Portal Brasileiro de Cinema  REPÚBLICA DA TRAIÇÃO

REPÚBLICA DA TRAIÇÃO

1970 . Carlos Alberto Ebert
Rio de Janeiro, 90 minutos, 35mm, cor

 
 
 

A sombra de Terra em transe (1967) é inegável em várias obras do Cinema Marginal. Seja para ironizar o épico barroco, como faz Rogério Sganzerla na seqüência em que prostitutas festejam a morte de J. B. da Silva (O Bandido da Luz Vermelha, 1968) — a música de candomblé remete à abertura do filme de Glauber —, seja realizando uma espécie de segunda versão, extremamente respeitosa, como é o caso de Dezesperato (Sérgio Bernardes Filho, 1968) ou ainda fazendo citações e criando um diálogo intenso como em Cara a cara (Júlio Bressane, 1968).

República da traição pertence a esse grupo de filmes que remete diretamente a Terra em transe. Pela própria trama, que gira em torno de um casal que vai à fictícia República de Maraguaya montar um aparelho terrorista para desestabilizar o governo; ao buscar apoio da população, o casal é delatado, o que acarreta a morte do homem e a fuga da mulher, depois presa e torturada. O filme se inicia com um flashback: a prisão e a tortura da guerrilheira, seqüência marcada pela câmera na mão e pela mais cruas imagens da história do cinema brasileiro. A relação entre República da traição e Terra em transe se dá de forma pendular, ora apelando ao deboche, ora ao respeito. Se o revolucionário interpretado por Antônio Pedro, que morre pateticamente, é mais um boçal da vasta galeria criada pelos filmes do Cinema Marginal, o personagem negro interpretado por Zózimo Bulbul, cooptado pelo casal mas que depois os entrega à polícia, tem algo do trágico grandioso presente na obra-prima de Glauber, em especial quando morre na praia.

 

A mis-en-scène, entretanto, não obedece a essa lógica pendular e quase sempre tende a ser meticulosa no enquadramento, na movimentação dos atores e da câmera. São exemplos disso a seqüência inicial na igreja com a guerrilheira espionada por um agente das forças repressivas, e aquela em que os guerrilheiros, chegando à pequena cidade, observam a população em busca de um aliado e encontram o personagem negro, ou ainda a da morte desse personagem na praia. Ideologicamente, a ligação ambígua dos guerrilheiros brancos com o popular negro critica — ainda que ela pudesse ser melhor trabalhada — as relações sociais e étnicas numa situação política de exceção, pois ele é cooptado em nome da política mas exerce funções domésticas na casa dos dois e mantém relação amorosa com a personagem de Vera Barreto Leite, acabando por denunciá-la.

República da traição foi censurado e nunca foi lançado comercialmente, transformando-se em mais um filme mítico do cinema brasileiro. Pouquíssimo visto, não teve repercussão cultural e artística, merecendo atenção apenas em artigos e entrevistas de Carlos Reichenbach e Jairo Ferreira.

Arthur Autran

 

 

Cia. produtora: Ebert Polopoli Produções Cinematográficas

Produção: Cláudio Polopoli

Direção: Carlos Alberto Ebert

Roteiro e fotografia: Carlos Alberto Ebert e Cláudio Polopoli

Montagem: Jovita Pereira Dias e Carlos Alberto Ebert

Elenco: Vera Barrreto Leite, Zózimo Bulbul, Antônio Pedro, Antonio Pitanga, Selma Caronezzi, Benê Silva e Cláudio Mamberti