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TRILOGIA DE TERROR

Ficção, 1967-68, 35 mm, P&B, 101 min, longa-metragem

 
 
 
Pesadelo macabro
 
 
Procissão dos mortos
 
 
O acordo

Três episódios dirigidos por três cineastas. Em “O acordo”, uma mulher oferece uma donzela ao diabo em troca de desencalhar a filha solteira. Em “Procissão dos mortos”, um operário é o único numa cidade do interior com coragem para enfrentar guerrilheiros fantasmas que surgem de madrugada. E, em “Pesadelo macabro”, um rapaz é aterrorizado por pesadelos nos quais é enterrado vivo.

No primeiro semestre de 1968 ficou pronto o filme Trilogia de terror. Produzido por Antônio Polo Galante e Rena- to Grecchi, o longa-metragem tem três episódios, com direção de José Mojica Marins, Ozualdo Candeias e Luiz Sergio Person. O episódio “Pesadelo macabro”, dirigido por Mojica, foi idealizado para se tornar a adaptação cinematográfica de capítulos da série televisiva Além, muito além do além, que o próprio Mojica mantinha na TV Bandeirantes desde setembro de 1967.

Ex-parceiros de Mojica, Person (roteirista não creditado de A sina do aventureiro) e Candeias (roteirista também não creditado de Meu destino em tuas mãos e eventual colaborador em outras produções do amigo) escolheram dirigir, respectivamente, os episódios “Procissão dos mor tos”, sobre uma cidade aterrorizada por fantasmas, e “Noite negra”, renomeado para o cinema como “O acordo”, sobre uma mulher desesperada que pactua com o demônio à espera da cura para a doença de sua filha.

A partir de enredos bem diferentes, sur giu uma tendência comum aos dois cineastas no filme Trilogia de terror: a intelectualização de temas originalmente voltados para o consumo popular. Na direção do politizado Person, os espíritos que assombram a cidade interiorana se transformaram em “guerrilheiros espaciais”, devidamente trajados de boinas e metralhadoras, espelhando semelhança assombrosa e ambígua com o então recém-falecido Che Guevara.

Na direção de Candeias, o cotidiano de outra pequena cidade, recriado à moda western e tomado por entidades mágicas, é retratado em narrativa fragmentada, distante do modelo cinematográfico clássico e comercial.

Mojica, por sua vez, optou por outro caminho. Ao filmar “Pesadelo macabro”, sobre um rapaz, Cláudio, atormentado pelo receio de ser enterrado vivo, o diretor utilizou elementos comerciais próximos aos que o consagraram na pele de Zé do Caixão em longas-metragens como À meia-noite levarei sua alma e Esta noite encarnarei no teu cadáver. Dos pesadelos do protagonista, repletos de rostos disformes, gritos, cobras, aranhas e sapos; ao ritual de macumba em que homens comem vidro e um pai-desanto quase circense chicoteia jovens donzelas em um processo de purificação e nudez, Mojica soube mobilizar o imaginário popular em torno do terror e do erótico, oferecendo um espetáculo grotesco pleno de voyeurismo.

Este apelo ao imaginário ganhou força pela escolha da temática: ser enterrado vivo parece, ainda hoje, um dos grandes temores da humanidade. A imagem de um corpo a se debater solitário, certo da morte próxima, é recorrente na dramatur gia, reflexo de um calafrio a incomodar o espectador. Da mesma forma, incomoda a cena construída por Mojica para mostrar o desespero de Cláudio ao desper tar dentro do caixão: seu grito, silenciado pelos palmos de terra, é uma tentativa inútil de conseguir ajuda.

O escritor norte-americano Edgar Allan Poe, no conto “O enterramento prematuro”, descreveu tal sentimento com maestria: “A insuportável opressão dos pulmões, os vapores sufocantes da terra úmida, o contato dos ornamentos fúnebres, o rígido aperto das tábuas do caixão, o negror da noite absoluta”.

Reinaldo Cardenuto