Portal Brasileiro de Cinema  Entrevista com José Mojica Marins

Entrevista com José Mojica Marins

Por Eugênio Puppo e Arthur Autran

Os termos grifados em negrito e itálico remetem ao glossário da entrevista

 
Carta de recomendação a Antonio André Marins, pai de Mojica
 
 
 
 
 
 
 
 
José Mojica Marins no casamento de Shirley e Luiz Elias (1970)
 
 
 
Exercícios de expressão para atores
 
 
Rubens Francisco Lucchetti examinando um filme (1960)
 
“Teste de coragem” para programa de TV (1967)
 
O despertar da besta (Ritual dos sádicos) (1969)
 
Cena do filme O profeta da fome (1969)
 
Homenagem de Mojica para Ozualdo Candeias (1970)
 
Documento da censura que pede a interdição do filme O despertar da besta (Ritual do sádicos) (1969)
 
Walter Portella e Ana Nilsen em D’Gajão mata para vingar (1971-72)
 
Rosângela Maldonado e Mojica no lançamento do filme A deusa de mármore: escrava do diabo (1978)
 
 
 
Arlete Moreira em Perversão (1978)
 
Silvia Gless em A praga (1980-2007)
 
Dr. Frank na cínica das taras (1986-87)
 
 
José Mojica Marins e Jece Valadão

Infância e primórdios como cineasta

Nasci em 1936, numa chácara enorme, na Vila Mariana, em São Paulo, que pertencia à fábrica de cigarros Caruso – os Caruso eram primos de meu pai. Meu pai era toureiro. Nasço assim naquele negócio com aquelas matas, aquele negócio tremendo, e aí meu pai como toureiro tinha de ficar fazendo viagens, ir para vários lugares, tanto no Sul, Paraná, como a Bahia. Na Bahia, aconteceu um fato inusitado. Eu, quando tinha mais ou menos 2 anos e meio a 3, como minha tia era cigana, meu pai era circense, toureiro, e o irmão dele também, aí acontece o seguinte: havia um grupo de ciganos, e os ciganos brincavam com ele, gostavam do meu pai. Ele era um ídolo no tourear; punha um lenço na boca, o touro tirava o lenço bem raspando. Os ciganos pediram para me levar para o acampamento. Minha mãe ficou doida, mas meu pai disse: “Não, deixa ele ir, deixa ele ir para o acampamento, é tudo gente de confiança”. Aí deu uma zebra, caiu um temporal, alagou um local que eles não conseguiam atravessar. Minha mãe já pensou em rapto: “Ai, raptaram meu filho!”, ficou louca e tal. Começa o meu pai me procurando pelo mundo. De repente, baixou a água e os ciganos, naquela inocência, disseram: “Não, é porque não dava para atravessar, não tinha jeito”. Daquele momento em diante, minha mãe não aceitou mais viajar; ela queria um local fixo para morar. Realmente a família Caruso tinha um cinema em Vila Anastácio. Meu pai conversou com os primos, queria um local fixo, mas não ia abandonar tão cedo as touradas. Ele sairia de vez em quando para tourear, e eu ficaria com minha mãe num lugar fixo. Eu vim morar no fundo do cinema, isso aos 3 anos de idade. Meu pai passou a ser gerente do cinema. Um belo dia, já perto dos 4 anos, o projetista, querendo puxar o saco, fez questão de me levar para a cabina de projeção; e lá aconteceu a coisa mais terrível de minha vida. Era uma época em que às terças-feiras passava a fita para mulheres sobre sexo, doenças venéreas, muito comuns na época, gonorréia, cancro e assim por diante; nas quintas, era a vez dos homens. E justamente nesse dia que estava passando o filme para as mulheres, o projetista me leva lá em cima e abre aquela janelinha da cabine de projeção para eu dar uma olhada no telão. A primeira coisa que eu vejo é uma vagina em close, cheia de gonorréia! Aquilo foi um terror pra mim. Eu olhei aquilo e me assustei todo. Minha mãe escutou meus gritos lá de cima. Ela berrou, e o cara foi mandado embora. Para quebrar o encanto, logo no domingo eu iria ver a matinê com outras crianças. Fui ver e assisti realmente nesse dia uma fita do Carlitos.

Mojica aos 7 anos em Vila Anastácio

Também lembro, uma vez, de meu pai sentado e amarrado numa cadeira. O atirador de facas estava na frente do meu pai. Lembro que uma das facas raspou a testa e aquilo ficou sangrando. Me deu uma má impressão grande, o sangue ia escorrendo entre os olhos. Se você acompanhar, tudo o que eu fiz com os olhos nos meus filmes foi por causa disso, isso sempre me fascinou. Eu acho que o desejo de muita gente é ver as coisas por brechas, e eu diria que na minha vida de garoto vi muito caso sexual – por exemplo, meu dentista pegando uma menina que era noiva. A gente ia no fundo do quintal, fazia uns buracos e ficava vendo as coisas acontecerem.

No cinema, eu comecei naquela época a curtir terror, mas nem sabia o nome das pessoas. Fui saber quem era Boris Karloff acho que uns três anos depois que eu criei o Zé do Caixão. Uma fita que me marcou foi Torre de Londres (1939), em que o Boris Karloff salva uma criança. Talvez o Zé tenha nascido protetor das crianças por isso, porque eu escolhi as crianças injustiçadas. Quando começaram as comparações com Bela Lugosi e Boris Karloff, comecei ir atrás de todas as fitas de terror para entender quem eram e o que eram.

Eu também gostava muito de aventuras na selva. Uma coisa que sempre me deixou doido foram as fitas épicas. Gostava e gosto ainda, isso me seduzia demais. Um filme que marcou foi Quo vadis? (1951). Isso foi em uma época que aqui em São Paulo tinha 300 cinemas, você passava pela avenida São João e só tinha cinema. Sempre acompanhando os títulos, prestava atenção nos de selva, gostava muito dos de suspense, terror; ficção científica, nem se fala. A guerra dos mundos (1953) foi uma fita que mexeu comigo. O primeiro King Kong (1933) também mexeu comigo. Comédia não era muito minha praia, bangue-bangue só quando tinha um muito especial. O que mais me marcou, que eu gostei muito: Os brutos também amam (1953). Sempre gostei de fitas de guerra, mas hoje não gosto mais. Tem tanta guerra acontecendo agora que perdeu a graça.

A coisa que eu mais gostava era de história em quadrinhos. Meu pai montou uma gibiteca, e eu tinha os primeiros números de tudo que era revista, de Super-Homem a tiras que saíam nos jornais. Eu até alugava para o pessoal, para quem quisesse ver, eu cobrava um tostão. A pessoa entrava, pagava um tostão e podia ler, só não levava para casa porque eu tinha medo de que não devolvesse, mas ficavam lá de manhã, tarde e noite. O meu mundo transitava nisso, entre os quadrinhos e o cinema.

Mas, ao mesmo tempo, tinha amizade com o batateiro, ele saía vendendo batatas e, para agradar as crianças trazia bala, dava bala, sentava um pouco com todo mundo e contava histórias em que a gente morria e ia para um mundo bonito, onde a gente falava com cobra, jacaré, leão, onça. Então, todo mundo gostava desse homem, a vida toda. E como tudo que tem de acontecer, um dia o homem morreu. Vem a notícia que ele morreu; eu ainda não tinha bem noção do que era a morte. No velório, a mãe do batateiro dizia: “Só os bons vão embora, os maus ficam”. E o homem ali estendido. A mulher dele abraçava o defunto e dizia: “Por que eu não fui no seu lugar? Ah, por que você não me levou, Deus meu, e deixava ele aqui!”. Eu olhava tudo aquilo com atenção. Até que os filhos, eram quatro, disseram: “Vamos rezar para papai voltar, vamos rezar”. Achei legal. Resolvi rezar, começamos a rezar, e o homem ergueu de repente uma mão, outra mão e tentou se sentar. A gente procurou, da nossa maneira, ajudar ele a sentar sobre o caixão, ele estava desesperado, cheio de algodão no nariz, nos ouvidos, queria saber o que havia acontecido. Nessa altura, já estava o padre: “Vade retro, Satanás!”, e o delegado com arma na mão. Depois desse momento ninguém comprou mais batata do batateiro. Não havia divórcio, a mulher pediu desquite, não quis ele em casa; a mãe dizia que ele era o diabo encarnado. Esse homem saiu de Vila Anastácio e foi para Vila dos Remédios, um outro bairro. Mas o boca-a-boca corria demais e ninguém dava emprego para esse homem.

A solidão levou ele à loucura; ele ficou louco, foi parar no manicômio, dois anos depois veio a falecer. Eu me inteirei do falecimento e pedi ao meu pai que me levasse ao enterro dele. Não foi ninguém da vila e ninguém da família. Ele quase foi enterrado como indigente, meu pai é que correu atrás para o batateiro ter um enterro decente. Ali, eu comecei a olhar e começou a nascer um interesse muito grande pela morte. Comecei a ir para a escola, mas a única coisa em que eu era bom na escola era a leitura. No primário, eu lia muito bem, nota 10, mas o resto... Também gostava de História, falar sobre Roma. Eu via aquelas fitas de Cristo, César, gostava muito.

Meu pai ia me dar uma bicicleta. A coisa que eu mais queria era uma bicicleta de corrida. Mas aí eu falei: “Pai, eu não quero. Quero uma câmera de filmar”, e aí meu pai me deu a câmera. Era uma câmera 9 milímetros e meio – o meio eu nunca vou esquecer. Só lembro que não era nem Super-8, que não existia, nem 8 mm, tinha 8 mm, mas a minha câmera era 9 e meio.

O meu primeiro projetor foi, na verdade, emprestado, alugado, o meu pai que arrumou. Era um projetor para 9 milímetros e meio. Depois que eu passei para o 16 mm, a gente alugava projetor na rua do Triunfo. Depois, eu fui até trabalhar, tenho registro na carteira de trabalho de quando eu era menor. Com 14 anos eu estava na rua do Triunfo, 14 para 15, trabalhando na Centauro, que existiu até uns cinco, seis anos atrás. Eles faziam projetor para 35 mm e 16 mm e alugavam. Então eu alugava os projetores da Centauro e juntava vários jovens das redondezas da minha casa para projetar filmes nas cidades do interior, como Ribeirão Preto, Franca etc. Tudo com autorização dos pais, é claro.

Nessas cidades, a gente pegava aquelas peruas, nem tinham alto-falante, era mais um negócio só de boca: “Hoje no tal cinema, ao vivo, vocês verão os artistas e o filme tal”. A gente passava o filme. Eu apresentava a atriz e a gente ia narrando o filme durante a projeção, porque não tinha som. Mas era um negócio meio chato, porque eu procurava uma namorada da maneira mais estranha que existia. Eu chegava na menina e no primeiro papo perguntava: “Quantos irmãos você tem?”. Quanto mais irmãos tivesse, mais eu queria namorar, porque então eu pegava a família dela e botava tudo na equipe. Mas tinha um problema: quando eu tinha um desentendimento com a menina, suspendia todo o trabalho.

Antonio (Pai), Carmen (Mãe), Derian (Filho), Rosita Soler (Esposa) e Mojica Marins

Foi aí que, de repente, por volta de 1948, surgiu um amigo português, que era o típico professor Pardal. A mãe dele tinha um quintal enorme com um galinheiro, onde eu achava que dava para fazer um estúdio de cinema, e a gente tinha de começar a pegar pessoas de fora do bairro, porque no bairro eu estava queimado e todo mundo achava que eu estava louco. Tinha de pegar pessoas dos outros bairros, amigos que estavam por lá e precisavam de um estúdio para filmar, como eu via no cinema. Aí esse meu amigo falou: “Deixa comigo”, ele pegou uns venenos de rato e deu lá para umas galinhas, que no dia seguinte apareceram mortas. E aí a mãe dele perguntou: “O que raios aconteceu com as nossas galinhas?”. O pai já havia morrido, ela era viúva, e o filho respondeu: “Ah mãe isso é uma epidemia, vão morrer todas as galinhas”. A portuguesa saiu correndo tentando resolver a história das galinhas. Aí, pronto, limpamos tudo aquilo, acabamos com as galinhas e fizemos daquilo o meu primeiro estúdio, que também funcionava como um salão de baile, os meninos de nosso bairro ficavam todos loucos, porque para poder entrar você tinha de comprar rosas e cada dança era uma rosa. Assim a gente arrecadava verba para fazer os filmes.

Nos anos de 1948-49 comecei com a escola de atores. Foi quando eu resolvi que não precisava mais arrumar namorada para ter a equipe. Aí eu tinha de partir para uma outra maneira. Um jeito que eu encontrei foi colocar um anúncio de três linhas no jornal e veio aquela fila tão grande de gente... Você conversava com as pessoas e elas não tinham a mínima noção; queriam fazer cinema, mas não sabiam nada, não tinham noção de nada. Você punha uma câmera, já queriam olhar para lá e fazer brincadeiras; foi uma época difícil. Então eu pensei em como enfrentar esse problema das pessoas olhando para a câmera, e aí eu chamava de ensaio, eu chamava de escola. Minha primeira produtora se chamava Cinematográfica Atlas, e a escola também se chamava Atlas. Mas todo mundo dizia “a escolinha do Mojica”. Comecei a me interessar por tudo, tudo que se faz com um rosto tem uma razão de ser, daí eu falei: “Pô, pra ter essa razão de ser tem de ter expressão”. Na verdade, eu comecei a introduzir na escola uma maneira própria de filmar. É muito melhor trabalhar como uma pessoa da minha escola do que pegar uma pessoa do Macunaíma ou de qualquer outro lugar, porque é uma pessoa viciada. Eu sofro demais para tirar os vícios e depois começar tudo. Se eu pego uma pessoa da minha escola, é muito mais fácil.

Início da carreira profissional

A partir da escola a minha carreira profissional começou a deslanchar. Eu tentei fazer o filme Sentença de Deus por três vezes, e não tive sorte, mas a gente trazia algumas pessoas de nome, pessoas da televisão para filmar. Eu já tinha contato com algumas pessoas boas. Quando chegou a hora de A sina do aventureiro, tinha o Augusto de Cervantes, que começou como meu guarda-costas, foi meu gerente, depois meu sócio e por fim virou meu patrão. Eu e o Augusto éramos como irmãos, eu acolhi ele na minha casa por três anos, meus pais se apegaram a ele como a um filho – por ser espanhol, ganhou meus pais. Ele chegou no Brasil e me conheceu, gostava desse negócio de figuração, de fazer cinema, e teve a sorte de cair no estúdio que eu tinha na Freguesia do Ó. Ele apareceu por lá para ser figurante e tomou umas aulinhas comigo. Era bem difícil entender o que ele falava, porque era um galego bem lascado. Ele andava sempre de terno e gravata borboleta, sempre bem vestido, foi ganhando o pessoal. Agradeceu quando eu falei que ia ser gerente da minha firma, mas de repente ele conheceu a Nilza de Lima, que se apaixonou pelo tipo galante dele, e ele falou que ia ser meu sócio. O segundo casamento dele foi com a filha dela, enteada dele, a Georgina Souza de Lima. Em A sina ele foi meu sócio porque ele tinha se amigado com a Nilza e ela possuía uma graninha. Mas só essa grana não dava para fazer a fita. Eu lancei também um número de cotas para alunos da minha escola. O problema era formar uma equipe profissional. O Honório Marin nunca tinha sido diretor de fotografia, a não ser assistente. Então nasceria uma oportunidade para ele nesse cargo, e ele era um cara que sabia cuidar de câmeras. Depois ele passou a alugar câmera aqui em São Paulo. Ele tinha todo tipo de equipamento para câmera.

Augusto de Cervantes em Meu destino em tuas mãos (1961-62)

A fita foi rodada só com a lente 75 mm. Do elenco, as duas únicas pessoas que não eram realmente da minha escola, mas depois tomaram algumas aulas, eram a Ruth Ferreira e a Shirley Alvez. No início, eu coloquei uns caras novatos que já vinham da escola e peguei a parte principal da equipe técnica de pessoas da Vera Cruz. Mas o Honório e o Corintho Giaccheri, assistente dele, não davam um tostão furado pela minha direção. Por que não davam um tostão furado? Porque o Honório e o Corintho vinham de uma Vera Cruz fazendo cinema com roteiro e tudo quadradinho. Para o Honório, eu não tinha o direito de ficar falando. O Luiz Sergio Person e o Glauco Laurelli acabaram fazendo o roteiro, porque o Honório e o Corintho queriam tudo certinho e eu só tinha o argumento. Eu peguei um cara que era assistente de montagem, chamado Luiz Elias, para mim hoje um dos grandes montadores do Brasil. Aí eu trouxe o Luiz como montador. Eu paguei para ele o que seria um cafezinho e a passagem, porque ele queria pôr em prática aquilo que tinha aprendido como assistente na Maristela. Ele viu aquele mundo de material, e achei legal, porque ele não se assustou. Eu falei: “Você sabe como pôr isso em ordem?”. E ele falou: “Eu sei, mas vamos pegar o roteiro”. E eu disse: “Se você pegar o roteiro vai ser ruim. Deixa eu ir pela minha cabeça que vai ser melhor”. E aí fizemos a montagem e tal. Mas, no fim, nada de lançar a fita.

Na época do Luiz, eu acompanhava a montagem o tempo inteiro. Fiz isso até a época em que a Nilcemar Leyart começou a aprender a montar. Ela limpava, fazia a edição e só deixava o que fosse necessário; aí eu acompanhava a montagem. Hoje estou fazendo com o Paulo Sacramento como eu fazia com a Nilce. Para lançar o filme A sina do aventureiro, eu ganhei os irmãos Valancy, que eram proprietários do Cine Coral, aqui na rua Sete de Abril, em São Paulo. No Cine Coral, o filme ficou muito tempo. Tive a graça de a minha fita cair nas graças deles. Para fazer sucesso, eu usei um estratagema, porque já era difícil você entrar uma semana, e ficar três semanas em cartaz num cinema era mais difícil ainda. O que eu fiz? Eu pegava os meus alunos, numa época em que os cinemas tinham fila, e dividia um grupo de alunos numa fila, outro grupo em outra e mais outra. Todos eram atores, né? Então ficavam todos no meio da fila e diziam: “Pô, a gente perdendo tempo nessa fila, passando uma fita tão boa no Cine Coral!”. Com isso, eles saíam de lá e levavam o pessoal da fila. E ia todo mundo para o Cine Coral. A fita foi muito bem nas capitais. Estourou em Salvador, em Porto Alegre. Porque ela tem uma miscelânea de Nordeste, de roupa nordestina com roupa gaúcha, com roupa americana. Eu misturo tudo, tem uma miscelânea. No final, tem uma curiosidade: a fita realmente agradou, só não agradou aos padres. Aí eu tive uma desavença com os padres que me acompanharia a vida toda. Só não posso dizer ainda com Encarnação do demônio, porque a fita não foi lançada, mas vamos ver o que os padres vão falar.

O que aconteceu com A sina foi que a gente filmou numa cachoeira em São José da Boa Vista, onde eu tive a curiosidade de ficar olhando e vendo que as meninas, as mulheres e os homens tomavam banho lá. Tudo normal, havia respeito mútuo, ninguém mexia com ninguém.

Aí eu precisava que o cara caísse lá no lago e precisava também que as meninas estivessem lá, nada mais que tomando banho. Arrumei um lugar longe, fiquei a uns 500 metros, mais ou menos, com uma lente 75 mm. Elas estão numa penumbra; aí elas saem peladas, pegam a roupa e saem. Mas, olha, você só vai conseguir ver isso no cinema, vai ser difícil conseguir ver que elas estão nuas, só se você pegar uma lupa para ver. Foi aí que começou uma maldição dos padres em cima de mim. Os padres diziam o seguinte: “Não assistam a esse filme”. Naquela época, nos anos 1950, os padres mandavam no interior. E o pessoal não ia. Em cidade nenhuma do interior eu consegui emplacar o filme, mas nas capitais ele estourou. Realmente um padre falava na missa para não ir e de fato ninguém ia. Aquilo estava me causando problemas, pegar o interior do Brasil inteiro era muito importante, porque eu não podia pegar todos os cinemas das capitais.

Aí eu fiquei meio revoltado com aquilo e fui falar com um padre que tinha muita força, o padre Lopes; perguntei se ele podia me ajudar. Eu projetei a fita, aí falei para ele: “Veja essa cena, essa cena é a que eles estão colocando como pornografia. Não custava eu dar um corte mas eu acho que dava um pulo na fita”. O padre falou: “A gente vai conversar e tal, mas vai ser muito difícil. Você pode guardar a fita e ficar de bem. Parece que você é católico, certo?”. Eu falei: “Sou, já fui congregado Mariano, não falto à igreja, sempre comungo, acompanho todas as procissões...”. Aí ele falou: “Então por que você não faz um filme que ninguém pensou em fazer? Um filme com crianças, mas no qual os padres e as freiras são os heróis. Aí você vai ganhar toda a força do clero e explicar a cena de nudez em A sina do aventureiro, que é uma coisa normal. Você lança os dois juntos e todo mundo vai querer ver”.

Eu aceitei a proposta e conversei com o Augusto de Cervantes, já que a gente era sócio nos trabalhos da produtora Apolo. Tinha um garoto que cantava, Franquito, ele era paraguaio e estava na onda. Podíamos colocar ele numa história com mais quatro crianças e fazíamos ele fugir de casa. O Augusto não estava gostando muito da idéia, mas quando eu falei que o garoto encontraria um vagabundo, e o vagabundo ajudaria e se tornaria o galã da fita, mexi com a vaidade dele. Disse: “Esse cara vai ser você”. Porque ele era doido para ser o galã da fita. Era uma boa chance, aí ele aceitou a idéia. Bom, então fomos procurar uma pessoa, o Ozualdo Candeias, que estava sempre de papo com a gente, falei que a história estava pronta, só não estava dividida em seqüências. Aí o Candeias fez o roteiro. Meu destino em tuas mãos era o nome do filme. Ficou bonito, tinha as crianças, os padres pegavam as crianças quando elas fugiam de casa, reabilitavam elas e terminava a fita numa igreja que tinha uma torre, porque eu precisava de um suspense. Fiz a cena final em cima de uma torre bem alta de uma igreja e, na cena, eu fiquei pendurado apenas por uma corda. O suspense não foi só na história, mas também no local da filmagem pois, se a corda se soltasse do meu corpo, eu cairia de uma altura tão grande que com certeza hoje eu não estaria aqui para contar.

De fato, eu agradei aos padres, mas nenhum deles fez nada para que a fita fosse um sucesso. Acho que a fita foi a primeira que teve um vinil com todas as músicas lançado pela gravadora Copacabana. O disco deu mais dinheiro do que a fita. O disco vendeu horrores, a fita não.

Aí fomos distribuir e ninguém quis a fita. Onde eu tinha passado A sina do aventureiro fui passar essa fita e as pessoas me perguntavam como que eu vinha passar uma água com açúcar como aquela – ouvi o que não queria de todo lado. Para a gente lançar, teve de alugar o cinema. Ela ficou duas semanas só, porque nós pagamos duas semanas, mas o público que entrou não cobriu. Eu procurei o padre Lopes, dessa vez já revoltado, e perguntei a ele como eu ia conseguir que A sina fosse relançada se Meu destino em tuas mãos não deu certo. Aí ele falou: “Vamos falar a verdade, Mojica. Eu tenho que dar uma notícia chata para você, agüenta firme. Você não nasceu para fazer cinema, esqueça o cinema, você veio para fazer outra coisa, esqueça desses filmes e parta para sua grande vocação, que é fazer anel”. Eu disse a ele que não era minha vocação; só quis aprender a fazer anel porque queria fazer a minha aliança de casamento. Mas que profissão eu tenho? Eu só fui porteiro e bilheteiro. Ele achou uma boa profissão, e eu falei: “Mas como? Vou ficar vendendo e vendo os filmes dos outros?”. E o padre: “É o caminho que Deus lhe deu”. E eu disse: “Puta que o pariu...”.

Algum tempo depois o produtor Nelson Teixeira Mendes me contratou para ser ator no O diabo de Vila Velha, que era um bangue-bangue. Ele perguntou quanto eu queria, eu disse que não cobrava alto, mas queria levar o meu pai, que estava doente e com muita vontade de ir para o Paraná, onde o filme ia ser feito. Ele falou que tudo bem, e eu fui. Eu conhecia todo mundo da equipe técnica, tinha muitos amigos meus. Todo mundo da equipe ficava impressionado porque o diretor, Ody Fraga, parecia meio confuso e desconhecedor da técnica cinematográfica. A filmagem transcorria num clima de tensão e guerra fria, pois o Ody sempre fazia questão de complicar tudo – talvez para dar a impressão que ele era um diretor grande e genial. Certo dia, quando fomos filmar uma cena em que eu teria de apagar a brasa de um charuto na mão, ele simplesmente queria usar uma lente para plano geral. Eu me recusei. Não me importava de queimar a mão, contanto que a mão fosse filmada em close. Houve discussão e ele acabou sendo mandado embora, também porque os gastos estavam altos. O Nelson então me chamou para terminar de dirigir a fita. Nessa história da demissão, o Ody pegou um ódio de mim que – nossa mãe do céu! –, chegava a me ofender. E ele não era de briga, era um intelectual. Não levantava a voz para ninguém, só para mim; me chamava de ignorante.

Zé do Caixão

Certa noite, ao chegar em casa bem cansado, fui jantar. Em seguida, estava meio sonolento, entre dormindo e acordado, e foi aí que tudo aconteceu: vi num sonho um vulto me arrastando para um cemitério. Logo ele me deixou em frente a uma lápide, lá havia duas datas, a do meu nascimento e a da minha morte. As pessoas em casa ficaram bastante assustadas, chamaram até um pai-de-santo por achar que eu estava com o diabo no corpo. Acordei aos berros, e naquele momento decidi que faria um filme diferente de tudo que já havia realizado. Estava nascendo naquele momento o personagem que se tornaria uma lenda: Zé do Caixão. O personagem começava a tomar forma na minha mente e na minha vida. O cemitério me deu o nome; completavam a indumentária do Zé a capa preta da macumba e a cartola, que era o símbolo de uma marca de cigarros clássicos. Ele seria um agente funerário. Eu fui achando um nome: Josefel – “fel” por ser amargo – e achei também o Zanatas legal, porque de trás para frente dava Satanás. Quando cheguei no escritório, já estava com o personagem formado. Chamei a minha secretária, às seis da manhã. Ela se assustou, e eu expliquei que precisava dela porque queria fazer o resumo da história de À meia-noite levarei sua alma.

Aí começou minha luta para falar com o Milton Ribeiro. Mas ele não topou fazer o Zé do Caixão, ninguém quis, nem de televisão nem de teatro. Era uma barra, porque a equipe não acreditava nem em mim nem na fita. Eles foram pedir conselho para o Augusto de Cervantes, que disse não querer papo comigo, pois eu ainda ia fazer uma merda. No primeiro dia de filmagem, fiz uma cena na funerária. Peguei todos os atores – alunos meus da escola, tirando a atriz que fazia a bruxa – e fiz uma cena do Zé saindo da funerária e indo comprar a carne na Sexta-feira Santa. Eu estava com muita revolta, queria me vingar dos padres e pensei que o Zé tinha de comer carne na Sexta-feira Santa.

Depois, começaria a etapa da montagem. Eu não conseguia ninguém para montar, ninguém acreditava. E foi aí que consegui chamar o Luiz Elias novamente, e então ele ficaria direto comigo. Foi uma luta para fazer a cópia na Líder. Tinha um distribuidor da Bahia que tinha levado A sina e se saiu muito bem. Por coincidência, ele estava em São Paulo e veio à Boca do Lixo, que na época era para onde todo mundo de cinema ia. Pedi para ele só olhar a fita, aí ele falou que só ia ver a primeira parte porque tinha de pegar o avião, só ia ver dez minutos. Ligaram o projetor. Quando os dez minutos tinham passado, ele disse que queria ver a fita toda e pediu o telefone para cancelar o vôo. Então lotou a sala da Líder e, quando acabou a projeção, um dos donos da Líder falou que aquilo era uma fita para eu ganhar prêmio, que eu ia ficar rico com ela. Começou a correr essa notícia. No dia seguinte eu já estava sendo procurado para pagar uns chequinhos, e aí já vieram os abutres para comprar a fita, como o Nelson Teixeira Mendes. Nesta mesma época eu relancei A sina, que veio a me dar muito dinheiro. Eu fiz amizade com um cubano que fazia filmes de sexo, pornôs. Ele falou para eu filmar uns dez minutos mais fortes; eu só aumentei um pouco, pus umas meninas, então esses dez minutos eram realmente de nudez, e acabaram acrescentados em A sina do aventureiro. E isso começou a passar nos cinemas do centro. Então conseguia levantar um dinheiro e sobreviver.

Tina Wohlers em Esta noite encarnarei no teu cadáver (1965-66)

Esta noite encarnarei no teu cadáver nasceria de muitas desavenças, tragédias fortes, porque o Augusto de Cervantes, ao ver o sucesso do À meia-noite levarei sua alma, viria a pedir desculpas pelo passado. Ele disse que todo mundo errava, que errar é humano, e ele próprio pediria para eu fazer a continuação do À meia-noite. O Augusto trouxe dois caras que tinham dinheiro. Eu ainda tinha o estúdio aqui na rua Frederico Abranches, e os caras queriam saber quanto custaria o filme. Eu falei que no À meia-noite tinha trabalhado bem apertado e que no Esta noite eu ampliaria um pouco os cenários, figurantes. Calculei mais do que o dobro, e eles falaram que não tinha problema. Então a gente começou a mudar tudo da rua Frederico Abranches para aquela antiga sinagoga no Brás, onde eu poderia fazer tudo. Isso já era uma vantagem muito grande. Esses dois caras me procuraram de novo, fazendo uma proposta. Disseram que queriam fazer o filme comigo mas que o esquema era outro: “Nós não queremos o espanhol no meio; nós vamos fazer um contrato, publicidade para a fita, você vai ter um ano ganhando um salário compensador. Você tem esse salário para não se preocupar com nada e mais 33% da fita”. Só que o Augusto tinha me apresentado para a gente fazer junto, e cada um teria 25%, e, por uma razão que eu não entendia, eles não gostavam do Augusto. Eles usaram o Augusto para chegar em mim. Aí fiquei puto, porque eu tinha uma amizade muito forte pelo Augusto, apesar de ele ter pisado na bola. Eu fui malcriado, né? Falei: “Com o Augusto fora, esqueçam!”. Eu falei para o Augusto que estava mandando os caras para a puta que pariu. Ele argumentou que eu não podia fazer aquilo porque os caras estavam com grana, e eu respondi a ele que os caras estavam com grana, mas que ele não estava na jogada, estava fora. Aí ele achou que eu estava agindo certo.

Começamos a nossa luta no Brás para fazer Esta noite encarnarei no teu cadáver. Eu comecei a dar aulas, juntando umas 500, 600 pessoas para poder pagar o aluguel e ficar lá, e ter um dinheiro para pagar o José Vedovato, que começava a montar os cenários. O Augusto era o produtor, o cara que tinha de correr daqui e de lá. Mas depois que a esposa perdeu as coisas, a vida dele mudou. Era um cara que antes andava de terno, gravata e tal e coisa; depois a vida foi ficando dura. Eu sabia que a filmagem já estava atrasada. Levei quase duas semanas filmando com uma lata só, eu fui segurando, filmando 30 metros num dia, 40 no outro, nessa base.

Aí a fita prossegue um pouco mais, e entra na fita um cara que ia atrapalhar a vida do Augusto, Antonio Fracari. Disse a ele que tem um papel, que ele podia ser o ator, que a maquiagem dele ia ser estupenda. Fracari era o rei da peruca, ele tinha uma fábrica de perucas que financiava o programa da Hebe Camargo. Eu ponho ele em contato com o Augusto; aí sim, a fita toda quem fez foi Fracari. A fita foi terminada por Antonio Fracari. Ele chegou a ter mais de 50% no contrato, e o resto era dividido entre mim e o Augusto. O Fracari disse que a fita chegou a trinta e tantas latas de negativo. Quando ele entrou na fita, na terceira semana, só tinha três latas rodadas.

No Trilogia de terror, o Antonio Polo Galante me chamou, eram uns judeus que estavam dando grana para a produção, os irmãos Valancy, eles eram donos do Cine Coral. Na verdade, o Galante me procurou para fazer o Encarnação do demônio, mas eu estava com esse filme preso por contrato com o Augusto e não dava. Eu estava numa fase legal e falei de a gente fazer um filme de três episódios, mas eu não queria dirigir os três. Na época, em 1967, eu tinha contrato com a TV Bandeirantes para fazer o programa Além, muito além do além, que alcançava os pontos mais altos de ibope às sextas-feiras, no horário das 23h. O Galante já vinha com um negócio de três histórias com o gênero terror. Person pegou A procissão dos mortos – que eu já havia apresentado na televisão – e fez aquela homenagem ao Che Guevara, à maneira dele; o Candeias dirigiu o episódio O acordo (eu tenho os quadrinhos do Lucchetti, e fiz na televisão muito bem com o título A noite negra). No entanto, ele fez à maneira dele, uma maneira intelectual; e todos os dois gastaram muito mais do que eu no Pesadelo macabro.

Além, muito além do além – programa da TV Bandeirantes (1967-68)

Logo depois, o Cassiano Gabus Mendes me levou para a extinta TV Tupi. Ele era um diretor com muita experiência de televisão, veio com uma excelente proposta, que eu não pude recusar. Na Tupi fiz um programa que tinha como diretor Antonio Abujamra. Mas eu não dava a mínima para a televisão, eu queria utilizar a televisão para divulgar o cinema. Tanto que, quando me perguntavam: “Por que você está fazendo televisão?”, eu dizia: “Estou usando a telinha, não gosto de televisão, gosto de fazer cinema”. Aí os caras achavam que eu pisava na bola. Eu nunca coloquei um escritório meu na Boca do Lixo, sempre fui mancomunado com o Augusto, que tinha escritório lá. A gente já freqüentava o restaurante Costa do Sol, e a idéia de ir para a Boca nasceu nessa época, porque era muito difícil ir atrás dos exibidores. E eles vinham todos aqui porque tinham as distribuidoras americanas. Foi aí que nasceu a idéia de ficar na Boca.

O Lucchetti eu conheci com um tal de Sérgio Lima. Este cara era ligado à Cinemateca Brasileira; ele gostava do meu trabalho e tinha amizade comigo e com o Lucchetti. O Sérgio falou que o Lucchetti me via como o máximo. O Lucchetti gostava de terror, já tinha feito novela na Rádio São Paulo e queria me conhecer. Foi marcado um encontro no fim de 66 ou começo de 67. Ele era uma pessoa muito tímida mas de uma inteligência fantástica e um adorador do gênero de terror. No primeiro dia ele estava boquiaberto porque tinha visto À meianoite levarei sua alma e não acreditava que esse filme era brasileiro. Ele disse que um brasileiro não teria a idéia de fazer um negócio desses, e aquilo deixou a cabeça dele meio pirada.

Disse ao Lucchetti que eu não tinha muita informação sobre ele, que eu deveria ter lido alguma coisa dele, mas não tinha reparado nos nomes. Ele tinha visto minhas fitas, mas eu não tinha referências dele, aí me deu umas revistas que tinha escrito. O Lucchetti é muito medroso, escreve uns negócios de terror fantásticos, mas tem um medo danado. Aí, vendo as coisas do Lucchetti, falei para fazermos um teste. E ele fez um teste realmente incrível. Primeiro eu fui contratado, em 1967, para a televisão, aí mandei os roteiros para ele fazer; e não deu outra, deu tudo certo, achei legal. Então falei para irmos para o cinema, e ele adaptou as três histórias que tinham sido produzidas na televisão: Procissão dos mortos, O acordo e Pesadelo macabro.

Então ele iria ter mais um teste: O estranho mundo de Zé do Caixão. Trocamos idéias, e foi ótimo porque não era aquele cara que ia levar dois ou três dias para fazer o roteiro. No dia seguinte, ele já trouxe um capítulo; no outro dia, outro; e no outro dia, outro capítulo. Pronto, foi aprovado direto.

Entre 64 e 68, eu sofri demais. O pessoal me confundia com o Zé do Caixão e meus filhos pagaram muito por isso – na escola era um desprezo, uma gozação. O pessoal, quando me via, me xingava de ateu; os caras falavam que eu não acreditava em nada. E eu respondia que acreditava, quem não acreditava era o Zé. A briga minha era quando os caras punham “fita dirigida por Zé do Caixão”. Qual era a relação? O Zé do Caixão não dirige porra nenhuma.

José Mojica Marins em O fracasso de um homem em duas noites de núpcias (1972)

Se colocassem “dirigida por José Mojica Marins, com participação do Zé do Caixão”, era diferente. Hoje, graças a Deus, não vou dizer que não tem isso, mas são uns 15%. No passado, eram uns 90% que acreditavam que eu era igual ao Zé do Caixão. Hoje, quando as pessoas me pedem para fazer uma entrevista, eu pergunto sobre o que é, para eu ir de Mojica ou ir de Zé. Se o assunto é morte, não vão perguntar coisa nenhuma sobre cinema, e eu quero ganhar, eu estou indo para dar um show. Então, hoje, quando você me vê dando uma entrevista como Zé na televisão, estou ganhando para isso.

O Estranho mundo de Zé do Caixão e O Despertar da Besta

O George Michel Serkeis ficou sabendo do Encarnação do demônio e queria fazer, mas o Augusto já se intrometeu, foi meio pesadão. Aí o George não quis fazer Encarnação com o Augusto, então me fez uma proposta: ele vendeu uma mansão na Vila Mariana e bancou todo O estranho mundo de Zé do Caixão. Ele mandou eu fazer o que eu quisesse, desde que o Augusto não entrasse em nada. Terminamos a fita numa boa, o George é daqueles árabes que pagam tudo direitinho, tudo em ordem.

O Augusto estava na miséria outra vez e veio pedir ajuda para mim. Eu dei a distribuição ao Augusto, porque o George me deu os direitos de negociação. E o George esperando a grana, eu falo que dei a distribuição para o Augusto e brigo com o George, mas a fita estoura em todos os lugares. Cheguei ao Rio, fomos para a distribuidora. Nisso, o Augusto pega e me fala: “Mojica, não há dinheiro, eu vendi a fita para o Brasil todo”. O Augusto pegou o dinheiro e investiu em Meu nome é Tonho (1969), do Candeias, um filme que fracassou totalmente.

Acho que, se o Augusto tivesse distribuído bem o filme, ganharíamos a confiança do George, o homem que fez Boni, o homem virgem, e O fracasso de um homem em duas noites de núpcias (1972). O cara tinha grandes condições, mas o Augusto deu aquela mancada, pegou as fitas e vendeu. Ele vendeu e deu o dinheiro para o Candeias fazer o filme. Foi um negócio pesado. O egípcio pegou toda a renda do Meu nome é Tonho, mas essa renda não completava 10% da renda do Estranho mundo de Zé Caixão. O Augusto de Cervantes foi um cara que depois acabou sendo bem visto na Boca, como um dos melhores pagadores. E é verdade. Depois que morreu a segunda mulher, ele se tornou um dos melhores pagadores nos anos 80. O personagem Oaxiac Odez, apesar de ter uma ideologia entre o instinto e a razão, é muito mais perverso do que o Zé. Ele é uma réplica mais violenta.

Como eu só faço filmes em cores agora, eu não posso definir se surgiu alguém à altura do Giorgio Attili para o meu trabalho em fita de terror. Para o Esta noite encarnarei no teu cadáver e O estranho mundo de Zé do Caixão, ele conseguiu aquela fotografia sem vida, triste, cinza, sombria, macabra. É uma fotografia que parece daquelas fitas sobre os campos de concentração nazistas.

Eu tinha feito trabalhos para o Reichenbach (Audácia! a fúria dos desejos, 1970) e para o Maurice Capovilla (O profeta da fome, 1969), então eles me arrumaram umas latas de negativo para O despertar da besta. George Michel entrou também e me contemplou com 15 latas de negativo.

A idéia do filme surgiu quando um dia fui à delegacia e de repente entrou uma mulher grávida. Os caras começaram a bater nessa mulher grávida porque ela era usuária de drogas. Depois a levaram, e eu peguei os meus guardacostas, na época eu tinha guarda-costas, e mandei procurar, ver se achavam essa mulher. Mas ninguém a viu desde que ela foi presa no Primeiro Distrito, na praça da Sé. Fiquei puto e fui falar com as prostitutas do lado da delegacia, mas ninguém a viu.

Na fita O despertar da besta eu procuro mostrar que você pode se drogar, mas se sua mente for forte você não cai. É preciso muita dose, tem de ser aplicada muita injeção com droga para a pessoa cair. Então, eu fiz a fita baseado nesse caso que eu vi acontecer com aquela prostituta. Foi um protesto contra as drogas; eu achava que os bandidos se aproveitavam da droga, a usavam como desculpa para cometer crimes. Até hoje eu acho que é muito fácil um garoto cometer algo e se drogar em seguida. Quando a polícia pega, ele está drogado. Acho, por isso, que a droga serve como desculpa para fazer coisas além do que ele quer fazer. Mas a droga prejudica em algo mais forte: a mulher não pode ter a criança, o homem perde a potência.

Eu fiz essa fita sem grana. Começei a filmar com os negativos que todo mundo me deu e com a colaboração dos atores. Todos colaboraram, o Sérgio Hingst, por exemplo, colaborou. O pessoal não gosta muito de usar ponta de filme, ponta de 40, 50 metros. Eu sempre trabalhei com pontas pequenas; eu não me importo, nunca deixei jogar fora, só quando não tem jeito mesmo. Eu sou sincero: essa foi uma fita em que vieram para trabalhar em troca da comida, nenhum deles recebeu dinheiro. Eu dizia que era na base da amizade, que eu queria fazer, precisava fazer, e todo esse pessoal gostava de mim. Tinha uma porrada de diretores, até o Candeias veio nessa base. Claro que ele ia contracenar com mulheres bonitas, e elas não gostavam dele porque ele não tomava banho. Aí eu fiz ele tomar banho, foi a única coisa que foi pedida; ele usou smoking. O Candeias até foi fotógrafo de still do filme. Eu gastei mais em negativo e equipe profissional, porque eu paguei bem. O problema é que eu precisava de algumas pessoas que aceitassem esse meu texto doido da droga. Então fui conversar com todos eles, desde o Reichenbach, Maurice Capovilla – que era superatarefado –, Callegaro e o Jairo Ferreira. Tinha um grupo legal, e eu até colocaria mais gente; foram as pessoas que aceitaram o que eu fazia. Eu vinha acostumado a fazer fitas de aventura, musical, terror, banguebangue, policial, mas dessa vez eu fiz uma fita que era revolta total. Nenhuma fita eu fiz com revolta, todas eu fiz com uma satisfação de estar fazendo um filme diferente, bonito. Esse não. Eu tinha de acertar porque eu estava numa época em que a ditadura ultrapassou os limites e estava sufocando aquilo que eu mais amava: o meu cinema. Então, a partir do momento que eu estava contra uma ditadura perigosa, que tinha feito vários elementos ligados à arte e à comunicação fugir do país, precisava que dentro da fita tivesse mais gente me apoiando. E se fossem simplesmente atores não seria suficiente para ter o respeito que eu precisava que a fita tivesse, eu tinha de pôr os diretores.

Agora, a revolta que eu tinha, meu Deus, era um pouco de compaixão, piedade. Eu vendo aquela mulher grávida na delegacia ser chutada bem na barriga – isso foi uma coisa que me sensibilizou. Eu sou humano como os outros, eu tinha de me revoltar, então essa fita passou a ser diferente.

Eu não estava fazendo uma fita para o povão. Pela primeira vez, eu estava fazendo uma fita para também mostrar que eu tinha algo de intelectual, mandar um protesto em forma de cinema; então eu fiz questão que tivesse uma linguagem mais intelectual. O despertar da besta ficou diferente porque eu procurei fugir de tudo que eu tinha feito. Era um protesto, eu não estava fazendo uma fita para o público, estava fazendo uma fita para os intelectuais, mas queria o público no cinema, por isso eu pus o Zé do Caixão. O Luiz Elias ficou assombrado porque ele fez muita montagem para diretores intelectuais. Ele falou: “Mojica, você me surpreendeu”. Eu queria os cortes rápidos para não ficar uma fita parecida com as de um Júlio Bressane, com planos demorados, ou uma fita do próprio Glauber. Então nós trabalhamos com cortes rápidos. Eu estava protestando pela primeira vez, mas era um protesto à minha maneira, então, na linguagem, eu procurei acelerar a fita.

A música “Guerra”, de Denise de Kalafe, que eu coloquei na fita, deu muito problema na época. Os caras me colocaram na parede porque eu tinha colocado essa música. Ela foi condenada pela ditadura, mas eu não queria falar da guerra do Vietnã, dessas coisas, eu queria falar da guerra de personalidade, do ser humano; e a música entrava nisso. Eu não entendia nada de política, então decidi fazer abertamente aquilo que eu sentia. Eu já começo a fita, com a primeira palavra, criando polêmica. Me disseram que aquilo abalou todo mundo da ditadura, quando eu digo: “Meu mundo é estranho, mas não mais estranho que o seu mundo”. E aí eu começo a mostrar que o mundo de cada um é aquela dupla personalidade. Eu diria que esse é mais um documentário do que um filme, por isso no final eu apareço e digo: “Corta!”. Porque tudo vai começar outra vez, vai ser sempre assim e ali começa o círculo vicioso outra vez; então eu mando cortar.

Cinema é cinema, mas tudo tem uma lógica, uma razão de ser. Eu não devo passar uma mensagem como fazia o pessoal do Cinema Novo, que usava mais da política e produzia uma fita chata. Eu acho que tem de ter o visual, ter cenários legais. Se tem uma coisa que nunca enche o saco de ninguém é uma fita só com mulher. Vão homens e mulheres, aí você escolhe. Tenho visto umas fitas aí desse pessoal, com umas mulheres feias pra danar. Eu não tenho nada contra a feiúra, ao contrário, acho que a gente tem de procurar ver a mente, porque há muita mulher feia que já me deu exemplo de inteligência. Mas também acho que se a gente puder ter as duas coisas – a bonita inteligente –, o filme funciona.

Você vê que o filme é diferente. Um homem que costuma fazer coisas para o público sente-se revoltado e tenta fazer algo contra uma censura que o atarraxou – e atarraxou mesmo, porque nunca liberaram a fita, e eu acabei me afundando.

Anos 70

Nessa época, mudei de um pequeno escritório na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, onde eu havia feito O despertar da besta, para um local mais amplo no bairro da Moóca, graças a ajuda do meu amigo George Michel. Um belo dia, veio um indiano, mr. Abdel Rahman. Ele veio e disse que queria uma fita diferente de tudo que eu tinha feito. Eu escrevi o primeiro roteiro do Finis Hominis, ele gostou e falou: “Pode fazer”. Aí compramos muitas latas de filme; o cara comprou para aquela fita 60 latas, e eu imaginava gastar umas 20, as outras serviram para eu vender e aplicar na fita. Como o produtor era indiano, eu quis pôr no filme alguma coisa que ele viria a gostar, tocar a vaidade pessoal dele. Então eu preferi um personagem que vem nu; um cara que sai do manicômio e se veste de indiano. Pôr a roupa de indiano num doido não tinha problema. O produtor achava o máximo o Finis usar aquela roupa. Mas este indiano era um cara muito esquisito e entrou em desavença com o George Serkeis, que era um grande amigo meu.

Acho que eles não se davam bem por causa de religião, não sei, mas ele pegou uma raiva do George e falou: “Olha, a única coisa que eu quero é que você não deixe esse homem entrar aqui”. O George era amigo meu, o indiano me deixou numa situação difícil. O George chegou um dia e ele não queria deixar o George entrar, mas eu deixei. O indiano mandou dar um telefonema para o advogado dele, perguntou se eu podia chamar o George no meu escritório e fez uma coisa que eu não esperava: pegou todas as latas de negativo e deu para o George, aí pegou o cheque, deixou toda a equipe paga, fez tudo direitinho, mas deu tudo para o George. Este não entendeu nada, mas não ia falar “não”. A fita prosseguiu, e o George fez a coisa mais bonita de um homem, quando acabou a fita, ele falou: “A fita é tua, Mojica”.

O indiano era o produtor, dinheiro para ele não era problema, então houve, para mim, uma diferença muito grande da noite para o dia. Mas eu consegui manter a produção. Sinto que algumas coisas decaíram na produção, entraram em decadência; ficou pior do que se pretendia fazer, caiu muito. Porque a fita era para ser uma superprodução.

Eu fui o rei das sobras de filme aqui em São Paulo. Os caras falavam: “Guarda essa sobra aí que se o Zé estiver fazendo alguma coisa, ele é o homem que aproveita sobra”. Então eu escolhia a sobra preto-e-branco quando eu percebia que tinha de fazer uma seqüência e dava para terminá-la com aquela sobra. Principalmente na cena do Finis saindo do mar. Dá a impressão que eu fiz em preto-e-branco de propósito, mas não, foi por problemas orçamentários.

Roberto Leme foi o montador de Finis Hominis, e a Nilcemar Leyart era a assistente dele. Eles começaram a trabalhar com montagem comigo e foram discípulos do Luiz Elias, então foram pessoas preparadas para a montagem. O Roberto montava muito bem, assim como a Nilce, que depois passou a seguir bem a minha linguagem. Eles só não tinham aquele crédito que tinha o Luiz. Então, se alguma coisa não deu certo, é porque eles não tinham material na mão; e quando você não tem material, não dá.

Eu tenho uma maneira diferente de fazer cinema, por isso gosto que a pessoa entenda a minha linguagem. Eu só entro no corte final, porque o grande problema com a montagem é a interferência do diretor. Ele ficou, digamos, 20 horas para fazer uma cena, mas você vai ver e aquela cena está sobrando, aí o diretor não quer cortar porque houve sacrifício e tal, e isso gera um problema. Diretor novato acompanhar montagem é a pior coisa que tem. Diretor novato e produtor acompanhando montagem é terrível; produtor não entende porra nenhuma, só fica falando: “E aquilo, por que não vai ter? Eu gastei tanto...”. Já o diretor novato diz: “Pô, aquilo eu sonhava fazer, pensei noites e noites...”. Mas o que acontece com o montador? Ele é frio, vai naquilo que ele sente que está dando montagem, e aquilo que não está funcionando ele vai deixando de lado. Acho que todos os diretores deveriam fazer como eu faço, ir só no corte final. Porque acompanhar a montagem, ver cortar cenas inteiras, cenas que você sonhou em fazer com aquele ator, é difícil. Mas não tem sentido isso; você está fazendo as cenas para o público, o público está pagando pelo filme.

A crítica aqui e no mundo todo tem O despertar da besta como melhor fita que eu fiz, mas para mim é o Finis Hominis. O Finis parte de algo completamente oposto ao Zé; o Finis entra realmente numa parte religiosa. As pessoas viam a fita como se fosse a volta do Cristo, 2 mil anos depois. Na época, um crítico disse que com o Finis eu estava 40 anos adiantado no tempo.

Eu discuto sempre o problema da fé. A fé move montanhas, mas não por causa da imagem da Virgem Maria, não a fé em São José ou no próprio Cristo, mas a fé que está dentro de você. Se você acreditar que esse cinzeiro é um talismã e se você pedir determinadas coisas, sempre dentro do possível, como parar uma dor de cabeça, uma febre, amanhã você vai ficar bom. Agora, você não vai se curar de um câncer, porque aí você está pedindo um milagre. Mas as coisas difíceis você consegue através da fé. No caso do Finis Hominis, todo mundo começa a praticar atos bons porque acha que Cristo voltou; e é só aquele homem fantasiado de indiano.

O Finis é o que eu chamaria de louco inconsciente, enquanto o Zé é um louco consciente. Um louco consciente é muito mais perigoso, o inconsciente não faz nada planejado; as coisas são autênticas, nascem de improvisação. Então realmente eu procurei fazer um personagem que colocava uma mensagem bem positiva de união, de solidariedade para os momentos em que o povo mais precisa. Finis Hominis me deu orgulho e satisfação interna pela mensagem, pela visão e pela filosofia.

Finis Hominis foi planejado como uma superprodução. Se o indiano não tivesse caído fora, a gente ia ter partes grandiosas, o cara era rico, pagaria tudo. Mas com a saída dele não tinha jeito de fazer uma superprodução de três horas. Aí, como foram compradas muitas latas de negativo, elas foram aproveitadas para fazer Quando os deuses adormecem. Para essa fita eu tive de arrumar outro sócio: foi o Nelson Teixeira Mendes que entrou com uma parte.

Em Quando os deuses adormecem eu mostrava coisas que estavam no esquecimento. Eu vou diretamente para as favelas e mostro as favelas, mostro que havia também um lado que a gente esquecia, hoje mais do que nunca: as pessoas ali são gente, elas amam, têm filhos, mulher, ciúmes, como qualquer outra pessoa. O problema é que nasceram na periferia, um lugar longe de uma cultura mais elevada, mas são humanos. Eu vi que eu estava certo quando, em 2006, no Encarnação, eu filmei dentro de uma favela e vi a mesma coisa do humanismo, do respeito. Se você os respeita, eles respeitam você. O problema é que muita gente entrava nas favelas para tirar sarro, como se diz, fazer gozação com os caras. Então, se você olhar minha fita, ela é cheia de denúncias, não de cunho político, mas denúncias trazendo a visão do povo para algo que ele estava vivendo e não estava se dando conta. Tanto Finis Hominis como Quando os deuses adormecem retratam os problemas pelos quais a sociedade passa, as injustiças, as traições, as mazelas e os conflitos. Em cada situação lá está o Finis alertando e colocando as coisas no lugar certo, como um juiz.

No D’Gajão mata para vingar, o Augusto de Cervantes saía pela primeira vez contratando um diretor que não era eu, porque antes tudo o que ele fazia era comigo. Então essa era uma fita que eu não dei o título, mas achei o nome D’Gajão legal, porque se trata de um cigano. Não mexi no título. D’Gajão é quase um líder de uma comunidade cigana; ele é um dos caras abençoados. Esse personagem era interpretado pelo Walter Portella, que era um advogado no Rio Grande do Sul e veio tomar aulas comigo e depois participou das minhas fitas. Essa era a chance de ele fazer um papel central. Só que o cara que o Augusto escolheu para diretor, o Cliton Vilela, começou a gastar muito. Outra coisa é que ele se perdeu, e isso era um negócio meio sério, porque a produção tinha a colaboração do Exército, que cedeu espaço para hospedagem. Mas, quando as meninas foram para lá, elas viam os caras fardados e começou a dar rolo. Alguns soldados chegaram quase a pegar cadeia, e ainda tinha o diretor perdido na fita. Eu não ia aceitar fazer a fita, o Augusto me chamou e eu fiquei puto porque ele não tinha me escolhido de início. Recusei a primeira chamada, a fita parou, tudo sem nexo algum. Aí foi a felicidade de um para a desgraça do outro, porque me pegaram numa situação terrível. Eu estava fazendo a dublagem de Finis Hominis quando me telefonaram para dizer que o meu pai acabara de falecer. Com isso, começava um problema: eu estava sem grana nenhuma e tinha de arrumar dinheiro para o enterro, mas não tinha nem para pegar um táxi. O Augusto não deixou barato, veio atrás e disse: “Mojica, eu posso ser a sua salvação. Se você fizer meu filme, eu te dou dinheiro”. Ele estava com o contrato na mão, foi rápido. Perguntei quando eu tinha de ir para o Paraná, onde eram as filmagens, e ele disse que esperava a missa de sétimo dia e que eu poderia levar minha mãe. Quando peguei a direção, fiz questão de tirar fora todo o material que o cara filmou. Só aceitei a direção assim. Eu tive de ir ao Exército conversar, fiz amizade com o comandante. Aí cortei as meninas todas, mandei vir outras figurantes que passaram por regras severas, até toque de recolher.

Também falei para o Augusto: “Quero uma semana para conviver com os ciganos”. Porque tinha ali na região um grupo de ciganos; os ciganos que vocês vêem na fita são reais. No início, eles pegaram atores de São Paulo para fazer os ciganos, e era tudo ruim. Aí cheguei nesse acampamento, perguntei quanto tempo eles iam ficar ali. Três meses, ou seja, dava para fazer a fita. Eu fiquei no acampamento com eles uma semana, fiquei amigo. Aí, quando senti todos preparados, eu falei: “Augusto, aqui estão os novos atores”. E os caras davam conta do recado.

Aqui no Brasil havia gente fazendo banguebangue aos montes, mas a crítica considerou D’Gajão o melhor de todos os bangue-bangues. A fita foi muito bem feita. Se pegar um filme americano e comparar, não há quem diga que foi feito no Brasil. Eu fiquei contente porque de repente ganhei um dinheiro que deu para eu terminar Quando os deuses adormecem.

Em A virgem e o machão, o Augusto começou a fita com outro diretor, o Egydio Eccio, e deu merda outra vez. O cara começou a filmar e se perdeu. Ele começou a usar o poder para comer figurantes. Só que a Georgina, mulher e sócia do Augusto, não gostava de coisa errada. Além disso, já estava uma fita muito cara, já tinham gastado o que daria para uma fita inteira. Nisso, ela falou: “Augusto, ele vai me levar à falência, eu vou ter de vender isso e aquilo”. Como o Augusto era ator na fita, e ele gostava de atuar, não estava se importando com a coisa. Mas quando ela colocou ele para somar os gastos e ainda falou “Daqui a pouco ele vai me cantar e você vai perder a sua mulher, a sua produtora, a sua sócia”, aquilo assustou o Augusto e ele parou tudo. Eu vi o material e dei meu preço. Aliás, achei que estava pedindo um preço alto, mas era a metade do preço dos outros. Novamente não aproveitei nada do que já estava filmado e falei para o Augusto: “Vou fazer uma fita de nível, vou mostrar para esses caras que eu sei fazer. Pode ficar tranqüilo que eu vou fortificar seu papel, e você não vai aparecer como eu estou vendo aí, como canastrão”. Fiz uma fita que considerei cara – era uma produção do cacete –, mas fiz esse homem ganhar grana para caramba, porque A virgem e o machão foi bem de bilheteria, ficou em cartaz em São Paulo por um ano. Esse foi o primeiro filme que eu assinei como J. Avelar, um pseudônimo. Esse nome veio da Brasecan, que era considerada a maior distribuidora daqui. O pessoal não gostava do Zé do Caixão e achava que o nome J. Avelar era melhor.

Como consolar viúvas viria a ser feito em 1976. O Augusto levantou uma verba grande, e eu não seria quebra-galho, seria chamado direto para diretor. Coloquei minhas opiniões no roteiro, porque a história era escrita por essa Georgina. Ela escrevia a história, mas não sabia passar para roteiro, e eu ia explicando como fazer. Ela fazia a história em si e os diálogos. Como a mulher era da alta sociedade, então os diálogos são bem legais para o nível da fita. Em Como consolar viúvas eu tive mais liberdade, havia até humor negro. Essa fita deixaria o Augusto, que tinha fama de mau pagador, como melhor pagador da Boca; ela mudaria a vida dele completamente. Depois dessa fita, ele começou a fazer filme com Jean Garrett, e muitos outros.

Como J. Avelar eu acabei fazendo também A mulher que põe a pomba no ar, porque a Rosângela Maldonado, produtora e atriz da fita, achou que o nome José Mojica era muito forte e ela queria aparecer. Até apareceu nos créditos que a direção artística era dela, e nem era. Ela estragou a fita, que era uma comédia, porque ela aparece com os peitos de fora, tudo caído – e os caras apaixonados por ela, não tinha nada a ver. A gente brincava muito que ela fazia plástica para ser a “miss Carnaval”, tirava um sarro. Como ela se tornou amante de um cara aqui do comércio, esse cara arrumou a grana para ela fazer A mulher que põe a pomba no ar.

Eu comecei a pegar muita fita para dirigir por encomenda depois de 1969, depois que proibiram O despertar da besta, porque aí a barra pesou. É como o meu filho Crounel falou uma vez: a minha sobrevivência dependia da fita que eu lançava. Eu comia daquela fita e a partir daí fazia outra. Quando censuraram O despertar da besta a coisa complicou, me vi obrigado a pegar uma coisa ou outra contra minha vontade.

O filme O exorcista (1973) estrearia no Brasil. A idéia do sr. Aníbal Massaini era me pegar num contrato para eu fazer Exorcismo negro. Ele, já sabendo da minha rapidez, achava que eu faria a fita para lançar antes de O exorcista. Na época, cheguei a fazer discurso na avenida Ipiranga descendo o pau em O exorcista. A polícia me levou preso, por causa da ditadura, mas os caras eram fãs meus e aí fomos em uns bares, enchemos a cara e só fui proibido de fazer discurso na rua – dentro do cinema podia. O “discurso do Zé do Caixão” era idéia minha, e o Aníbal foi atrás. Ninguém podia me prender porque era dentro do cinema e não tinha uma lei que proibisse, a lei proibia fazer o discurso na rua. Encontrei com o Lucchetti e pedimos cinco dias para escrever a história do Exorcismo negro. Em uma semana ela estava pronta. O Lucchetti roteirizou enquanto eu ia para a França, onde participei do festival L’Écran Fantastique, trazendo para o Brasil dois prêmios. De volta ao Brasil, puseram na minha mão um elenco de primeira, atores da Globo, e, pela primeira vez, eu estava dirigindo um filme em que não faltavam recursos financeiros. Só não deu tempo de a gente lançar antes de O exorcista.

O americano não é burro, e quando viu as notícias sobre Exorcismo negro, antecipou a estréia de O exorcista. Aí mudou toda nossa idéia para o lançamento do Exorcismo negro. A gente entrou numa época péssima, mas a fita faturou. Ela não ficou muito tempo em cartaz, porque entrou num cinema grande, mas ela entrou para o circuito da distribuidora. Como fizeram mais de 20 cópias, isso ajudou demais, deu para pegar muitos cinemas juntos. Ela ficou menos tempo em cartaz, mas pegou mais cinemas ao mesmo tempo. A idéia dessa fita surgiu porque eu já vinha querendo ridicularizar o personagem Zé do Caixão – não sei como me puseram isso na cabeça. A família ficou chateada com isso, aí falei com o Lucchetti e ele disse: “O que é isso? Construir um personagem desses e depois ridicularizar ele, acabar com ele?”. O Lucchetti foi totalmente contra a idéia. Então surgiram amigos da imprensa para conversar – eu sempre tive muitos amigos da imprensa –, e eles diziam para eu não fazer isso. Aí nasceu outra idéia: será que o personagem queria que eu acabasse com ele? O Lucchetti falou: “Você está certo, vamos fazer essa luta. Você querendo acabar e o personagem não querendo”. Por isso há o embate entre o criador e o personagem. No final do filme, quando o personagem vem nos olhos da menina, isso mostra que eu criei um personagem tão forte que não tinha mais força para destruir. Foi essa a intenção, e me saí bem. Mais tarde, fui procurado pelo francês Alfred Cohen para realizar A estranha hospedaria dos prazeres. Quem dirigiu o filme fui eu, mas dei os créditos a um aluno meu, Marcelo Motta. Isso porque eu queria que alguns dos meus alunos se tornassem diretores, aí dei a direção para um cara que parecia o homem certo para isso, porque ele havia se mostrado extremamente aplicado, sempre pronto a colaborar com esforço e empenho em tudo o que eu pedia para ele. Mas deu problema com a namorada dele, porque para filmar ele tinha de levar a namorada e ela não gostava dele. Ele dizia que se ela não o namorasse, ele não terminava a fita. Eu fui conversar com ela, ela continuou o namoro, mas de saco cheio. O Marcelo começou a fazer a fita ficar confusa. Quando ela falou que não ia mais namorar porque não gostava dele, o cara deixou a fita sem pé nem cabeça. Foi a fita mais complicada para eu pegar a direção, mas eu deixei os créditos para ele – eu apareço só como supervisor. O filme entrou em cartaz e foi bem, não foi mal. Não teve uma divulgação grande porque eu acabei negociando com a Paris Filmes. Aí novamente deu um grande problema, porque o francês não quis me pagar para promover o filme.

Inferno carnal (1976)

O Alfred Cohen se animou com A estranha hospedaria dos prazeres e partimos para realizar Inferno carnal. Era uma história que eu já tinha feito na televisão, e o filme entrou em cartaz, houve uma boa crítica, mas novamente eu não recebi nada para divulgar. Inferno carnal tinha outro título, era A lei de Talião. A lei de Talião é aquela do “olho por olho, dente por dente”, e é o que acontece na fita. É uma fita em que, segundo as mulheres que viveram muito comigo e outras pessoas que me conhecem, eu retratei a minha vida. Para saber quem eu sou basta assistir ao Inferno carnal.

Eu tive uma menina que me chifrou. Fiquei magoado, mas passei a dar um dinheiro grande para ela, e o cara de que ela gostava matou uma senhora. Ele era da polícia e ia ser preso; fui no batalhão dele e consegui provar que foi um acidente – e não tinha sido. Livrei o cara que tinha ficado com a mulher que era minha, dei uma grana legal para ele e continuei dando uma grana alta para ela. Eu a tratava como uma deusa. Na fita, o personagem faz a mesma coisa, ele dá tudo para o amante da mulher, ajuda outros caras, mas no final ela sofre um acidente. Aconteceu o caso de uma menina que sofreu um acidente e quase perdeu a perna, mas eu fui lá e consegui pagar a operação e salvá-la. No filme, o problema é que a esposa tentou matar o personagem jogando ácido. Ela achou que ficaria com a herança dele e com o amante, mas ele não morreu, sobreviveu todo deformado. Então o amante morre, o marido passa a ajudar a esposa porque ela sofre um acidente e ele não deixa ela morrer. Aí ela se arrepende e volta para ele. Ela vem pedir perdão e ele responde que é um monstro. Ela pega o ácido e joga no próprio rosto, então vai para o hospital toda deformada e depois vai procurá-lo. Ele chama a amante – interpretada pela Helena Ramos –, tira a máscara e mostra que nunca foi deformado. No fim, ele manda a esposa para a rua.

Todo mundo me enchia o saco porque eu não fazia curta-metragem. Naquela época, os curtas tinham 5% das bilheterias, então rendiam uma grana legal. Digamos, se um curta passasse junto com o Homem-Aranha, por exemplo, não interessava que o Homem-Aranha é que estava chamando público, o produtor do curta ganhava 5%. Aí me interessei por essa vantagem e fiz cinco curtas numa boa em 1979. Começamos numa segunda, e no domingo já havia filmado os cinco, tudo filmado junto. Depois, para dar finalização, tinha de negociar alguns deles. Negociei dois que deu para montar, e os outros nunca terminei. Evolução (Homens versus máquinas: a luta do século no planeta dos botões) e A imigrante foram finalizados. No Evolução pegamos a época em que se falava muito dos americanos apertarem um botão e a Rússia também e o mundo acabar. Então, eu começo com todas as coisas que as pessoas fazem do mesmo jeito: sinal para ônibus, apertar o botão para descer, apertar o botão do elevador, máquina de escrever, campainha. Eu cheguei a filmar no antigo Mappin e no Viaduto do Chá. De repente, percebi muita gente apertando coisas sem motivo, isso aparecia no filme: os caras estavam ficando doidos com o negócio do botão, havia pessoas falando sozinhas, brigando com elas mesmas. A coisa vai evoluindo tanto que os botões fatais são apertados nos Estados Unidos e na Rússia; e não dá outra, a Terra se fode. Estoura a bomba atômica e a Terra fica praticamente soterrada, volta ao início, começa tudo de novo. Vem um cara pegar a mulher pelo cabelo, existe fome, um cara descobre a maneira de fazer um foguinho de assar e, de repente, vêm todos brigar por um pedacinho de carne. Eu procuro passar a mensagem de que o apertar dos botões não acabaria apenas com os dois países, mas com o mundo todo.

A imigrante é a história da Nilcemar. Ela é uma imigrante, e acabei fazendo uma homenagem a ela; uma mulher que veio lá dos confins do judas, da Itália. Chegou ao Brasil, os pais bateram muita cabeça, ela teve a sorte de ter uma voz bonita, começou a ganhar alguma coisa, mas sofreu demais. O imigrante sempre sofreu aqui, porque o brasileiro, apesar de saber que o imigrante trabalha, tira um sarro danado dele. Aqui ela acaba gostando de alguém, passa por mil e uma coisas e só fica realmente respeitada depois que nasce o filho, pois o filho é brasileiro. Então procurei fazer essa homenagem, mas cometi na fita um erro muito grave: eu pus a Fátima, que se tornaria mãe de um outro filho meu, para fazer o papel da Nilce. Foi um erro grave. Tinha de ser a Nilce fazendo o papel dela mesma. Não sei se ela aceita a fita, ela nunca aceitou, e não acredito que aceite ainda hoje.

Máfia do cinema

Houve uma época em que denunciei a máfia do cinema. Denunciei o Galante, o Nelson Teixeira Mendes e o Renato Grecchi para toda a imprensa do Brasil. Eles eram uma espécie de máfia, porque acabavam ganhando uma grana danada com os caras que trabalhavam para eles nas fitas. O Nelson usava geladeira velha, botijão de gás e outras coisas para pagar os caras. Ele se uniu ao Galante e, sempre que surgia uma despesa grande, os caras eram mal pagos. Até o lanche dos figurantes era muito reduzido; as fatias de mortadela eram cortadas bem finas, e só um pedacinho ia no pão. Então eu achava que eles exploravam os caras, faziam negócios, compravam coisas e não pagavam. Eu mesmo fui uma vítima.

Delírios, demônios e perversões

Na época do Delírios de um anormal, eu continuava com o problema de O despertar da besta. A coisa continuava barra-pesada, não conseguia liberar esse filme, e a censura não me perdoava fita nenhuma, nem as fitas que eu fiz sem intenção de chocar ninguém. Até D’Gajão mata para vingar, que era um bangue-bangue, teve coisas cortadas. Aí eu fui vendo os cortes nos meus filmes todos e pensei que eles dariam para fazer uma fita, que juntando todos daria uma fita, mas não poderia ficar só nisso. Aí me lembrei de um psicólogo amigo meu, cuja mulher tinha idéia fixa pelo Zé do Caixão, mas na fita coloquei essa idéia no psicólogo mesmo e filmei. Eu também filmei o finzinho, quando o Zé do Caixão aparece. O resto é tudo sobra; não filmei quase nada para os pesadelos. A única coisa que aparece é ele carregando a mulher dentro do pesadelo. Eu fiz Delírios muito rápido, foram quatro dias de filmagem. A montagem é que foi lenta, porque era muita coisa para selecionar. A Nilce teve uma paciência de Jó, e o Jairo Ferreira concordava com isso. Era muito material. Na montagem, de acordo com os pesadelos, a gente foi deixando as partes mais fortes para o fim de cada pesadelo, e o mais forte de todos os pesadelos é o final. Eu passei mais ou menos uma ordenação para a Nilce. Ela, sabendo que tinha de ter um crescendo, ia usar tudo para que desse o tempo de um longa-metragem. Quanto à música, a que foi feita não tinha nada que ver com a fita. O que fizemos com a música? Pusemos de trás para diante, em outra rotação, e ficou do caceta – e ainda pusemos nos créditos o nome do compositor. Quando ele viu o filme, disse: “Mas eu não fiz isso”. Eu falei: “Não, a música é sua, a gente só pôs do avesso, mas a música é sua”.

m Delírios de um anormal achei que se mostrasse que estava numa boa em termos de dinheiro serviria para ajudar os produtores a investir. Se eu mostro a realidade brasileira, fodeu. Se mostrar que você fica na merda, ninguém vai querer investir em cinema. Quando os caras me perguntam, digo que eu vivo do cinema, que eu vivo do meu show.

Em 1978, um grupo de alunos resolveu juntar tudo o que podiam, pois queriam produzir um filme que tivesse a minha direção. Aceitei o convite para fazer o que realmente seria o Manchete de jornal. Nesse filme, por incrível que pareça, nunca houve um roteiro, havia apenas uma sinopse. Nos anos 50 havia um jornal que se chamava Equipe Artística, no qual um cara chamado Guarany Edu Gallo começou a descer o pau em mim, me chamando de picareta. Fizeram uma campanha forte, e eu na época tentei comprar todos os exemplares do jornal. Gastei toda a grana que tinha, mas eles soltaram a segunda edição, porque quanto mais eu comprava mais dava impressão de que estava vendendo. Cheguei então à conclusão de que nada adiantaria. Procurei o homem do jornal para pedir uma retratação. Falei que puseram a minha vida em risco, mas me azucrinaram mais. Anos depois, eu pensei em fazer alguma coisa em 8 mm ou em 16 mm e colocar o título Manchete de jornal. Era uma maneira de eu fazer uma homenagem à imprensa; era um troço para promover esse homem. Então era uma homenagem que eu fazia aos jornalistas, apresentando esse cara como um dos melhores jornalistas do Brasil. Ele nunca saberia que eu ia criar o Zé do Caixão, esse cara que escreveu que eu tinha de estar na cadeia. E, na época, nos anos 50, eu estava noivo de uma das melhores bailarinas da dança flamenca do Brasil, o pai querendo levar ela para a Espanha porque achava que eu era mau caráter. E sai naquele jornal uma coisa dessas. Tive sorte porque ninguém teve peito de chegar para o pai da minha noiva e contar, porque sabiam que ele me mataria. Tudo isso porque eu convidei o Milton Ribeiro para trabalhar numa fita, e o dinheiro que eu tinha para pagar era pouco. Ele vinha da Vera Cruz e dizia que o valor era baixo. Depois disso ainda inventaram tanta história que me deixaram numa situação terrível. Com Manchete de jornal eu queria mexer com a vaidade desse cara que escreveu a matéria contra mim. Ele ia ver aquilo que Cristo falou: “Quando te dão um tapa, oferece a outra face”.

O Jairo Ferreira fez uma crítica muito legal na Folha de S. Paulo, e ganhei os parabéns de muitos jornalistas. A fita não foi muito explorada, houve o desespero de querer fazer. Fiz uma única cópia em 35 mm e uma única em 16 mm. O título original era Manchete de jornal, mas quando chegou o lançamento a gente trocou para Mundo: Mercado do sexo.

Na verdade, o Demônios e maravilhas não era para ser média-metragem, era para ser um filme normal de uma hora e meia. Mas o Goffredo Telles, filho da Lygia Fagundes Telles, era um fã meu e queria ter a fita o mais breve possível, porque ele gostava muito do material. Lutou muito junto com o Carlos Augusto Calil, virou tudo dos avessos e conseguiu um financiamento na Embrafilme para fazer uma cópia em 16 mm. Eu nunca consegui nada na Embra, mas o Goffredo conseguiu. Na Embra eles acharam que não tinha de ter mais de 50 minutos, e o material já estava com uma hora e 40 minutos. Foi meio difícil pegar e começar a cortar cenas para deixar com 50 minutos para ser sonorizado e fazer a mixagem e a cópia, mas foi isso que aconteceu.

Então, era uma fita que ou ia para televisão, como aconteceu, ou passava em sessões superespeciais dentro de alguns eventos feitos no Brasil ou lá fora. A fita passou em sessão especial em dez capitais. Esse filme está no limiar do documentário, mas, se for realmente analisar, se tornou um drama, porque a minha vida era uma tragicomédia. Era um troço que a gente tinha de rir da própria desgraça, porque era muito forte, então eu procurei ir para esse lado e fazer uma tragicomédia, mas mostrar que vinha de uma realidade, porque algumas cenas em Demônios e maravilhas são reais. Na fita há uma parte real e uma parte forçada, como é o caso da minha prisão.

Perversão partiu de uma história verídica acontecida no Rio, e eu adaptei para o cinema. Acho que foi uma das fitas mais empolgantes que dirigi, uma fita que eu fiz com um entusiasmo muito grande. Poderia ter sido até uma das minhas melhores fitas, se eu não cometesse erros gravíssimos. Eu cismei que o pessoal tinha de vir do teatro amador, porque o meu filho Crounel e a minha filha Mariliz trabalhavam com teatro amador, e eu queria dar uma força para o teatro, então fugi um pouco da história e acabei complicando. Isso até que era uma coisa que podia passar a tesoura e cair fora, mas havia outras histórias. Na fita havia duas festas grandiosas, e eu tive toda uma estrutura; essa foi realmente a fita mais cara que eu já fiz. E nela eu cometo um erro muito grave, uma gafe que nem amador comete: eu sirvo bebidas importadas, como uísque, em copo de plástico; isso tendo todos os copos de cristal na casa que era locação, tendo até uma firma que bancaria os cristais porque na época estava cheio de imprensa na filmagem e eles fariam questão de me dar as taças. Eu devia ter me dado conta, porque eu ia muito a festas e era tudo de cristal. Eu fiz isso por falta de pessoas na produção que falassem que isso não existia, o meu erro foi, numa fita sobre a alta sociedade, pôr a produção na mão de uma cara que nunca conheceu a alta sociedade. Era um cara proletário, era um cara que mal e mal tinha o primário, o Satã. Ele foi o produtor, chegava para mim e dizia: “Mestre, eu vou economizar. Achei um lugar que vende a dúzia de copos de plástico por 50 centavos”. Eu não estava me dando conta de que ele não tinha noção. Foi a primeira coisa que a crítica caiu matando. Como o Jairo Ferreira estava sempre comigo, ele achava que minha saída era dizer que eu fiz de propósito. O filme tinha tudo para emplacar e ser uma explosão, mas deu esse problema. Além disso, o nome do filme era Estupro!. Foram feitos cartazes, trailer, um mês anunciando na praça e, de repente, na última hora, muda-se o título, por ordem da censura, e tira-se a data de lançamento. Aí a fita não foi um sucesso porque o pessoal esperava um filme chamado Estupro!, e entra um chamado Perversão. No elenco da fita, tinha a milionária assassina. Ela matou um dos maiores colecionadores de carros e ia casar com um dos Matarazzo, então criou uma fama. A fita era anunciada como tendo no elenco uma das mulheres mais bonitas do mundo do cinema, Arlete Moreira, contracenando com a milionária assassina, Elza Leonetti do Amaral. A curiosidade do público era grande, mas aí teve de trocar cartaz, trailer e tudo o mais, e não deu para entrar na data anunciada.

A praga fiz todo em Super-8, com uma equipe de profissionais, e com Wanda Kosmo, em um dos papéis principais. Eu tinha ido antes a um laboratório e o cara de lá falou que ampliava de Super-8 para 35 mm de graça; então eu resolvi fazer em Super-8. Chegamos a fazer um teste e ficava perfeita a ampliação, era um laboratório de um japonês. O filme mostrava uma maldição feita por uma bruxa. Pela maldição, surgia uma ferida no cara, e a esposa fornecia carne para a ferida. Aí num momento a ferida dele engole a mulher. Dias depois, o pessoal invade a casa e só encontra dois esqueletos. Como Zé do Caixão, eu apareceria no início e mais algumas vezes no decorrer da fita, em cenas difíceis de filmar, e no final também. O filme foi finalizado em 2007, através da Heco Produções.

48 horas de sexo alucinante (1986-87)

Sexo Explícito

No Brasil, durante os anos 1980, explodia o cinema pornográfico. Foi uma febre, parecia uma corrida do ouro, pois quase todos os produtores só aceitavam investir nesse tipo de cinema. Nessa época em que o gênero de sexo explícito pegou fogo, virou a razão de sobrevivência da Boca. Muitas atrizes passaram a fazer filmes de sexo explícito. Na época, não entendi por que elas faziam, porque quando passasse a fase elas não seriam bem-recebidas. Como atrizes, a maioria “morreu” no sexo explícito. A única que superou aquela fase, até continuou comigo fazendo outro tipo de fita, foi a Débora Muniz, que foi até musa do sexo explícito. Ela foi a única atriz que fez explícito e hoje ninguém toca no passado dela. Conseguiu sair do sexo explícito e passar para o cinema sério – as outras todas ou pegaram alguma doença ou ficaram na miséria total. Aí veio a época de eu fazer filmes de sexo explícito, e comigo não tinha esse negócio de pôr outro nome para assinar a direção – ninguém punha os nomes verdadeiros –, e aquilo chocou todo mundo. Eu fiz filmes de sexo explícito por uma razão: porque o Mário Lima me prometeu que se a fita dele desse dinheiro, ele teria como fazer o Encarnação.

A primeira produção que dirigi para o Mário era um filme erótico comum, A 5ª dimensão do sexo. Não tinha cenas de sexo explícito, mas os exibidores exigiram sexo explícito para passar o filme. Você vai ver a fita e tem um corte brusco, entra o sexo explícito sem mais nem menos. Eu não tinha tesão para fazer. Em A 5ª dimensão do sexo, eu fiz uma homenagem ao amor homossexual, pus a paixão de um homem por outro e mostrei que isso era possível. Já ganhei até prêmio por ter feito a fita. A história é sobre dois estudantes de Medicina. Eram dois garanhões, mas aí começam a brochar e, sabe como é, a mulherada não perdoa e fala para a escola inteira. Eles se tornam amigos e passam a tentar descobrir alguma erva que faça voltar a potência deles e conseguem. Aí, a primeira menina que eles pegam, eles fazem sexo, mas sempre sanduíche: a mulher no meio, um na frente e outro atrás. Aí vão pegando outras mulheres, mas uma delas sofre um acidente. Eles começam a ser procurados como estupradores. A polícia chega cada vez mais perto até que pega eles, e é justamente quando eles descobrem que se amam. Por que em toda relação que eles tinham com mulher eles faziam sanduíche? Porque um tinha de ficar olhando para o rosto do outro, e com fome de olhar; eram eles sentindo tesão. Aí eles descobrem que têm tesão um pelo outro. Pela primeira vez no Brasil, foram mostrados dois homens se beijando. O filme foi muito comentado nos jornais, e os gays aplaudiram. O filme era para o público gay, entrou em cartaz, mas não deu uma explosão grande, ficou três semanas no Cine Windsor, na avenida Ipiranga. Com os enxertos de sexo explícito, ficou para todos os públicos, mas não explodiu porque o Cláudio Cunha vinha com uma fita cujo título roubou todos os espectadores do Brasil: Oh! Rebuceteio (1984). Não tinha quem não fosse ver!

Só voltei a trabalhar com Mário Lima porque ele me veio com essa proposta de fazer Encarnação. Em 24 horas de sexo explícito, eu achei que da maneira como as mulheres apareciam ia vingar, como vingou. Por exemplo, tem uma hora que os caras viram para elas e falam: “Arregaça!”. Aí elas abrem as pernas. Eu fiz elas ficarem numa posição esquisita, e a câmera eu punha em posição esquisita também para deixar mais feio ainda. Eu fiz até um cara maquiar um pinto e uma xoxota, e filmei os dois conversando. Aquilo na época valeu, comentou-se muito. A diferença do 48 horas de sexo alucinante é que acho ele muito sofisticado. Enquanto 24 horas de sexo explícito levou sete dias para ser filmado, 48 horas de sexo alucinante levou um mês e meio; foi uma fita muito sofisticada, é muita coisa. O Mário só pensava na vaca mecânica que foi feita para a fita. Porque é o seguinte: a mulher está dentro da vaca e o cara gosta dela, pensa que é uma vaca real. Aí ele vai comer a vaca, mas está comendo a própria mulher. Isso ficou falso, dava para ver a mulher, então ficou falso.

Eu me comprometi com o Ary Santiago a dirigir dois filmes em Brasília, produzidos por ele. Um era de sexo explícito, Dr. Frank na clínica das taras, que foi terminado e lançado sem grande sucesso, pois o montador cortou as partes principais. O outro foi As duas faces de um psicopata, esse não era do gênero explícito, mas nunca foi terminado por problemas de desentendimento entre os sócios.

Não valeu a pena ter feito os filmes de sexo explícito. Se o Mário produzisse o Encarnação, teria valido a pena. Ou se ele tivesse cumprido a promessa de me pagar 10% da renda do 24 horas de sexo explícito... Mas quando começou a entrar o dinheiro, ele esqueceu a promessa e nunca me deu os 10%. Com esse dinheiro eu fazia o Encarnação do demônio.

Augusto de Cervantes e José Mojica

Encarnação do demônio

O Augusto de Cervantes, enquanto a gente fazia o Esta noite encarnarei no teu cadáver, em 1966, disse para eu escrever o roteiro do Encarnação. Ele era um cara que queria a coisa sempre roteirizada, então acabei escrevendo. O Augusto mais do que nunca estava disposto a investir no Encarnação, mas isso não aconteceu porque ele tinha muita dívida na praça. Em 1967, começaram os famosos testes do Encarnação. Na televisão só se falava de Encarnação, todo mundo comentava sobre o filme. O Galante queria produzir o Encarnação, mas o Augusto não deixou, e o Galante decidiu partir para o Trilogia de terror. Aí surgiria o George Serkeis, o egípcio, que se desentendia demais com o Augusto. O George queria fazer a Encarnação do demônio, mas o Augusto não autorizou. Ele nem conhecia o roteiro, mas já tinha os direitos. Aí eu, o George e o Lucchetti trocamos idéias, e acabaria saindo O estranho mundo de Zé do Caixão. O George me proibiu de fazer qualquer coisa que ligasse a fita ao Augusto, mas me deu uma declaração de que era eu quem decidia o que fazer da distribuição. O Augusto, que continuava passando por dificuldades financeiras, veio me pedir a distribuição; ele me lembrou que eu estava com poder para escolher quem distribuiria a fita e prometeu fazer o Encarnação. Assinei com ele, escondido do George. Eu estava todo feliz, mas aí o dinheiro não vinha, apesar de o jornal noticiar o sucesso e de a gente telefonar para o INC (Instituto Nacional de Cinema) e lá indicarem uma renda alta. Eu já fazia as contas com o George e achava que estávamos ricos. Passam dois meses e não vem dinheiro. O George, vivo como ele era, descobriu que o filme não era mais nosso, que estava vendido para o mundo todo e que o Augusto já havia pegado o dinheiro. Aí é anunciado o filme Meu nome é Tonho (1969), e o Candeias, que não tinha papas na língua, me disse: “Olha, Mojica, eu quero que você seja o primeiro a saber: eu estou fazendo essa fita com dinheiro do Augusto. Ele roubou o turco, roubou você, mas eu não estou no roubo. Eu estou fazendo um filme com o dinheiro da Ibéria Filmes”. É que havia realmente, da parte do Augusto, esse ciúme que não deveria haver, que fazer Encarnação seria me eternizar no cinema. Eu li num livro do Eugênio Puppo uma declaração do Candeias de que Meu nome é Tonho deu muito público, mas a fita não deu nada. Se não entrasse outra mulher na jogada, a Georgina, o Augusto tinha afundado.

Paulo Sacramento e José Mojica Marins no set de filmagem de A encarnaç&ão do demônio, em 2006

Em 2000, surgiram o Paulo Sacramento e o Dennison Ramalho. Eles leram o roteiro e acharam que tinha de ter uma modificação, porque já haviam passado muitos anos. Aí eu deixei o Dennison à vontade para mexer, só que ele fez uma outra leitura: o Zé do Caixão ficava com superpoderes, voava, um negócio de quadrinhos que não tinha explicação. O roteiro ficou um negócio com muito exército, muita guerra, os caras entravam na favela com metralhadora e davam tiro para todo lado. E o Dennison só pôs uma mulher, a Luci, personagem com 40, 45 anos. Por que banir todas as mulheres da Terra? Não tem mais mulher, acabou?. Aí já começamos a mexer, o Dennison encheu de mulher. Não pôs demais, pôs no ponto.

O roteiro dos anos 60 do Encarnação era uma coisa que eu ia fazer numa boa com o Augusto, ou com qualquer outro que pudesse produzir. Iniciava o filme com o Zé levado pelo corcunda numa padiola para a casa de uns evangélicos, onde tinha duas mulheres. Uma era daquelas marrudas, de não gostar de ninguém, e a outra já era bem angelical. O Zé é jogado onde ficam os cavalos, a marruda vê que ele é inteligente e já começa a querer se unir com ele para matar o pai e ficar com a fortuna. Mas ele não precisa de união para nada e aí, quando já está com saúde, o velho evangélico vai lá e fala que na Bíblia diz para fazer o bem sem olhar a quem. O Zé olha bem cínico, pega um espeto e fala que, até uma parte, a Bíblia está certa; deve-se fazer o bem, mas olhar a quem. Aí ele mata o velho. O corcunda faz a vala para enterrar o velho e a filha má, que é enterrada viva. Aí o Zé fica com a menina boa, ela perde a virgindade com ele e acaba gostando. O Zé resolve vir para São Paulo, onde ele tem uma mansão. Ele está curioso em fazer uma experiência com LSD e usa a droga. Mas, enquanto ele faz a experiência, o corcunda perde a cabeça e acaba tendo um ato sexual com a mulher do Zé, e engravida ela. Como o Zé não é de matar criança, deixa ela ter o bebê; e o bebê sai corcundinha. A mulher concorda que tem de morrer, aí o Zé põe a mulher numa mesa legal e coloca um rato no útero dela para roer ele todo, porque foi profanado. Ele também joga ácido no corcunda, corroendo todas as partes sexuais dele, só fica osso. Mas, com essa experiência do LSD, ele começa a ver uns negócios doidos. Vai para o banheiro, puxa a descarga e sai numa bexiga, vai passando por todas as partes dentro do pênis. Aí ele volta ao normal e vê a mulher morta. Mas a essa altura todo o povo já descobriu que o Zé do Caixão está na cidade; o pessoal vem e toca fogo na casa. Ele fica numa situação sem saída. A fita termina com ele virando para o povo e dizendo: “Eu não vou morrer, me aguardem que eu voltarei!”. Esse é o final da fita.

Esse roteiro mudou muito em relação ao novo. No novo, o Zé fica preso muitos anos e, quando sai, vai atrás do fiel corcunda, que diz que está tudo preparado à espera do Zé. Este diz que agora a coisa vai ser mais fácil, porque antes ele trabalhava só com as pessoas que acreditam nas lendas, as supersticiosas, e que agora é mais fácil porque tem a vaidade da grande cidade. O corcunda preparou serviçais para ele, duas meninas e dois rapazes, que foram criados desde pequenos, como o Zé gosta, e têm ele como um deus. O Zé pega várias mulheres, mas elas não servem; ele as manda para os cachorros, para torturas, faz coisas terríveis. Aí ele consegue escolher as que devem ser as superiores. São sete mulheres, do Brasil e de diversas origens, como Alemanha, Índia e Japão. Nos outros filmes ele chegou a engravidar algumas mulheres, mas sempre acontecia algo e o filho não nascia. Dessa vez não pode dar errado com todas as sete!

Para mim, a produção do Encarnação foi a mais rica, a mais perfeita que eu tive em todos os meus filmes até agora, com um pessoal superprofissional, não me deixaram faltar nada. Nunca houve aquilo de “não dá!”, “isso é impossível”. Sempre fui respeitado, mas achei que dessa vez eu fui super-respeitado. As pessoas tinham medo de pecar em qualquer coisa. O Paulo Sacramento nunca me deixou, em nenhuma hora.

Nessa filmagem nós usamos o storyboard, o que para mim é a coisa mais gozada do mundo. Eu até cheguei e falei: “Serve até para uma história em quadrinhos”. No início, o Paulo se apegava ao storyboard, depois ele viu que estava dando muita discussão. Isso acontecia porque você faz um desenho aqui e, na hora da filmagem, nós estamos em outra condição, completamente diferente, não tem nada a ver com o desenho. Se você vai acompanhar o storyboard, vê que está desenhada uma determinada coisa, mas onde eu vou filmar não é aquilo. A favela está de um jeito no storyboard, mas você chega na favela de verdade e ela está de outro jeito. Eu não gosto disso, eu detesto storyboard. Mas até houve coisas que, de tão complicadas para filmar, eu cheguei a pedir o storyboard.

Quando o Jece Valadão morreu, ficou todo mundo desesperado, pensaram em filmar tudo de novo. Mas eu não vi nisso uma calamidade. Se eu estou com um dos melhores atores do gênero cafajeste, o cara está com uma puta interpretação... Além disso, o cara disse para mim: “Pô, se acontecer de eu morrer, não deixa que me cortem do filme. Eu estou cheio de problema, tudo pode acontecer, mas não me tira da fita”. E ele já tinha feito entre 75% e 80% da fita, não dá para você simplesmente tirar ele, – até porque é um ator que tem um público.

Tínhamos de fazer uma homenagem ao Jece, aí pegamos o Adriano Stuart, que faz um irmão do protagonista, e ficaram dois personagens. Se tirasse o Jece, ia perder a força.

Epílogo

Recentemente, tive o reconhecimento do governo brasileiro, recebi a Honra ao Mérito Cultural, uma medalha e um certificado que me foram entregues pelas mãos do ministro da Cultura, Gilberto Gil, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esse reconhecimento diz respeito aos meus serviços prestados à cultura no Brasil e no exterior.

Um dos meus maiores desejos é filmarem a minha morte, dentro do caixão, até a hora de ir. Não quero ser cremado e quero que toquem músicas, uma seria a “Valsa da despedida”, de que eu gosto e usei demais em minhas fitas; e a outra seria uma música alegre. Se puderem fazer um coquetel no cemitério, dar salgadinhos, bebidas, se eles puderem fazer, eu gostaria que terminasse assim. Ou com “Noite feliz” ou com uma música ao estilo dos mariachis, bem alegre e que eu gosto demais. Eu gostaria que o pessoal se divertisse, brindasse, bebesse. Eu ficaria feliz.

 

José Mojica Marins durante a filmagem de Meu destino em tuas mãos (1961-62)

 

Entrevistas realizadas nos meses de abril e maio de 2007, com a participação de Eugênio Puppo, Arthur Autran e Daniela Senador