Portal Brasileiro de Cinema  A MULHER QUE PÕE A POMBA NO AR

A MULHER QUE PÕE A POMBA NO AR

Ficção, 1977, 35 mm, cor, 84 min, longa-metragem

 
 
 

Depois de ter sido traída pelo marido, Adelaide cria uma ordem secreta, baseada na representação da figura da pomba, que reúne mulheres com planos de se vingar dos maridos infiéis. Em sua missão, a doutora Adelaide transforma humanos em seres alados que atacam as vítimas a bicadas e causam pânico na população. Duas garotas servem de cobaia e viram mulheres-pombas que voam pela noite.

Na abertura do filme, somos avisados que se trata de uma “realização de Rosângela Maldonado”. Atriz de vários filmes nos anos 50 e 60, ela trabalhou com José Mojica Marins em O fracasso de um homem em duas noites de núpcias (1972), Finis Hominis e Sexo e sangue na trilha do tesouro. Foi Rosângela Maldonado quem o convidou para dirigir esta comédia com toques de horror e drama.

A apresentação do elenco é das mais inusitadas do cinema brasileiro: num palco surge um ator que fala diretamente aos espectadores do filme, revelando os atores que entram e saem do palco, sob aplausos de uma platéia apenas sugerida. Na trama, a rica doutora Adelaide tem uma obsessão em torno da qual toda a ação do filme vai girar. Em suas palavras, ela quer “resolver o problema da infidelidade”. Aproveita situações diversas para propagar sua intenção e recrutar mulheres que sofreram adultério, as quais reúne em uma discreta casa.

Somos apresentados a uma sociedade secreta – que tem a pomba como símbolo. Adelaide ouve os relatos das “vítimas” e, auxiliada por belas ajudantes, propõe soluções para os casos. A distância que o filme sugere entre as preocupações de mulheres e homens com relação ao tema fica clara quando dois motoristas comentam na frente da casa: “O que elas estão fazendo lá? sei lá, feitiço, macumba...”.

O enredo se desenrola numa sucessão de casos de traição: a clássica pescaria de fim de semana, uma carnavalesca festa do senhor Baco e passeios de barco nos quais os homens são atacados por estranhos seres penados que surgem do céu. Feridos pelas bicadas destes seres – mulheres vingadoras fantasiadas de pomba –, os homens viveriam em pânico, temendo outros ataques, e se reconciliariam com suas esposas.

Doutora Adelaide e suas seguidoras têm a convicção de que o mundo seria melhor se não houvesse a infidelidade. A meta, portanto, é restabelecer a harmonia familiar perdida pela ação de homens patifes e mulheres libertinas. As mulheres-pombas causam furor na mídia – que as associa a seres de outros planetas –, geram pronunciamentos de autoridades e viram caso de polícia.

O filme trabalha no registro clássico da comédia erótica, com zooms insinuantes em belas mulheres nuas, e traz alguns personagens típicos, como o mordomo homos- sexual apaixonado pelo motorista, além de uma caricata representação dos modos de vida da elite.

A precariedade da construção narrativa dificulta a compreensão de como funcionaria a tal sociedade secreta das pombas. Mas em vários momentos há uma tentativa de associar elementos de magia – que, se melhor explorados, poderiam render um bom universo de mistério – a um discurso de cunho feminista. Tudo gira em torno da simbólica figura da pomba liberada para voar – o que não deixa de produzir um título de interessante duplo sentido. São elementos que se diluem em algumas boas situações cômicas e na recaída melodramática final.

Alessandro Gamo