MÃOS VAZIAS

1971, 35 mm, cor, 80 min

 
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No interior de Minas Gerais, uma mulher de origem burguesa que vive à sombra do marido perde o filho e se revolta contra os costumes tradicionais da sua pequena cidade. Neste processo de libertação, ela acaba se defrontando com uma tragédia.

 
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Acabávamos de filmar Como era gostoso o meu francês, do Nelson Pereira dos Santos, no nosso exílio paradisíaco e voluntário em Parati. Anos de chumbo – Garrastazú no poder, o mais tirânico de nossos ditadores de opereta; e para nós uma equipe que se constituiu numa quase família o que nos cabia: a resistência cultural em torno de nosso Mestre e seu cinema de afirmação da identidade brasileira. Ao mesmo tempo, desde o ano anterior, com o Azyllo muito louco, a descoberta da experiência alucinógena. A nossa revolução sexual, particular e quase incestuosa. "Somos um pequeno grupo que, de certa forma, já fomos casados entre nós" – diria Arduino Colasanti numa entrevista; o Apolo de Ipanema cooptado por Nelson para ser o ator de todos os nossos filmes, ao contrário do que esperaria a conservadora intelligenzia de plantão. A esquerda ortodoxa desde Fome de amor não perdoaria nunca "o cineasta de Vidas secas visitando o tema da contra cultura. Em Paris, na rue du Dragon, no ano de 1972, Glauber Rocha (que naquela época não tinha ainda experimentado drogas) acusou-me de "agente da Cia, que contaminou o mestre com essa experiência nefasta". Do outro lado, a direita ensandecida, entrincheirada na crítica de cinema dos jornais e no poder público do Instituto do Cinema, com a sua metralhadora giratória apontada para os nossos filmes.

Nesse contexto e em seguida ao filme citado, recebi do Nelson as primeiras 10 latas de negativo (sobras do Como era gostoso...) e a sugestão "Já dá pra você começar seu filme".

Parati, cidade escolhida para nossa aventura cinematográfica, nos acolheu com um carinho incomensurável – tínhamos o poeta José Kleber, que materializou a possibilidade de filmar pondo à nossa disposição dois sobrados para hospedagem, todas as locações com seus amigos, além de participar como ator secundário nos filmes do NPS e, agora, protagonizar o meu, ao lado de Leila. Julio Romiti – um amigo de meu pai João Tinoco de Freitas (um dos produtores do Rio, 40 graus), emprestou uma câmera 35 mm e o equipamento de som & luz. Leila conseguiu com Jece Valadão (com quem tinha trabalhado em Mineirinho vivo ou morto, de Aurélio Teixeira) o pagamento do laboratório e a edição; e a equipe e o elenco – a exemplo dos outros filmes anteriores – organizou-se em cooperativa e entrou com o trabalho. Leila, para poder fazer o filme, vendeu um fusca – seu único bem material – e aceitou um trabalho numa novela de TV em São Paulo. No ano seguinte, com o recrudescimento da censura, e depois da famosa entrevista ao Pasquim,ela seria impedida de trabalhar.

Filmamos em quatro semanas o romance de Lucio Cardoso. E Leila foi escolhida por mim porque eu tinha certeza de que ela poderia fazer um trabalho dramático surpreendente e que me ajudaria a transformar aquela história de uma mulher submissa num filme transgressor – ao contrário do original, escrito por um dos nossos maiores romancistas. Nelson estava longe, editando seu filme no Rio. E ela centralizou essa falta, administrando nossas carências, minha aflição de estreante (um filho dileto do revolucionário Cinema Novo filma uma novela de um mineiro católico e homossexual); e – sintomaticamente – resolveu assumir o papel de mãe, engravidando durante a visita de seu namorado Ruy Guerra às filmagens.

O resto, é história. O filme foi proibido pela censura; o sócio Jece Valadão (que era considerado o produtor principal porque era o único que tinha firma regularizada) deu declarações de que não lançaria o filme "em respeito ao público". E Mãos vazias foi convidado para representar o Brasil na Austrália. Com boas críticas locais (Brazilian Hard Cinema) e um prêmio para Leila de melhor atriz. E depois de muita luta para conseguirmos um visto na Policia Federal para deixarmos o país. Que infelizmente veio. E uma viagem sem volta. No dia 14 de junho, regressando ao Brasil, o avião explode sobre a Índia.

O Brasil ficou de mãos vazias.

Luiz Carlos Lacerda

Direção: Luiz Carlos Lacerda

Roteiro: Luiz Carlos Lacerda a partir da novela homônima de Lúcio Cardoso

Direção de fotografia: Rogério Noel

Montagem: Raimundo Higino

Música: Jaceguay Lins

Produção: Luiz Carlos Lacerda, Jece Valadão e Ana Maria Magalhães

Elenco: Leila Diniz, Arduíno Colasanti, José Kleber, Ana Maria Magalhães,
Irene Stefânia, Nildo Parente, Hélio Braga, Ana Maria Miranda, Manfredo Colasanti e José Roberto Orosco

Companhia produtora: Magnus Filmes e Paraíso Filmes