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D’GAJÃO MATA PARA VINGAR

Ficção, 1971-72, 35 mm, cor, 93 min, longa-metragem

 
 
 

Num acampamento cigano, D’Gajão e Nadja se casam. Perto dali, o capataz Justino seduz a filha de seu patrão, mas a moça morre ao bater a cabeça em uma pedra. Justino culpa os ciganos pela morte e comanda um massacre no acampamento. D’Gajão sobrevive e persegue os bandidos, tentando salvar sua noiva, raptada pelo fazendeiro.

O melhor de D’Gajão mata para vingar está no início, na seqüência de abertura, em que uma mulher, num idioma que não conhecemos, pronuncia palavras das quais nossos ouvidos não sabem captar mais do que os sons. A isso correspondem gestos e expres- sões que, logo, nos informam tratar-se de um casamento. Em seguida, percebemos que a cena se passa em uma comunidade cigana. Quem casa com uma bela jovem é D’Gajão, aparentemente o líder do grupo ou seu representante mais eminente.

À cerimônia segue-se a comemoração, com as danças. D’Gajão olha feliz para sua noiva. Esta responde com o semblante sombrio. Pesa-lhe a intuição de que momentos árduos estão por vir. Ela está certa: os ciganos são vítimas de preconceito e racismo – e o filme não ajuda muito a desfazer os lugares-comuns a respeito deles. Não demora para as mulheres saírem às ruas de uma cidadezinha atrás de alguém que pretenda conhecer o destino pela leitura de suas mãos.

D’Gajão, entrementes, passa a demonstrar as virtudes dos heróis de faroeste. Como durante um jogo de cartas, em que vence implacavelmente seus adversários, mas termina, magnânimo, por deixar o dinheiro para seus parceiros. Os ciganos são magnânimos, compreendemos, mas isso é insuficiente para aplacar os preconceitos.

O capataz de uma fazenda violenta e mata a filha do dono da fazenda. Estamos num filme brasileiro sertanejo, em que os capatazes fazem o papel de mordomos: são sempre os culpados. Não que o coronel seja grande coisa. Tanto que engole de imediato a versão de que os responsáveis pela morte da garota são os ciganos. O coronel, cego de ódio e movido pela confiança inabalável no capataz, trata de esmagar os ciganos, promovendo uma colossal matança.

 

Mojica não demonstra grande interesse pelo gênero, nem pelo tema nem pelo filme em geral. Se de fato se interessasse, talvez tivesse produzido um massacre menos convencional, mais memorável, apesar dos parcos recursos da produção. Da mesma forma, ele não demonstra preocupação alguma em se contrapor à verdadeira saraivada de clichês que compõem o roteiro. As deficiências do filme são enormes, e nem vamos falar do elenco, que, à parte o mocinho Walter Portella e o bandido Nivaldo de Lima (mesmo assim, deixam saudades de outros trabalhos seus), é de uma incompetência cósmica.

No entanto, alguns momentos e algumas circunstâncias oferecem descrição a ser retida da vida e da mentalidade interioranas. O melhor, nesse sentido, é o bordel: uma casa sem a menor aparência exterior de bordel, com uma cafetina velha e feia a fazer rapapés intermináveis ao coronel, que toma a casa por um segundo lar. Tanto que passa um tempo lá, embora sua fazenda seja nas redondezas e não haja razão lógica para permanecer no bordel – exceto permitir que a filha seja morta. De todo modo, a dualidade entre lar e bordel está preservada. D’Gajão avança, basicamente, de precariedade em precariedade, raramente lembrando os grandes momentos de Mojica, mas, aqui e ali traz o frescor raro e a capacidade de observação do realizador. E a ninguém escapará, por certo, a felicidade da escolha das locações, no interior do Paraná, onde tudo evoca um Velho Oeste que não é velho nem é Oeste: é tristemente presente.

Inácio Araújo