seu caminho sabem disso.

Atenção para a fotografia de Giorgio Attili, uma das chaves para se decifrar o cinema clássico feito por Mojica. Outra marca registrada do cineasta: a seleção e mixagem de músicas, sons e ruídos – sem dúvida, o que há de mais atual no filme. As trucagens feitas por Indrikis Kruskops no laboratório de Primo Carbonari também são legais. E os créditos, apesar de toscos, são antológicos.

“A camuflagem da morte é o despertar da vida!” – com louco não se discute.

Remier Lion