Portal Brasileiro de Cinema  Fernando Peixoto

Fernando Peixoto

 
 
Novela Dez Vidas, 1969

Leila foi uma presença marcante e inesquecível em minha vida. Uma amiga que está profundamente presente em minha memória. De quem sinto falta, com quem gostaria de estar discutindo os tantos problemas e confusões que estamos enfrentando, em nível artístico e sócio-político. Era uma garota linda, sensível e inteligente. Teve uma participação valiosa e provocante nos anos em que viveu. Sua presença, suas declarações, suas entrevistas polêmicas e ousadas foram instantes excepcionais naqueles difíceis momentos que o país atravessou.

Eu a vi pela primeira vez na tela de um cinema, no filme Todas as mulheres do mundo, de Domingos de Oliveira, e a conheci pessoalmente poucas semanas depois. Nos encontrávamos no Rio de Janeiro, nos bares e nas praias. E ela ia assistir aos espetáculos do Teatro Oficina em que eu atuava como ator. Tudo isso na segunda metade da década de 60. Mas foi em 1971, um ano antes de sua trágica morte, que nossa amizade e nosso relacionamento ganhou uma nova dimensão: Leila passou a viver com um de meus maiores amigos, Ruy Guerra, com quem, naqueles anos, eu trabalhava bastante em projetos cinematográficos e escrevia e adaptava roteiros para cinema.

Na época, quando estava trabalhando no Rio, eu morava sempre na casa de Ruy Guerra e Ruy Polanah em Botafogo, numa rua pequena, sem saída, próxima à praia, creio que se chamava travessa Dona Carlota. Ruy trouxe Leila para morar conosco, a convivência passou a ser cotidiana. Lembro-me dela grávida – quase todos os dias ia tomar banho de sol no pequeno quintal no fundo da casa e muita vezes eu, de uma janela do andar de cima, fotografava minha querida amiga grávida e de biquíni. Na tarde em que entrei em casa e encontrei um bilhete que dizia que tinha ido para o hospital, corri para lá. Fui a terceira ou quarta pessoa a ver Janaína, que acabara de nascer.

Conviver com Leila naqueles difíceis anos de ditadura foi uma experiência decisiva. Além de sua dedicação ao cinema, ela tinha também um interesse grande pelo teatro e pela televisão. Assim como defendia e lutava intensamente pela liberdade do amor e da vida sexual, causando perplexidade nos setores mais convencionais da sociedade, Leila foi uma defensora militante e ativa da liberdade sócio-política e da liberdade de expressão artística e cultural. Participou, e muitas vezes participamos juntos, de manifestações e protestos públicos da classe artística contra a censura militar. Ela foi sempre uma linda e excelente atriz, criativa e consciente, sensível e inteligente, enfrentando e vencendo tabus e preconceitos, transformando-se em mito e musa do sexo, da arte e da liberdade.

Lembro-me sempre dos tantos meses que estivemos juntos na mesma casa em Botafogo, conversando sobre filmes e sobre teatro, indo a praia em Copacabana ou Ipanema, aos bares e restaurantes freqüentados pela classe artística; recordo-me das poucas e inesquecíveis semanas em que estivemos juntos numa casa em Petrópolis, que era dos pais de Marieta Severo, eu trabalhando com o Ruy Guerra em um novo roteiro. Leila com Ruy e eu com minha namorada Suzana.

No ano seguinte, 1972, no dia 15 de junho, eu estava em São Paulo caminhando pela rua Augusta, havia saído de um cinema e ia a um restaurante quando encontrei um amigo que em poucas palavras contou-me que há poucos minutos havia tido a notícia que Leila havia morrido um dia antes na explosão de um avião na Índia. Fiquei parado. Foi terrível. Aquela musa tinha de continuar entre nós, tinha que estar aqui hoje. Deixou-nos a maravilhosa Janaína. Mas eu queria encontrar Leila agora. Foi uma presença marcante para todos que a conhecemos e dela fomos amigos. Ela continua sempre em mim, amiga, linda, para sempre.