O ANJO NASCEU

1969 . Júlio Bressane
Rio de Janeiro, 82 minutos, 35mm, p&b

 
 
 

Durante longo tempo Glauber Rocha deu a entender que O anjo nasceu seria uma mera imitação de Câncer, de sua autoria, por serem ambos obras não-convencionais, protagonizadas por personagens marginais (um branco e um negro). Como a produção glauberiana, também filmada em 69, só foi exibida nos anos 80, e a de Bressane chegou às telas logo depois de finalizada, ficamos nós — pesquisadores, críticos e espectadores — quase uma década sem saber como reagir. Fato é que os dois filmes, apesar das aparências, assemelham-se um ao outro tanto quanto um ovo e um espeto.

 

Aqui estamos bem distantes da câmera frenética e das falas caudalosas, improvisadas e barrocas do diretor baiano. O radicalismo de Júlio Bressane é muito mais cerebral e, em vez de tentar envolver o espectador, o abandona sólitário na poltrona da sala de projeção. Tudo neste filme parece premeditar um crime: o assassinato da gramática cinematográfica tradicional. Nunca se tinha ousado tanto no cinema brasileiro. E a resposta foi brutal: na pré-estréia carioca, o filme foi vaiado pela platéia de experientes cinéfilos do lendário cinema Paissandu. O anjo nasceu começa com a tela inteiramente negra: não se vê nada, mas se escuta música. No decorrer da narrativa, entretanto, é a imagem que ganha força (matematicamente limitada pelos estranhos e belos enquadramentos): os diálogos pouco ou nada acrescentam. O filme termina com um carro que some pela estrada, mas a câmera, em vez de segui-lo, continua na estrada vazia por longos minutos, e um baião de Caymmi fala da imigração nortista para o Sudeste. Apesar de nada estar acontecendo, qualquer espectador inteligente verá que o diretor comenta a origem e o destino dos personagens, dois marginais que roubam e matam aparentemente sem causa. É um clássico da antiobviedade.

João Carlos Rodrigues

Cia. produtora: Júlio Bressane Produções Cinematográficas

Produção, direção e roteiro: Júlio Bressane

Fotografia: Thiago Veloso

Montagem: Mair Tavares

Cenografia: Guará Rodrigues

Música: Guilherme Magalhães Vaz

Elenco: Hugo Carvana, Milton Gonçalves, Norma Bengell, Carlos Guima, Neville d’Almeida, Maria Gladys