FOME DE AMOR

1968, 35 mm, P&B, 76 min

 

Os recém-casados Felipe – um pintor oportunista – e Mariana – burguesa com pretensões políticas revolucionárias – voltam de Nova Iorque para o Brasil indo viver em Angra dos Reis, junto ao casal Ula e Alfedo, este último cego, surdo e mudo. Enquanto Mariana afasta-se progressivamente do mundo, Felipe e Ula tornam-se amantes. Filme de forte teor alegórico sobre o momento político e social então vivido pelo país.

Tudo o que a Leila queria dizer, dizia com os olhos, vivos, presentes, sensuais. Eu os acompanhava através da câmera, mas era como se não existisse câmera nenhuma. Quantos momentos bons, descontraídos, espontâneos. Foi uma grande satisfação para mim trabalhar em Fome de amor, não só pelo convívio com o elenco e a equipe. Mas também pela tranquilidade e segurança de Nelson Pereira. onde ele resolvia que a câmera deveria ficar era sempre a melhor posição, nem adiantava procurar mais.

As coisas que a Leila fazia a gente nunca esquece. Lembro-me dela aprendendo a dirigir e sua satisfação ao sair com o carro pela primeira vez. Jogando sinuca com a equipe do filme, sempre com um caju amigo por perto, para brindarmos a qualquer lembrança boa do dia de trabalho. Hoje jogo sinuca muito melhor do que naquele tempo e entendo uma coisa curiosa que acontecia: todos jogavam bem e acertavam todas as bolas na caçapa. Atribuo isto à alegria e à descontração que havia entre nós.

 
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Dia seguinte, café-da-manhã no mesmo bar da sinuca. Outro clima, café no início do dia de trabalho. Um ajudando o outro com o equipamento, subimos todos no barco eu nos levaria à locação. Leila começava a cantar antes do barco partir, com uma alegria contagiante. Este trajeto durava uns quarenta minutos. Lá pelo meio da viagem, passávamos por uma casa onde sempre havia quatro ou cinco crianças na porta. Leila pulava, gritava, rebolava, fazia palhaçadas. As crianças no começo só olhavam, paradas. No terceiro ou quarto dia começavam a imitá-la. No dia seguinte filmei os meninos. Este plano acabou entrando no filme.

Um grande passeio era quando chegava o copião. As pessoas da cidade também eram convidadas. Era uma festa.

 
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Mas talvez a lembrança mais forte seja a de nossa chegada à Angra dos Reis, de Kombi, no começo do filme. Eram mais de dez horas da noite, e antes de ir para o hotel, resolvemos dar uma volta para fazer um reconhecimento. Alegria geral, era nossa primeira vez em Angra. Fomos com a porta lateral da Kombi aberta, toda a equipe zoando, cumprimentando alegremente os moradores. Foi quando passamos por um quartel do exército. Leila fez alguma brincadeiras com os soldados. Só que a rua não tinha saída. Para voltarmos, tivemos que passar, agora sérios e silenciosos, pelos mesmos soldados, que nos esperavam acompanhados de um tenente. Os soldados nos pararam, nos fizeram descer da Kombi e nos levaram para dentro, onde ameaçaram nos prender. Leila tentava explicar que era apenas uma brincadeira, mas estávamos nos anos 70, o exército não estava para brincadeira. Só a chegada do produtor, Paulo Porto, pode nos salvar.

Algumas vezes durante o filme, Manfredo, pai do Arduíno, preparava um delicioso tagliatelli, fazendo a massa com as próprias mãos. Leila estava sempre por perto ajudando. Adorava participar de um jantar caseiro e da conversa na cozinha. Às vezes era Nelson quem preparava o jantar, e Leila firma ajudando, alegre, demonstrando nas menores coisas todo o seu prazer com a vida. Com aquele seu sorriso enorme, sempre no máximo que sua boca podia se abrir.

Dib Lutfi

Direção: Nelson Pereira dos Santos

Roteiro: Nelson Pereira dos Santos e Luiz Carlos Ripper a partir da novela História para se ouvir de noite de Guilherme Figueiredo

Direção de fotografia: Dib Lutfi

Montagem: Rafael Justo Valverde

Música: Guilherme Magalhães Vaz

Produção: Herbert Richers e Paulo Porto

Produção executiva: Paulo Porto

Elenco: Leila Diniz, Arduíno Colasanti, Irene Stefânia, Paulo Porto, Manfredo Colasanti, Lia Rossi e Olga Danitch

Companhia produtora: Produções Cinematográficas Herbert Richers