Portal Brasileiro de Cinema  Wilson de Lyra Chebabi

Wilson de Lyra Chebabi

 

Sou chamado a participar do livro Leila Diniz 1945 - 1972 em função do meu trabalho como seu psicanalista e de minha proximidade com ela nas décadas de 60/70. Um abrupto acidente aéreo cortou a possibilidade de sua continuação e de nosso contato. A ampla aceitação do público e da mídia revela, contudo, que ela sobrevive a sua própria morte.

A proposta que recebi, entendo-a como uma solicitação para que eu explicite a maneira como Leila está viva em mim. Isso limita necessariamente a possibilidade de apresentar algo novo, que diga respeito a sua biografia pessoal e íntima. Na verdade, o que posso dizer é que a minha proximidade foi muito mais com a pessoa do que com o seu mito. Este, no entanto, não é isento da pessoa, pois, no meu entendimento, as principais portas que ela abriu em sua época para a juventude oprimida foram frutos da sua coragem pessoal e da sua gana de fazer descobertas. A coragem revelou-se principalmente pela ousadia de procurar legitimar o direito de desejar.

Eu me recordo dela como uma moça cheia de esperanças e disposta a procurar os meios genuínos de tornar viáveis os seus desejos. É essa batalha, de tornar exeqüíveis os desejos, que caracteriza o que há de melhor no ser humano.

O mito Leila Diniz, isto é, o que foi montado a partir dela pela sociedade, é um modo de aconchavar o desejo de ter a liberdade de desejar e o interesse em guardar as conveniências (diria eu, as conivências) de um sistema social regido pelo esquecimento do humano no pragmatismo insensível da ambição monopolizadora do lucro. Selando-a como mito, encurralava-a em papéis contra os quais ela reiteradamente resistia. Deste modo, tentava-se aprisioná-la no desempenho de um único papel: o de "Leila Diniz mítica". Paradoxalmente, entretanto, sua resistência ao apelo de se mitificar – por exemplo, deixando à mostra o seu já incrementado ventre grávido ou usando freqüentemente palavras chulas e palavrões – potencializava cada vez mais a sua mitificação.
E isso por que? Porque transformava-a na aspiração ideal dos jovens já saturados de hipocrisia.

Olhando-a com uma consideração sincera, pode-se ver que Leila provou, com o exercício da sua vida, que lutar pela liberdade não é possível só para os mitos. O mito não é Leila, mas o que fizeram dela para tê-la como embaixatriz da ânsia de aventura e de liberdade que todos temos.

O desastre aéreo que a levou também contribuiu muito para perpetuá-la como mito, pois privou-nos de acompanhá-la ao longo dos anos, nos quais ela teria se revelado muito mais e nos deixado uma representação menos idealizada e mais consistente. A morte prematura deixa por conta da nossa imaginação a ficção do que seria a sua vida até a velhice e por conta da memória fornecer reminiscências para que o nosso desejo possa construir a sua biografia dali por diante.

No livro de Ruy de Castro há um texto muito bom sobre Leila Diniz como pessoa, no qual sua biografia coincide muito com a impressão que dela tive. De todos os seus desempenhos como atriz e como vedete, o papel mais significativo foi sem dúvida o de Leila Diniz no grande e belo palco que é o Rio de Janeiro. O Brasil vivia uma época de violência, não só militar, mas, sobretudo, um moralismo intolerante. Leila enfrentou essa opressão com os recursos mais naturais e mais verdadeiros: a aptidão em conservar a sua simplicidade e a sinceridade no desempenho do papel que naquela época era o de mulher do futuro. O futuro trouxe-nos o sucesso do sentido da vida que ela exerceu, mas levou-a, tirou-a de nós.