Portal Brasileiro de Cinema  BANDALHEIRA INFERNAL

BANDALHEIRA INFERNAL

1975/76 . José Sette de Barros
Rio de Janeiro, 80 minutos, 35mm, p&b

 

Era quando o “doce” ainda era “ácido” e os conjurados se reuniam no píer de Ipanema; a mordaça era dupla e nossos ouvidos eram detonados a “telefonemas”. A saída dos caretas era fazer tudo de uma vez e o mais rápido possível, afinal, anunciavam e garantiam que o mundo ia acabar. Para nós, se acabasse, que importava? Outro melhor, muito melhor, estávamos construindo, pelo menos em nós mesmos, em meio àquela bandalheira infernal. Foi ele — o que se acabava e que de fato se acabou, e em cujo entulho vivemos — que o olho-de-peixe do inconfidente José Sette (José de Barros, em 78), um pouco à maneira do kino-glass de Dziga Vertov, um pouco à Limite de Peixoto e bastante à sua própria e confidencial maneira, no momento exato da sua derrocada final, registrou em película 35 p&b. Porém, os náufragos de Bandalheira infernal naufragam no asfalto, nos apartamentos de classe média, no trânsito corrosivo das metrópoles, nos morros e florestas da paisagem mágica do Rio de Janeiro, e vivem sempre perseguindo as suas próprias sombras e por elas continuamente sendo perseguidos. Cada quebrada, cada esquina, é a esquina do medo: o medo permanente e neurótico do inesperado, do incerto, do inseguro. O medo, enfim, de si mesmos, de sôfregos penitentes e derradeiros personagens de um mundo que rolou ladeira abaixo. O contraponto desse erro cósmico-cármico-pequeno-burguês, tão bem fotografado neste filme, vem da linguagem libertária do seu discurso cinematográfico, da postura irreverente da sua dramaturgia, da poesia hermética da sua criação e, principalmente, da revelação de uma nova direção de cinema e de um estilo novo; um estilo de cinema-plástico, gráfico e contemporâneo até a alma. Vejam-no agora na tela: “o antigo que foi novo é tão novo como o novo mais novo”. Algo para os (não poucos, mas raros) que sabem onde encontrar a essência da beleza e senti-la em toda a sua intensidade. Estamos falando de Arte. Arte maior. Diamante legítimo, coisa rara, muito rara mesmo, nesta atual maré cheia de mediocridade. Por isso que malandro (aquele que tem olhos livres e vê) tá sabendo que quando a maré tá cheia é melhor entrar na areia. Porque na areia tem mais peixe que no mar.

Mario Drumond

Cia. produtora: Lagos Filmes

Produção, direção e roteiro: José Sette de Barros

Fotografia: Toni Nogueira

Elenco: Paulo César Pereio, Suzana de Moraes, Rodrigo Santiago