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INFERNO CARNAL

Ficção, 1976, 35mm, cor, 82 min, longa-metragem

 
 
 
 

Dr. George Medeiros é um brilhante cientista que não encontra tempo nem para sua bela esposa Raquel. Ambiciosa, ela resolve matar o marido para ficar com a fortuna dele. Mancomunada com o amante-gigolô Oliver, Raquel joga ácido no rosto de George. Mas o cientista sobrevive, passa por uma operação plástica e começa a arquitetar sua cruel vingança.

A certa altura de Inferno carnal, a câmera se detém em closes de uma operação nos olhos de alguém. Os espectadores sabem que se trata do cientista George (ou Jorge, como às vezes o nome é pronunciado), personagem de José Mojica Marins. George passa a ser um indefinido “alguém”, na medida em que as cenas, de natureza “documental”, “científica”, de fato apresentam um registro bem diverso do restante do filme, não se “colam” à ficção. Há um abismo entre essas imagens excessivas, de uma objetividade cruel, e o universo pueril de suspense folhetinesco que as cerca.

A sensação de descontinuidade e desequilíbrio provocada pelas imagens “documentais” da operação de certa forma traduz o desnível que caracteriza Infer no carnal. A cena destaca-se do conjunto, parecendo boiar em meio às demais.

O filme não avança por meio dos “elos” de causa e conseqüência; não constrói as ações a partir da continuidade progressiva. Inferno carnal é – do ponto de vista do roteiro e da montagem – o reinado da circularidade e do paralelismo. Em relação ao tratamento fotográfico, isso se traduz no uso do zoom: cada movimento óptico é um “recomeçar”, isto é, um novo recorte do olhar sobre um mesmo espaço anterior. O mesmo pode ser dito sobre o som como elemento expressivo dos encontros amorosos ou das lembranças traumáticas: a linha melódica de um piano que ressurge sempre que a atriz Helena Ramos aparece, ou os berros de dor e os angustiantes gritos que clamam pelo nome da personagem Raquel são refrões que repisam atmosferas ou reafirmam sentimentos. Inferno carnal é também o império da redundância.

José Mojica Marins nunca foi um cineasta acadêmico. Seus filmes de terror e suspense, ainda que dialoguem com a velha tradição do conto fantástico, não transitam pela lógica de uma construção convencional, clássico-narrativa. Em Inferno carnal, especificamente, isso se torna bem claro não tanto pelas suas eventuais qualidades, mas, sobretudo, pelas suas evidentes fraquezas.

Não conseguindo sustentar as diferentes atmosferas buscadas em cada “bloco” ou núcleo de ação, cada seqüência parece sofrer um desgaste imediato. É claro que, aqui e ali, há sempre momentos interessantes ou memoráveis: um exemplo é a forma como Mojica utiliza os seus atores (como de praxe, todos dublados). Curiosamente, eles acabam donos de uma verdade que, de forma paradoxal, nasce da mais deslavada canastrice – o que aliás se aplica ao próprio Mojica. Certa maneira de fazer o espectador “descobrir” um personagem que se esconde (caso do detetive que segue a ex-mulher de George e seu amante) apóia-se em movimentos de câmera ou zooms que fogem à mesmice da decupagem. A montagem às vezes se esforça por criar uma atmosfera perturbadora, mas a rápida sucessão de closes de animais empalhados con- segue provocar apenas uma pálida recordação do brilhantismo de filmes como Esta noite encarnarei no teu cadáver, o episódio “Pesadelo macabro”, de Trilogia de terror, ou O despertar da besta.

Enfim, Inferno carnal não se compara aos clássicos de Mojica, parecendo muito mais ser um filme de rotina, e por “rotina” não devemos entender, claro, o uso dos paralelismos, a fragmentação narrativa ou a falta de recursos para a produção. O que faz de Inferno carnal um filme rotineiro é algo bem diverso e mais grave: uma direção desapaixonada.

Luís Alberto Rocha Melo