O PARTO

1975 . José Celso Martinez Corrêa e Celso Luccas
São Paulo, 36 minutos, 16mm, p&b

 
 

Realizado com material de arquivo, O parto aborda oprocesso político que envolve a decadência do salazarismo, a libertação das colônias portuguesas, a Revolução dos Cravos e culmina na chegada ao poder em Portugal de lideranças de tendência socialista. A produção da película deu-se neste último momento e o objetivo era colaborar no “nascimento” da nova sociedade socialista, daí a metáfora do “parto” trabalhada especialmente na segunda metade do filme. Trata-se de um exemplo típico do cinema militante que floresceu entre o final dos anos 60 e o início dos 70 através de diretores como Santiago Alvarez, Fernando Solanas, Jean-Luc Godard, Glauber Rocha e Alexander Kluge, entre outros. Em O parto é possível perceber com clareza a alegria pelas mudanças políticas e a expectativa do aparecimento da sociedade sem classes, sem opressão e sem miséria, tudo expresso principalmente através da montagem, de nítida inspiração nos filmes mudos de Serguei Eisenstein. Entretanto, o espectador pode interrogar de forma mais profunda o filme e entrever ambigüidades. Certamente não cabem cobranças infantis como “o Muro de Berlim caiu, logo o cinema militante estava errado”, pois naquele momento os acontecimentos estavam em plena ebulição. O problema é outro: anunciar a mudança política a partir de uma comparação que no fundo é ideologicamente conservadora, a saber, a equiparação da sociedade com o corpo humano ou da história com a vida humana. Certamente não faltaram — e não faltam — políticos, artistas e pensadores engajados politicamente com a esquerda que recaíram nessa idéia que serve de base, por exemplo, ao ideário positivista, para o qual na sociedade, assim como no corpo humano, tudo só pode se justificar pela adequação funcional ao conjunto. Tal ambigüidade ideológica, bastante enraizada na militância de esquerda, é por si só sintomática das contradições de grande parte do cinema militante.

Arthur Autran

 

 

Cia. produtora: Rádio e Televisão Portuguesa

Direção e roteiro: José Celso Martinez Corrêa, Celso Luccas

Montagem: Celso Luccas

Música: Zeca Afonso, Amália Rodrigues, Sérgio Godinho, Oficina Samba