Portal Brasileiro de Cinema  FÁBULA... MINHA CASA EM COPACABANA* (MITT HEM ÄR COPACABANA)

FÁBULA... MINHA CASA EM COPACABANA* (MITT HEM ÄR COPACABANA)

1965, 35 mm, P&B

 
Divulgação

A vida de quatro crianças faveladas que circulam entre o morro e a praia de Copacabana e sobrevivem através de biscates.

Por volta dos anos 62/63, eu com 6 ou 7 anos, corria junto com outros amigos de infância atrás de um bonde que costumeiramente nos conduzia até o alto da Boa Vista, onde pulávamos os muros das mansões para apanhar mangas, mamões e folhas de louro, para vender na feira livre e ajudar em casa nas despesas. Certo dia, fui pego de repente por uma mão. Eu me debati, esperneei e gritei: "Me solte, eu vou perder o boné". Ele rebateu: "Você quer trabalhar num filme". Na mesma hora, com o mesmo ímpeto, respondi: "Quero".

A partir daí ele me deu um endereço em Copacabana para fazer um teste e no dia seguinte eu estava lá, com o meu pai. Chegando lá, fomos recebidos pelo Flávio Migliaccio e por um sueco, o Arne Suksdorff, fiz o teste e eles gostaram. No dia seguinte, meu pai voltou para assinar o contrato.

Assim, junto com outros meninos que também passaram no teste, ficamos morando no tal apartamento, com uma menina magérrima, muito engraçada e namorada de um dos diretores, pois havia três diretores: Flávio, João Bethencourt e Domingos de Oliveira, que, além de diretores, colaboravam na elaboração do roteiro encomendado pelo sueco.

Eu perguntei à tal menina o que ela estava fazendo ali, ela disse: "Eu serei a governanta de vocês, seu ‘putinho’ (ela falava muito palavrão), cuidado comigo, senão eu vou dar um monte de porrada em vocês". Bom, foi assim que conheci a Leila Diniz. A partir daí, ela virou uma irmã mais velha, porque ela era muito novinha. Era namorada do Domingos de Oliveira. Quando eles saíam ficávamos com ela, a gente fazia jogral, brincava, ela levava a gente à praia, ao cinema, e sair do apartamento só podia ser com a Leila, só com ela, que ficou sendo quase nossa mãe, porque nós nos desligamos de nossas famílias. Éramos uns capetas, ela ficou um bom tempo tomando conta da gente. A Leila era muito engraçada, era uma criança, sentava no chão junto com a gente e fazia brincadeiras que nunca tínhamos visto. Nos apegamos muito a ela e quando ela saiu fizemos quase um motim, dizendo que só ficávamos com a Leila.

Ficamos dois anos no apartamento de Copacabana trabahando a história, que foi elaborada a partir do que contávamos, de nossas vidas, nossas aventuras. Éramos muito pobres, quase meninos de rua, e a história do filme é exatamente isso, em cima do que contávamos. Os diretores iam filtrando os nossos depoimentos e a Leila ficava instigando: "Fala aí agora, o que você fazia lá em cima, e aí? E aí? Você era muito sapeca?" Contávamos tudo, cada um com as suas aventuras, e isso estava sendo gravado, pois ela colocava um gravador escondido e depois, à noite, quando íamos dormir ou nos distraíamos, ela mostrava para os diretores, e assim fizeram a história do filme.

Bem, a Leila foi embora e choramos muito, ela foi muito amiga, era muito amável com a gente, era uma mãe, comprava o nosso barulho. Ela também se apegou a nós. Tendo que sair para tocar sua carreira, perdemos o contato. Anos depois, eu a encontro na TV Excelsior, em São Paulo, já famosa, já estava se tornando um mito, namorava o Henrique Martins, diretor. Nessa época, eu já estava com uns 13, 14 anos, fazia novela, e fui à Excelsior para acertar Vidas em conflito e, para minha surpresa, encontrei a Leila no bar. A gente se abraçou, começamos a chorar sem parar ali no balcão, quando chegou o Henrique Martins e perguntou: "O que foi?" Ela respondeu: "Esse putinho aqui, esse filho da puta, sumiu, há sete, oito anos que não o vejo, isto aqui foi minha cria, isto aqui é filho meu”. O Henrique falou: "Bom, vocês estão se reencontrando e vocês vão fazer parte de uma família". Fizemos a mesma novela: ela fazia a namorada branca de meu irmão, que era o Zózimo – o tema da novela era racismo. A família era composta por mim, Cosme Santos, Zózimo Bilbu, Ântonio Pitanga e os pais, Zequeti e a Jacira Sampaio. Então a gente passou a ficar junto, era uma festa, falávamos do filme, da minha vida, ela sabia de tudo o que se passava comigo e eu sabia da carreira dela. Enfim, o nosso convívio foi assim.

 
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Foi esse o meu contato com a maior estrela nacional da época, a Leila Diniz, que eu tive o prazer e a honra de ter como governanta, a grande Leila Diniz. Ela era tão humilde, tão grande, que teve a honra de nos prestigiar sendo a nossa governanta e também a namorada de um dos maiores diretores da época, o Domingos de Oliveira.

Leila teve uma importância muito grande para mim, porque aos 6, 7 anos as coisas marcam muito e os acontecimentos mais importantes que ocorreram na minha vida nessa época foram ao lado dela, por isso jamais a esquecerei. Ela teve aquele fim trágico, no acidente do avião que caiu na Índia. Eu chorei, o Brasil inteiro chorou.

Cosme dos Santos

Direção: Arne Sucksdorff

Roteiro: Arne Sucksdorff, Flávio Migliaccio e João Bethencourt

Direção de fotografia: Arne Sucksdorff

Montagem: Arne Sucksdorff

Música: Radamés Gnatalli, Luciano Perrone e Luís Antônio

Produção: Ohle Bohlin e João Elias

Elenco: Leila Santos de Souza, Cosme dos Santos, Antônio Carlos de Lima,
Josafá de Silva Santos, Hermano Gonçalves, Dirce Migliaccio, João Lucas,
Flávio Migliaccio, Álvaro Peres e Antônio Pitanga.

Companhia produtora: Svensk Filmindustri e Produções Roberto Bakker
(co-produção Brasil e Suécia)

* Leila Diniz participou da produção cuidando das crianças que integravam o elenco.