Portal Brasileiro de Cinema  OUTROS ZÉS: MOJICA ATOR

OUTROS ZÉS: MOJICA ATOR

 
 
 

José Mojica Marins, criador e intérprete de Zé do Caixão, um dos maiores personagens do nosso cinema, atuou não apenas em seus próprios filmes, mas também nos de outros diretores. Além das famosas unhas, em alguns casos Mojica usa os trajes de Zé do Caixão e manifesta algumas de suas características.

Seus papéis podem conter elementos de misticismo religioso ou ter relação com magia, mas mantêm o tom desafiador e prepotente – isso quando não estão associados diretamente às forças do Mal.

Após ter apresentado Zé do Caixão em À meia-noite levarei sua alma, Mojica atuou em O diabo de Vila Velha no papel de um perverso e corrupto prefeito. Este é um filme de produção atribulada, rodado no Paraná e dirigido inicialmente – e depois abandonado – por Ody Fraga. Mojica, por fim, assumiu a direção deste “western-feijoada” e compôs a canção-tema.

 
O cangaceiro sem Deus (1969)

O ator teve papéis de destaque em dois importantes filmes. Em O cangaceiro sem Deus (1969), sofisticada obra que se insere na tradição dos filmes de cangaço, dirigido por um seguro Osvaldo de Oliveira, Mojica faz o líder messiânico Zé das Penitências. Seguido por uma legião de fiéis alucinados pelo sertão, este Zé prega contra a República, o casamento civil e os cangaceiros que infestam aquele “ser tão sem Deus”. O olhar delirante, de quem traz uma certeza profunda e está pronto a enfrentar o mundo, remete ao outro Zé. Há ainda outro elemento fílmico que associa os dois: quando Zé das Penitências surge em cena, escutamos trovoadas e ventanias típicas dos filmes de terror de Mojica.

Mojica também se destaca como o aventureiro e faquir Alikhan, em O profeta da fome (1969), de Maurice Capovilla. Alikhan trabalha num pequeno circo no qual, em busca da atenção do público, tenta a cada apresentação superar em dificuldade o número anterior. Começa engolindo giletes, pregos e cacos de vidro. É enterrado vivo e provoca o fim do circo após um fracassado número no qual comeria carne humana. Resolve assumir o jogo: deixa crucificar-se para causar comoção num povoado. Depois, vai para São Paulo e tenta bater o recorde mundial de jejum. No filme, o oportunismo do personagem é refor çado pela junção de dois elementos: a interpretação de Mojica e o artifício de dublar o personagem, voz a cargo de Paulo César Pereio, com frases curtas e irônicas.

Mojica faz várias aparições em filmes de amigos da Boca do Lixo paulistana: na introdução do episódio de Car los Reichenbach em Audácia! a fúria dos desejos (1969), como diretor numa “entrevista” na Boca, em cenas dos bastidores das filmagens de O profeta da fome (que constam de Audácia!) e depois dando conselhos para um dos personagens. No experimental O abismo (1978), de Rogério Sganzerla, Mojica surge como o professor Pierson, ao lado de seu fiel escudeiro, Satã, e de Wilson Grey. Com vestes que lembram Zé do Caixão, esbanja boçalidade em cada frase (como “Além de grande, sou o maior”) e passa o filme proclamando verdades enquanto olha as estrelas num observatório.

 
Padre Pedro e a revolta das crianças (1983)

Podemos ver Mojica em vários filmes de Francisco Cavalcanti, diretor que fazia parte do grupo da Boca do Lixo. Entre eles, Padre Pedro e a revolta das crianças (1983), no qual aparece como o dono da Cantina Alegre, comanda a prostituição na cidade, enfrenta um novo padre – interpretado por Pedro de Lara – e zomba do sino da igreja. Em As bellas da Billings (1987), de Ozualdo Candeias, Mojica faz uma curta mas bela aparição como um solitário pregador sem fiéis, no centro de São Paulo. Sinal de sua força, a sombra de Zé do Caixão impregnou o olhar de outros cineastas.