Rita Lee

 

Leila e seu sorriso de coelhinha me fizeram sentir a própria Alice no país das maravilhas. A primeira vez que nos cruzamos foi nos corredores da antiga Globo, ela gravava cenas internas da novela O sheik de Agadir e eu ensaiava Ando meio desligado, com os Mutantes, para o FIC (Festival Internacional da Canção). Passou por mim vestida de noiva dando uma piscada marota, dei meia volta no ato e segui a apressada coelhinha até o estúdio, onde descolei um canto para assistir a gravação. Era uma cena dramática: a noiva infeliz estava prestes a se casar com um homem que não amava, pois seu coração pertencia ao Sheik. Leila foi brilhante e sua performance recebeu aplausos gerais. Quando todos já haviam saído do estúdio ela fez um sinal para eu me aproximar. Estava com o rosto sério, ainda carregando a tristeza de sua personagem. De repente, puxou o vestido até a canela e com uma gargalhada gostosa me mostrou um par de tênis vagabundo, por baixo do figurino luxuoso. A coelhinha era mesmo sapeca e aquela sua demonstração de cumplicidade me deu confiança para enfrentar o abaixo-assinado que rolava nos bastidores do festival para expulsar os Mutantes.

Augusto Marzagão, o diretor do festival, sabia que a presença irreverente do grupo só iria enriquecer o espetáculo, mas por outro lado o descontentamento dos "indignados de plantão" era real, mesmo assim empurrou a crise com a barriga, dando-me carta branca para explorar o guarda-roupa da casa e escolher as fantasias que quisesse para nós três.

A última vez que cruzei com Leila foi na sala de maquiagem, éramos então "velhas amigas". Volta e meia eu fugia dos ensaios e ia bicar as cenas dela ,para depois darmos umas risadas juntas. Enquanto aprendia a manusear o delineador, aluguei os ouvidos dela e contei sobre o barraco que estava rolando, da minha insegurança, o desprezo de alguns participantes, o clima tenso, etc. No fim, perguntei na maior cara-de-pau se eu poderia usar o tal vestido de noiva no palco do Maracanãzinho, com tênis e tudo. "Claro que sim, e garanto que vai lhe dar a maior sorte!. Além do que, a novela já está no finzinho, não tenho mais cenas com aquele vestido, provavelmente vão desmontá-lo para aproveitar os tecidos e bordados... mas, peraí! seu pé é bem maior do que o meu, melhor trazer seu tênis, né?... Tenho certeza de que vai ser genial, vou estar torcendo por você!"

Para Arnaldo, escolhi uma fantasia de cavaleiro medieval, para Sergio uma de toureiro e para mim, é claro, o vestido de Leila. Os Mutantes arrasaram e se classificaram para a finalíssima. Tornei a vestir a noiva, mas desta vez adicionei uma baita barriga de grávida, o que gerou ainda mais protestos internos. Fiquei de devolver os figurinos para a Globo no final da apresentação, mas "dei uma de migué" e entreguei só as fantasias dos meninos. Dia seguinte eu já estava em Sampa e o vestido de noiva passou a morar definitivamente no meu guarda-roupa.

Quando soube que o avião de Leila explodiu no ar, pensei: “Diniz” rima com “feliz”, pena que aquela coelhinha passou tão apressada pela vida da minha Alice, pensando bem, a moral da história de todas as grandes artistas não poderia ser outra: Lugar de estrela é no céu!