LACRIMOSA

1969/70 . Aloysio Raulino
São Paulo, 12 minutos, 16mm, p&b

 
 
 

A se julgar por Lacrimosa, é uma pena que a obra de curta-metragem de Aloysio Raulino não seja mais conhecida pelo público brasileiro. Acima de tudo, pelo público paulistano, já que o diretor dedicou alguns de seus filmes à geografia, aos movimentos culturais e à vida social dos paulistas, analisando os “punks da periferia” ou simplesmente filmando um canteiro de obras. Lacrimosa é um mergulho em São Paulo a partir de um dado que o filme nos explica nos letreiros: “Foi inaugurada uma nova avenida em São Paulo”, “Ela obriga a ver a cidade por dentro”. Trata-se da Marginal Tietê, uma rua/auto-estrada que cobre toda a extensão da cidade. E como filmar essa nova avenida, essa nova possibilidade de entrar em contato com São Paulo? Com um único plano, filmado de carro, que vai percorrer toda a Marginal, olhando não para a frente, mas para os lados. A grande proposta do filme é a aposta de que uma simples viagem na Marginal, associada à câmera que tudo registra, seria um pequeno mosaico em que se mostrariam as contradições básicas da cidade, uma introdução à problemática de uma megalópole do Terceiro Mundo, que deve conviver com a riqueza e a pobreza, onde a opulência de uns contrasta com a pobreza absoluta de outros. O que podemos ver nesse travelling magistral? Inicialmente, paredes. Depois vemos algumas plantas acidentais, um solo castigado, uma paisagem quase árida e certamente inóspita. Mais adiante, alguns indícios de vida humana: grandes construções e fachadas de fábricas nos mostram uma São Paulo industrial, geométrica. Um close, entretanto, revela ao longe uma selva urbana dominada por prédios enormes, símbolos da grandeza e da riqueza da maior cidade do país. A câmera desfaz o close e volta para a Marginal. Na beira da avenida, não vemos mais fábricas. Vemos, sim, pessoas habitando precárias construções de madeira, que mal se poderia chamar de favela, uma zona árida e inóspita semelhante à que víamos antes. Travelling terminado, os cineastas — como que não acreditando — vão a essa localidade. Filmam crianças: pés no chão, dedos sujos na boca, rosto às vezes já danificado pelas condições miseráveis de vida. Sim, a Marginal é um microcosmo da cidade. E Lacrimosa uma pequena radiografia de São Paulo.

Ruy Gardnier

Cia. produtora: ECA-USP

Produção, roteiro e montagem: Aloysio Raulino, Luna Alkalay

Direção e fotografia: Aloysio Raulino