Hugo Carvana

 

Quando a Leila se projetou no chamado cenário artístico do Rio de Janeiro, não se projetou somente como atriz, que ela era, através de Todas as mulheres do mundo, de Domingos de Oliveira. Leila nascia, criava um comportamento. Nessa época, eu vinha desenvolvendo um trabalho mais formal, "mais sério", de repente eu comecei a seguir um outro caminho, um caminho de representação mais descontraída, de representação mais moleque, que tinha um pouco o sabor e a marca da vida do Rio de Janeiro. Leila era isso também. Era uma mulher livre, inteligente, descontraída, uma mulher não presa a determinados padrões. Ao contrário, ela rompia padrões e, como atriz, incorporou ao seu trabalho essa descontração, essa ironia.

Nós vivíamos em um bairro do Rio de Janeiro que se tornou um mito, o bairro ícone da cultura brasileira, que foi a Ipanema naqueles anos. Mesmo sendo os anos bravos da ditadura, ainda mantinha a irreverência, a molecagem, a alegria, se é que era possível ser alegre naquela época. Ipanema era um lugar que fervilhava, que produzia comportamento, produzia cultura, produzia ideologia, produzia amizades, produzia desilusões, mas tudo isso se transformava em movimento, espontaneamente. E Leila traduziu tudo isso, ela foi a mulher que apresentou e, de certo modo, catalisou tudo isso. Era a esfinge disso. Tornou-se a musa desses novos tempos e foi exemplo para muitas mulheres, que felizmente, graças a Leila, conseguiram se libertar também. Ela rompia, não aceitava o que a ditadura apresentava como comportamento. Ela se rebelava. Tanto é que ela era uma mulher perseguida pela ditadura, não era bem vista pelo setor conservador da sociedade. E tinha consciência política disso.

 

Amor, carnaval e sonhos, na verdade, não pode ser separado de uma época do Rio de Janeiro, do Brasil, é um filme de 1971. O Saraceni resolveu fazer um filme que por si só procurava romper determinados padrões de fazer cinema daquela época, porque ele vinha do cinema novo, tinha feito filmes clássicos no cinema novo, filmes mais reflexivos, mais introspectivos. Com Amor, carnaval e sonhos ele resolveu dar um salto em seu trabalho: fazer um filme com uma narrativa mais anárquica, que fugisse dos padrões tradicionais de narrativa. Ele queria o experimento do Cinema Marginal.

Leila consolidava esse salto e se transformava num mito feminino, num símbolo da mulher, a quem todas as mulheres quiseram seguir imediatamente. Porque ela devolvia à mulher o orgulho de ser mulher, rompia as correntes da prisão, da mulher dominada. Ao contrário, ela se nivelava ao homem e ficava até superior a ele. Isso foi um choque cultural muito grande na época.

Saraceni, que era um cineasta mais formal, mais preocupado com a reflexão humana, fazendo um cinema mais introspectivo, fez isso através da música de Carnaval, que é um símbolo bem característico desse sentido de liberdade, e nos juntou num filme. Houve uma química perfeita, para ela, para mim, para o Saraceni. Amor era um filme livre, um filme solto, um filme praticamente de câmera-na-mão.

Leila não era uma atriz de formação acadêmica, de formação intelectual, ao contrário, era uma atriz absolutamente intuitiva e por ser intuitiva era espontânea. Com uma capacidade muito grande de absorver a vida. Ela era uma cronista no olhar, traduzia na representação aquilo que observava na vida, no cotidiano, e era muito profissional, muito preocupada com o que estava fazendo, querendo saber como devia fazer, querendo fazer o melhor.

Leila não era muito afeita a pessoas que ela dizia serem muito chatas, muito intelectualizadas. Ela não tinha esse desejo de falsa postura intelectual, na época muito comum. Não aceitava isso. Leila tinha a patota dela, a turma da praia – Ana, Arlindo, Bigode, Marieta, eram pessoas que só viviam em torno do prazer. O prazer que começava de manhã e terminava no chopp à noite no bar. Era uma marca, uma maneira de viver. Tinha que haver esse canal, a repressão era muito dura.

Na verdade, Leila representou essa liberdade, essa irreverência. E era muito franca a respeito de sexo, despertava nos homens paixão e medo. Num certo sentido os homens tinham medo. Na mesma época surgia a pílula, que foi também um elemento libertador. Então Leila, de certo modo, foi a pílula para mulher, além da própria. Hoje ela é lembrada como iconografia, como interesse cultural, como registro de época. Em termos de comportamento, as mulheres deram um salto, foram mais longe ainda. No plano político talvez ela fosse importante hoje, porque era rebelde, e hoje no Brasil precisamos reencontrar a rebeldia que se perdeu ao longo do tempo.