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MEU DESTINO EM TUAS MÃOS

Ficção, 1961-62, 35 mm, P&B, 80 min, longa-metragem

 
 

O filme conta o drama de cinco crianças pobres que vivem infelizes com suas respectivas famílias. Cansados de abuso e desprezo, os amigos fogem de casa e saem pelas estradas, acompanhados do violão e da cantoria de Carlito (vivido por Franquito), o mais velho deles. O jovem Franquito, o “garoto da voz de ouro”, foi uma aposta “caseira” para embarcar no estrondoso sucesso de Pablito Calvo, astro-mirim de Marcelino, pão e vinho (1955). Mojica compôs três das dez canções interpretadas por Franquito.

Uma das coisas que mais atrai em Meu destino em tuas mãos é a re pulsa natural que o filme provoca no fã de terror comum, e em boa parte dos fãs de Mojica. Falta ao filme o apelo da produção anterior, A sina do aventureiro, faroeste ro dado em tela larga. Meu destino em tuas mãos é um melodrama suburbano feito para crianças e produzido com olho no sucesso de Marcelino, pão e vinho. As refe- rências são macabras, mas o filme é revelador. Em 80 minutos, desfilam diante de nossos olhos todos os clichês do gênero, temperados por aquele neo-realismo involun- tário das produções sem dinheiro. A direção de Mojica deixou o filme ainda mais cru e violento. É o nosso Los olvidados (Luis Buñuel, 1950), que foi esquecido.

Do ponto de vista técnico e da realização, dentro do ambiente precário da produção independente paulista dos anos 50, não há muito o que criticar. O filme é legal, embora a voz fina do jovem cantor Franquito, para quem o fil- me serviu como veículo, seja algo difícil de suportar. Fotografado com elegância pelo experiente Ruy Santos, o filme conta ainda com duas figuras lendárias na equipe. O montador Máximo Barro e Ozualdo Can- deias, que escreveu o roteiro a partir de anotações de Mojica, mas não levou crédito.

As tragédias familiares são apresentadas pelo cineasta com requintes de maldade. O filme – como bom melodrama – é também um musical que desliza da comédia para o policial, com alguma ação e momentos de suspense eficientes. A decupagem é clássica. E se Mojica traz o melodrama no sangue, ele tem o terror nos olhos. A primeira cena em que aparece no filme é devastadora, uma pérola do expressionismo noir paulistano. É o estopim da fita. O marido chega em casa, bêbado, e bate na mulher.

O filho tenta defender a mãe com um cabo de vassoura. O pai não pensa duas vezes, vira-se para o moleque e diz: “Eu te mato!”. Apavorado, o menino foge com outros amiguinhos do bairro. Eles são uma espécie de Batutinhas da periferia de São Paulo. Todos sofrem maus tratos em casa ou são explorados de maneira sórdida por suas famílias. Um bom retrato de época. Choca a imagem da favela onde mora o garoto negro Crispim – não mais que quatro barracos. Os números musicais com Franquito são delicados, mas o moleque da favela rouba a cena com suas qualidades de ritmista. Classe! Mojica domina e subverte a cadeia alimentar da cultura de massa.

Meu destino em tuas mãos foi realizado com o dinheiro da venda dos long plays de Franquito. A censura prejudicou o filme, classificando-o para 14 anos, e Meu destino em tuas mãos perdeu seu público-alvo. Foi um fracasso comercial. Mesmo assim, merece ser visto. Todas as cenas com Mojica são geniais. Seu talento para o horror é nato. O momento do reencontro com o filho, no hospital, é assustador. O final, na igreja, apoteótico. O mais perto que o cinema brasileiro chegou de Vertigo (Um corpo que cai, Alfred Hitchcock, 1958) e de Fritz Lang (Metrópolis, 1927).

Remier Lion