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ENIGMA PARA DEMONIOS
1975, RJ. Cor. 98 min. Direção: Carlos Hugo Christensen

Existem dois fatores fundamentais para a beleza rara de Enigma para demônios: a “Valse triste”, de Jean Sibelius, e a interessante utilização da atmosfera de Ouro Preto. Somente esses dois elementos fornecem o clima propício para a instalação do terror. Não aquele dos sustos e do sangue, mas um terror das sombras, do desconhecido e dos subterrâneos. A cidade mineira, palco importante do Brasil colônia, tem uma espécie de aura fantasmagórica, um peso histórico soturno, que a belíssima valsa de Sibelius evidencia.

Christensen, diretor argentino de origem dinamarquesa radicado no Brasil, experimentava com gêneros. Passou por quase todos eles, da comédia picante ao policial, da crônica de costumes ao western. Mas foi feliz mesmo no terror, gênero no qual apostou algumas fichas, principalmente durante os anos 1970, talvez a fase mais interessante de sua carreira.

Com Enigma para demônios, atingiu um grau de cinema autorreferente que poucas vezes vimos no Brasil. O caldeirão é estimulante, mas não aprisiona o estilo. De Manoel de Oliveira, extrai o gosto pela penumbra, pelo mergulho nas trevas que podemos ver em Benilde A virgem mãe (1975), e a religiosidade marcante de Acto da Primavera (1962). É improvável que Christensen tenha visto Benilde, pois ambos são do mesmo ano. Mas a semelhança existe, e é um bom sinal de que bebiam, os dois diretores, nas mesmas fontes: Jean-Marie Straub e Ingmar Bergman. Oliveira, como um cineasta maior, ia fundo nessas referências e vislumbrava um outro caminho a partir delas. Christensen, artesão competente, ainda que deslumbrado, se servia com habilidade das águas densas dos mestres.

Subestimado por muitos críticos ainda hoje, Enigma para demônios revela um cuidado no olhar e na perseguição aos gestos e expressões dos atores, que aproximam Christensen de um cinema clássico e rigorosamente teatral. Ao mesmo tempo, com o uso radical do zoom – no que lembra Visconti, Rossellini, Antonioni e outros italianos – e da câmera inclinada que o cinema japonês usou como ninguém – vide Kinoshita e Imamura –, criticava o classicismo de dentro.

Um deslumbramento com o cinema moderno que arrisca, mas não perde, a atmosfera do filme. No cinema atual, é muito difícil que alguém encare de frente esse risco. Mas Christensen abriu-se completamente à possibilidade do erro, e isso lhe conferiu vitalidade inegável.

Sérgio Alpendre



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