Portal Brasileiro de Cinema  Nelson Sargento

Nelson Sargento

Não lembro quem me indicou para pintar o apartamento do Domingos de Oliveira. Ele morava no bairro Peixoto, em Copacabana, e como algumas cenas do filme Todas as mulheres do mundo foram filmadas lá, o apartamento precisava de uma pintura. Foi nesse apartamento que eu conheci a Leila Diniz. Eu estava pintando uma janela e ela estava sentada no sofá lendo, de vez em quando eu olhava aquela menina bonitinha, de repente o pincel escapou-me da mão, eu gritei "Puta...", não consegui completar a frase, fiquei meio sem jeito, ela sorriu e disse: "é puta que o pariu mesmo", levantou-se, apanhou o pincel e me entregou. Depois ela ficou minha cliente, eu sempre pintava o apartamento em que ela morava ou ia morar. Eu dava o orçamento e ela me pagava antes que eu desse uma pincelada. Quando eu ia comprar material, ela ia comigo (confesso que não sabia a grandeza dessa pessoa fantástica e amiga que foi Leila Diniz). Comprado o material, quando ela não voltava comigo, se despedia e me beijava. Só mais tarde é que eu entendi o espanto das pessoas que presenciavam este ato, eu estava sendo beijado pela Leila Diniz!

As crianças adoravam a Leila, tanto que tocavam a cigarra do apartamento, eu abria a porta, lá estavam as crianças perguntando se a Madelon estava, eu não sabia quem era Madelon, na época eu não tinha televisão.

Pois bem, Leila abrigava neste apartamento algumas moças e rapazes, e eu pintando; quando tocava a cigarra eles ficavam assustados, eu ia, abria a porta, às vezes era o porteiro ou alguém que queria falar com um deles. Mais tarde fiquei sabendo que eles estavam escondidos por causa da repressão. Eu ali inocente, senão teria anotado na memória o nome deles.

Eu estava na Funarte quando apareceu a Ana Maria Magalhães, que estava fazendo um vídeo sobre a trajetória da saudosa Leila Diniz, e perguntou se eu não faria um samba pra ela, eu no mesmo instante compus essa letra:

Depois de conhecer
O prazer e a alegria
Eu acho que morrer
É covardia
Acontece que a morte
É coisa de raiz
E levou prematuramente
A grande Leila Diniz.