Carlos Leonam

 

Brancaleilone de Ipanema

No final dos anos 60 e comecinho dos 70 (quando todo mundo tinha 23 anos naqueles verões sem fim, apesar da ditadura militar), a gente sabia que, de alguma maneira, iríamos nos tornar paradigmas de toda uma geração brasileira. Isso, claro, graças principalmente a Leila, Leila Roque Diniz, para alguns Leiluska, e não só pela entrevista ao Pasquim e à famosa foto em que aparece grávida, de biquíni.

Ela era uma mulher encantadora, uma das pessoas mais decentes que conheci (e das mais honestas com ela mesma e com as demais criaturas que a cercavam). Posso escrever isso porque o meu convívio com Leila Diniz, nos seus dois últimos anos, deixou de ser ocasional para se tornar periódico, por vezes diário, sempre numa daquelas muitas Ipanemas de então.

Ipanema no plural vai por conta das Ipanemas que existiam no nosso dia-e-noite, ao contrário de hoje, quando todas há muito se foram. Talvez Ipanema – as nossas Ipanemas – tenha acabado quando Tom Jobim morreu, em dezembro de 94, e perdemos a última referência desse bairro mitológico.

Num momento daquela convivência (costumava, nos domingos à noite, apanhá-la na porta da TV-Tupi, no Cassino da Urca, após o programa de Flavio Cavalcanti), Leila percebeu que eu estava ficando "encantado" com ela, ao conviver com a mulher e não com o mito. Ao contrário de outras "paixões" minhas, entretanto, Leila nunca me deu um fora, jamais me deixou na fossa.

Delicadamente, sem acabar com a amizade, me fazia perceber, aos poucos, que qualquer relacionamento mais íntimo era impossível. Mais ou menos assim:

"Sei que você saca qual é a minha. Mas esse tipo de sacada, que muitos fingem não perceber, amedronta. Você é um cara pronto para casar direitinho. Acha que não, mas tá na sua cara! Mas não com alguém como eu, que você mitifica muito, apesar de achar o contrário."

Trinta anos depois, lamento, isto sim, ter demorado tanto a me aproximar de Leila, com medo de realmente me apaixonar (o que aconteceu) e ser rejeitado (o que não houve). Restaram, na minha memória e no meu coração, nossos divertidos papos-cabeça. Como o de certa noite, a caminho de Ipanema, vindos da Urca, quando comentei (estávamos no meu Fusca, exatamente na saída do Túnel Novo e entrada da Barata Ribeiro, em Copacabana):
"Leila, este esquema das juradas do Flavio é muito bem feito: tem a Márcia (de Windsor), que é uma dondoca (agora, diríamos “perua”); tem você, vendida pelo Flavio como mulher liberada; tem a Danuza, que gosta e faz o papel de mulher-viada..."

Ela cortou: "Olha, Leonam, eu também sou viada..."

E eu: "Você não entendeu, a nossa querida Danu faz o papel de fresca..."

Ela: "Quem não está entendendo é você! Em outra encarnação, se eu não fosse mulher, seria bicha. Adoro homem!"

E caímos na gargalhada. (Hoje, tenho certeza de que, por mais travessuras existenciais que faça, Madonna jamais chegará aos pés de Leila.)

Quando Leila Diniz morreu, aos 27 anos, no dia 14 de julho de 1972, num desastre aéreo nos arredores de Nova Delhi, na Índia, vivi um dos momentos mais emocionantes e difíceis de minha vida de jornalista.

Eu era do copidesque do Jornal do Brasil. Estávamos fechando a edição, quando chegou uma foto de Leila, sorridente, brincando com um canguru na Austrália, onde fora com Arduíno Colasanti para um festival de cinema em que o seu filme, Mãos vazias, do amigo Luiz Carlos Lacerda, o popular Bigode (que, anos mais tarde, faria sua cinebiografia), deu a ela o prêmio de Melhor Atriz.

Sérgio Noronha, chefe do copidesque, me entregou a foto e mandou fazer a legenda para a primeira página. O resto da canalha já havia terminado, mas todos ficaram sentados, em silêncio, aguardando a legenda. Todos sabiam que eu era amigo de Leila.

Pensei, pensei, o tempo passando, era muita responsabilidade, era muito pessoal, mas não podia ser piegas, as lágrimas escorriam (como agora, 30 anos depois, quando reescrevo estas linhas). E a legenda saiu: “A última foto de Leila, na Austrália, é o retrato eterno de sua alegria”. Depois, fui para o Antonio’s, encher a cara.