Portal Brasileiro de Cinema  SEXO E SANGUE NA TRILHA DO TESOURO

SEXO E SANGUE NA TRILHA DO TESOURO

Ficção, 1970, 35 mm, Cor, 83 min, longa-metragem

 
 

Um explorador americano organiza uma expedição amazônica à procura de um tesouro perdido que, após a queda de um avião com valiosas jóias, acabou em poder de um homem misterioso (interpretado por Mojica). Entre noitadas de sexo e violência, os aventureiros entram em conflito (motivado por ouro e mulheres) e terminam por tentar matar uns aos outros.

Em novembro de 1969, por necessidades financeiras, José Mojica Marins aceitou realizar Sexo e sangue na trilha do tesouro. Essa encomenda, a primeira de muitas em sua carreira como cineasta, foi sugerida pelo produtor Nelson Teixeira Mendes, cuja intenção era aproveitar sobras do longa-metragem Herança sangrenta (1966), de Glauco Mirko Laurelli, em um filme de baixo orçamento que tivesse garantia de retorno financeiro.

Na biografia Maldito, os autores André Barcinski e Ivan Finotti recordam o episódio com humor: o desafio de Mojica e do roteirista Rubens F. Lucchetti foi criar e dirigir um enredo improvisado a partir de seqüências previamente filmadas (e descartadas) por outro cineasta. A história de uma expedição em busca de valiosas jóias perdidas na Amazônia nasceu literalmente da lixeira, dos restos de película. Uma seqüência de um teco-teco sobrevoando a fl oresta, imagens de búfalos correndo em disparada, de rios, cobras, mato e uma cachoeira foram as bases criativas para Sexo e sangue na trilha do tesouro.

Tanta atabalhoação, além da má vontade de Mojica em dirigir uma encomenda pouco inspiradora e da imposição do produtor de rechear a Amazônia com orgias e cenas de violência, resultou em um trabalho de péssima qualidade. Há preguiça em um filme cuja principal característica é a esculhambação. São arrastadas e repetitivas as caminhadas na floresta, risíveis as seqüências de briga com facas, pouco excitantes as transas no meio da noite e nada convincente a montagem com as sobras de Herança sangrenta. Lá pelas tantas, quando a expedição deixa o barco e se embrenha na mata fechada, os homens caminham cautelosos e assustados com rifles na mão: no contracampo, búfalos galopam educados em um pasto. Essa cena retira de Sexo e sangue... qualquer tentativa de seriedade e tensão.

 

A esculhambação, refletida principalmente na linguagem técnica do filme, assume também ares carnavalescos nos tipos que integram a empreitada pela recuperação das jóias. Parecem estereótipos, cópias imperfeitas do cinema americano de aventura. Um índio bêbado e mau-caráter – com pluma na cabeça e travestido de apache, cuja obsessão é desvirginar a mocinha inocente – tem como maior desafeto um pai zeloso, fruto distante dos faroestes, em que o amor paterno protege a filha contra a figura ameaçadora do indígena. Aos outros personagens – um gringo, mulheres fatais de minissaia e pistoleiros de torsos à mostra – falta apenas a serpentina e o confete para completar um exotismo que parece não funcionar como recurso para engordar a bilheteria.

Se me proponho a ler essa produção com tamanha sinceridade é pelo espanto de reconhecer em Mojica uma grande vivacidade criativa, despertada no sobrenatural à Zé do Caixão, mas quase inexistente na maioria dos filmes dirigidos por ele sob encomenda ou apenas como bicos para sobreviver. Sinal disso é que O despertar da besta, montado logo após Sexo e sangue..., mas liberado pela censura apenas em 1982, é a pedra de toque na carreira do cineasta.

Reinaldo Cardenuto