Portal Brasileiro de Cinema  JOGO PERIGOSO (JUEGO PELIGROSO)

JOGO PERIGOSO (JUEGO PELIGROSO)

1966, 35 mm, cor, 64 min

 

Longa-metragem composto por dois episódios, "HO" e "Divertimento". Este último narra a história de uma mulher que mata a esposa do seu amante, um playboy, e todos aqueles que se intrometem na relação de ambos.

Em maio de 1966, o produtor mexicano Alfredo Ripstein iniciou as filmagens de Juego peligroso (Jogo perigoso), uma co-produção México-Brasil entre a Alameda Films, de Alfredo Ripstein, e a Nacional Cinematográfica do Brasil. O filme foi realizado por Luis Alcoriza, cujo episódio intitula-se Divertimento e tem 63 minutos de duração, e Arturo Ripstein, então um jovem cineasta que tinha realizado seu primeiro filme profissional em 1965, com roteiro de Gabriel Garcia Márquez, que foi também o roteirista de seu filme de estréia. O episódio de Ripstein chama-se H.O. e tem duração de 31 minutos. Foi interpretado pela mexicana Julissa e vários atores brasileiros (Leonardo Villar, Annik Malvil, Atila Almeida, entre outros). O de Alcoriza, Divertimento, era mais longo e nele apareciam Silvia Pinal, Milton Rodrigues, Leila Diniz e Eva Wilma. E era melhor, não apenas por sua duração.

Luis Alcoriza já tinha filmado seis longas-metragens e estava em sua plena maturidade. O roteiro era dele e de Fernando Galiana, trabalhando o material a partir do humor negro, como já tinha feito em sua época de roteirista, fundamentalmente com El esqueleto de la señora Morales, seguindo a influência de Luis Buñuel (ele já tinha escrito onze filmes com e para Buñuel). Esse tipo de humor é o que domina na idéia central do filme: uma mulher só se excita sexualmente ao cometer crimes, em contraste com seu amante, muito católico e com problemas de consciência. A heroína vive a tradicional relação entre Eros e Thánatos, a ponto de levar um tiro e se excitar com a própria dor, isto é, com a própria morte. O crime e a morte funcionam portanto como estimulantes eróticos, culminação do erotismo.

Não se trata de necrofilia, mas dessa relação entre amor e morte sempre presente no ser humano. Lena (Silvia Pinal) também vive com um homem muito católico e temeroso e é capaz de se excitar com sua própria morte e com a dos outros. A morte e o sentimento erótico são inseparáveis e portanto o crime funciona como um adendo erótico. Mas esse sentimento vai além da necrofilia. Lena também vai além: ela goza eroticamente com sua própria dor, sua própria morte.

Mais que necrofilia, dá-se neste caso o sentimento do amour fou pregado pelos surrealistas, o amor louco, total, absoluto, sem barreiras. Esse sentimento é também uma rebelião contra o conformismo da moral burguesa. Existe em Alcoriza um desejo de sublimar as taras e transgredi-las. A rebelião de Lena Anderson é uma rebelião moral, da qual se depreende uma filosofia erótica: não é em vão que diz “O amor é fogo, loucura, condenação, delírio irrefreável.”

No entanto, Lena nunca é apresentada como um caso clínico que é preciso estudar e cuidar; antes, pelo contrário, deixa cada vez mais evidente seus sentimentos extremos, que a levam a sublimar seus instintos e dão uma saída lógica ao seu juego peligroso, que só tem uma saída: a própria morte. Alcoriza transforma um filme com fins comerciais numa obra pessoal. A maior fraqueza do filme: não ter a meia hora do curta de Ripstein (hoje um grande cineasta, talvez o maior entre os mexicanos).

Por outro lado, o público mexicano pôde conhecer atores brasileiros (os filmes brasileiros eram raros– e o são ainda hoje –, talvez um por ano). Milton Rodrigues conheceu Alcoriza e fez carreira de ator no cinema mexicano; Leila, que mostrou sua picardia e possivelmente teria feito carreira no México, embora seu lugar estivesse no Brasil, era a beleza e a malícia brasileira.

Tomás Pérez Turrent

EPISÓDIO "DIVERTIMENTO"

Direção: Luiz Alcoriza

Roteiro: Luiz Alcoriza e Fernando Galiana

Direção de fotografia: Hélio Silva e Rosalío Solano

Montagem: Waldemar Noya

Música: Tamba Trio

Produção: Alfredo Ripstein Jr. e César Santos Galindo

Elenco: Silvia Pinal, Milton Rodrigues, Eva Wilma, Diana Azambuja, Leila Diniz, Kleber Drable e Ricardo Luna

Companhia produtora: Alameda Films e Nacional Cinematográfica (co-produção Brasil e México)