Portal Brasileiro de Cinema  MUNDO: MERCADO DO SEXO (MANCHETE DE JORNAL)

MUNDO: MERCADO DO SEXO (MANCHETE DE JORNAL)

Ficção, 1978, 35 mm, cor, 81 min, longa-metragem

 
 

Véspera de Natal. O repórter Mauro tem 24 horas para encontrar uma manchete para a primeira página. Ele sai às ruas à procura de uma grande notícia, mas só se depara com situações corriqueiras. Sua esposa precisa de dinheiro para socorrer o filho e vai buscar ajuda com o editor do jornal. Enquanto isso, o jornalista nem imagina que ele próprio será a notícia do dia seguinte.

A prolífica filmografia de José Mojica Marins é marcada por obras de gêneros bem definidos. Apesar disso, o cineasta trabalhou pouco com o melodrama. Mundo: mercado do sexo – título chamativo imposto por motivos comerciais em lugar de Manchete de jornal – é uma das poucas exceções. A trama da fita aborda a tentativa do jornalista Mauro – interpretado por Mojica – de achar um furo em 24 horas, pois só assim conseguirá emprego fixo num jornal.

A esperança que Mauro apresenta de manhã, ao sair para trabalhar, é alimentada pela esposa carinhosa, além de ser reafirmada para os espectadores (induzidos pela placa com os dizeres “Hei de vencer” na parede da residência). A casa é, aparentemente, refúgio seguro no qual estão os que apóiam o jornalista. A rua, por outro lado, é o lugar do indeterminado: Mauro caminha durante o amanhecer por amplos espaços que ressaltam a dimensão de sua luta pela sobrevivência, em especial na bela panorâmica que acompanha seu deslocamento pela metrópole. Essa indeterminação vai corroendo suas esperanças. Segundo o comentário enfático do personagem em relação às pessoas que conhece na rua ou aos fatos que presencia, “tudo é normal, muito normal”.

No entanto, as coisas não são tão “normais” assim, afinal de contas Mauro está sempre cruzando com pessoas e situações que poderiam render uma manchete de jornal: ele encontra um mendigo que na realidade é um escroque, um milionário que está falido e poucos sabem, a moça bonita e rica desprezada por um marginal, casais atacados por malfeitores.

São tão prolíficas as situações inusitadas próximas a Mauro que parece se tratar menos de azar do jornalista do que falta de vontade em compreender a verdade dos fatos. Talvez por isso ele prefira passar a noite numa boate da Boca do Luxo. A falta de vontade de Mauro em compreender as coisas será abalada por uma crise do personagem, consciente de que sem o furo não conseguirá o emprego almejado. A representação dessa crise, feita de closes de Mauro desesperado, flashes de acontecimentos vistos ao longo dia, lembranças da mulher e do filho e imagens do espaço sideral, merece especial atenção para o trabalho do ator e da montagem.

 

A montagem tem papel central na construção do jogo de ódio e medo quando Mauro se defronta com algo que não pode encobrir para si próprio: ao chegar em casa pela manhã, ele descobre que sua mulher passou a noite com o editor do jornal e resolve matá-los e em seguida se suicidar. Desta feita, a casa ressurge como paraíso ilusório, e a placa “Hei de vencer” ganha contornos de comentário irônico a respeito dos sonhos de estabilidade.

O filme extrai uma força tremenda da sua ambigüidade perante o personagem central, pois não critica o comportamento de Mauro. Pelo contrário, há clara empatia para com ele. O desmoronar irremediável de suas ilusões recoloca a posição cética quanto às suas ambições pequeno-burguesas.

O que resta a Mauro, outra ironia, é ofertar sua tragédia pessoal para uma manchete de jornal.

Arthur Autran