Portal Brasileiro de Cinema  ROTEIRO DO GRAVADOR

ROTEIRO DO GRAVADOR

1967 . Sylvio Lanna
Minas Gerais, 30 minutos, 16mm, p&b

 
 

O título é sugestivo. Ainda mais quando vemos apenas algumas indicações escritas na tela (estranhas ao mundo dos puros espectadores) e depois começam um palavrório e a peregrinação de um sujeito pela cidade do Rio de Janeiro. É um homem careca, de bigode algo abastado e semblante abatido, cansado, um homem exaurido pela vida. O homem aparenta estar na meia-idade. A primeira dúvida que surge é se as imagens e os sons se combinam no filme. Embora tudo demonstre que sim, devemos ficar atentos: Sylvio Lanna é o diretor do longa Sagrada família, em que a disjunção imagem e som é fundamental para o entendimento do filme. Mas aqui, até onde podemos ver, imagem e som se comunicam. Se quisermos, tudo fará sentido: há até alguns efeitos de sonoplastia, o que imediatamente nos faz aproximar áudio e vídeo. Mas e o longo discurso, discurso a meio caminho da prosa poética, do devaneio lírico, existencial, que nos é narrado? Fala-se sobre transgredir limites, num monólogo um tanto monótono. E as imagens se sucedem: o mar, os encontros com uma mulher, os beijos do encontro, as panorâmicas da baía de Guanabara, o caminho pela areia revolvida do Aterro do Flamengo (à época ainda em construção), Copacabana e a paisagem útil da Cinelândia — publicidades gigantes e prédios disputando com o céu e as árvores —, paisagem que Caetano Veloso mencionaria no ano seguinte em seu disco de estréia. Temos a impressão de que Roteiro do gravador é uma espécie de esboço para o longametragem que Lanna faria três anos depois. Ele parece brincar com a relação entre imagem e som, sem dissociar um do outro completamente. O procedimento é distinto: consiste em dilatar a experiência sonora, acabar com o naturalismo da voz e do som comum no cinema para criar outros tecidos significantes. Como John Cage e Meredith Monk, que dissociaram os elementos constituintes de suas artes, Lanna vai construindo seu percurso, como prova a seqüência final: o mesmo homem da peregrinação, sentado no chão, num estúdio de TV, com um gravador diante de si. Um sonho? Um filme? Pouco importa, a experiência está realizada.

Ruy Gardnier

Direção, roteiro e montagem: Sylvio Lanna

Fotografia: Andrea Tonacci

Música: Flávia Calabi, Victor Assis Brasil

Elenco: Pedro Garcia, Lúcia Milanez