Portal Brasileiro de Cinema  Um momento na realização do filme Por exemplo, Butantã

Um momento na realização do filme Por exemplo, Butantã

Roman Stulbach

A seqüência final do Por exemplo, Butantã ia ser uma série de travellings, com a câmera sempre recuando, saindo do Instituto, atravessando os Jardins, o centro da cidade, recuando pela Boca do Lixo, pela marginal, subúrbios, zona rural, até acabar literalmente no brejo. Ao mesmo tempo, no áudio, ia acontecer uma discussão de cineastas sobre o momento de então, os problemas, as perspectivas.

Com a ajuda de Roberto Santos, juntamos alguns cineastas presentes na época em São Paulo: além do Roberto, o Capovilla, o Carlão, João Batista, Sérgio Ricardo, Rogério Sgarnzerla, o Plácido, o Aloysio e eu, da ECA. Tinha umas 20 pessoas, mas não lembro de todos.

Foi na Odil Fonobrasil, um antigo estúdio caindo aos pedaços, onde eram sonorizados quase todos os filmes da Boca e outros com pouca grana. Aliás não era um, mas alguns estúdios e restos de moviolas, um conjunto que o Pereio, durante as dublagens do Bang-bang, do Tonnacci, sentenciou: "Isto não é um estúdio, é uma pensão de estúdios!"

Em volta de um microfone, sentaram os 20 cineastas e começaram a falar à vontade, enquanto rolavam algumas garrafas de Velho Barreiro.

No dia seguinte, em casa, ouvi as quase três horas de gravação resultantes. Acho que senti tudo ao mesmo tempo: revolta, desespero, nojo, vergonha. Não porque as línguas dos depoentes fossem ficando pesadas à medida que o tempo passava, mas porque tudo foi um festival de incoerências e contradições, um caos de expectativas e frustrações, sonhos, rebeldia, incógnitas, pavores. A última frase audível, das mais significativas, foi do Roberto Santos, dirigindo-se a alguém: "Tá com medo de ouvir a própria voz?"

Era setembro ou outubro de 68. Acho que tínhamos mesmo medo das nossas próprias vozes e não gostávamos de escutar as dos outros. O cinema não tinha cumprido a sua missão. E nós, os mais jovens, o que faríamos?

O Roberto me pediu a fita para escutar e eu entreguei de bom grado, porque ela queimava os meus ouvidos. Aí veio o AI 5, o Roberto deu sumiço na fita e o que sobrou na memória daqueles tempos foi a nossa enorme perplexidade.

Demorei alguns meses para terminar o Butantã, até que me enchi o saco e, mesmo sem o desfecho, botei o letreiro Fim. Não pintava nenhum desfecho para o filme e menos ainda um desfecho interessante para qualquer um de nós.