O DONZELO

1971, 35 mm, cor, 100 min

 

Nestor vive numa pequena cidade do interior e ainda é virgem, seu pai então resolve iniciá-lo sexualmente com a prostituta da localidade. Entretanto, ele fracassa quando do encontro, envergonhando a família que resolve expulsá-lo de casa. Nestor muda-se para o Rio de Janeiro onde busca desvirginar, mas suas várias tentativas sempre esbarram nas mais diferentes dificuldades.

Estava eu sentado no escritório, esquematizando o início das filmagens do meu primeiro longa-metragem, quando a porta se abriu e irrompeu na sala uma conhecida atriz da época, que a titulo de cumprimento disparou:

– Para quem que eu tenho que "dar" para ter este papel?

Consegui balbuciar apenas que (pelo amor de Deus) não se tratava disso e, sim, de encontrar a pessoa certa para cada papel etc.

Não, não era a Leila e tratava-se de um dos outros papéis do filme. Seriamente engajada, Leila não estava nem um pouco interessada em trabalhar em comédias. Se acabou aceitando, foi puramente pelo aspecto financeiro: àquela época faltavam-lhe trabalhos remunerados.

O papel que Flávio (Migliaccio) e eu tínhamos criado com a Leila em mente não a havia impressionado nem um pouco. E com razão: ela faria uma moça desinibida que o Nestor conhecera em suas andanças. A tal moça havia simpatizado com o Nestor e decidira levá-lo à sua (dela) garçonnière – esquecendo-se, a propósito, que esta estava emprestada a uma amiga. Não era lá muito acreditável.

Eu não queria abrir mão da Leila no meu filme, mas a verdade era que, na vida dela, não havia tempo útil para mais aquele trabalho pouco expressivo.

Não me lembro se foi o Flávio ou eu - ou se chegamos juntos à mesma idéia - mas o fato é que, de repente, surgiu a solução do problema: por que simplesmente não filmarmos o dia-a-dia da Leila? Adaptarmos seu dia-a-dia à história.Desnecessário dizer que ficou muito melhor! Leila leu a nova versão de sua parte e sorriu. Nem pensou em recusar.

 
Divulgação

O curioso da história é que seria a terceira vez que Leila iria viver Leila num filme... (Todas as mulheres do mundo e Edu, coração de ouro. A participação dela foi, sem dúvida alguma, um dos pontos altos da película. Curiosidades: a cena da novela foi filmada na hoje extinta TV Tupi, com o vestido que Leila usara na própria novela, Banana na banda, filmagem "ao vivo", com público e tudo, trata-se do único documento em que se vê uma cena desta revista musical: Leila cantando e dançando no palco e nos bastidores amamentando Janaina. (Esta parte não foi filmada, mas consta da lembrança da minha mulher.)

A cena em que se vê a entrada da boîte Mustafá, em São Paulo, focaliza o cartaz real, feito por ocasião da temporada de Leila naquela casa. Finalmente, temos a "filmagem" propriamente dita, de Volúpia na selva, o filme dentro do filme.

Foi essa filmagem que ocasionou o único atrito que jamais tive com a Leila. Estava tudo pronto para iniciarmos a cena: Leila amarrada a uma árvore; Lewgoy com um facão à mão, pronto para cortar as cordas e traçá-la. Tudo pronto, à exceção, naturalmente, de um pequeno detalhe: o assistente de direção, o argentino Delpino, me disse calmamente, em seu melhor "portunhol":

– Tenemos un problema: A Leila no quere mostrar los seios.

Fui conversar com ela. Perguntei-lhe delicadamente, quase como numa confidência:

– Que história é essa de não aparecer peito?

– Não estou com vontade.

– Mas você leu o roteiro e os peitos estão lá, à mostra. Cê não falou nada...

– É. Li, sim. Mas mudei de idéia.

Fui ficando irritado:

– Sem os peitos não filmo.

– Você é que sabe."

Sentei num penhasco que fazia parte do cenário e fiquei matutando. Trinta pessoas, entre técnicos, atores e figurantes, parados por mais de uma hora, uma nota preta! Enquanto isso, Delpino servia de mediador entre eu e a árvore .

Foi aí que saiu a solução. Já não me lembro quem a propôs. OK. Filmaríamos como a Leila queria – isto é: sem aparecerem os peitos e na montagem acrescentaríamos os ditos. – dela ou de outra.

Genial. Fui até ela. Expliquei-lhe o procedimento, acrescentando apenas que, antes de "montar" os seios, eu lhe daria a opção de escolher o modelo – tipo, tamanho, formato, etc.

A Leila tinha senso de humor.

– Podemos filmar, então?

Leila me deu um sorriso positivo. Ótimo! Aconteceu, porém, um imprevisto: o Lewgoy, que iria despi-la, aproveitou o impasse para tirar uma soneca. Zé Rosa, o fotógrafo, idem. Ora, os dois, não tendo tomado conhecimento dos últimos acontecimentos, rodaram a cena "censurada". Lewgoy desatou a blusa da Leila e meteu a cara entre seus seios, tapando totalmente a visão da câmera. Quando ele desceu para acariciar-lhe as coxas, a câmera já havia subido para o rosto da atriz que se contorcia de prazer. A improvisação funcionou tão bem que só filmei uma única vez – e foi desta forma que ela foi incorporada ao filme.

Se eu tivesse filmado como queria, certamente a censura teria cortado a cena. Eu sei, porque me cortaram uma cena de strip poker, crucial para o filme, onde uma moça perde o soutien. Só permitiram usar alguns fotogramas. Meu sócio, Roberto Bakker, voou para Brasília para negociar com os militares. Fez eles verem que no início tem uma moça inteiramente nua correndo por alguns minutos e esta cena teve a bênção deles. Ficou inteira, sem cortes. O oficial da censura então explicou: "É que ela tem os seios pequenos, poéticos. Se os da outra fossem menores, a gente deixava passar."

Não restava alternativa ao meu sócio que pegar o avião de volta.

Stefan Wohl

Direção: Stefan Wohl

Roteiro: Flávio Migliaccio e Stefan Wohl

Direção de fotografia: José Rosa

Montagem: Ismar Porto

Música: Nonato Buzar

Produção: Roberto Bakker

Elenco: Flávio Migliaccio, Leila Diniz, Irene Stefânia, Marília Pera, Márcia Rodrigues, Grande Otelo, Marisa Urban, Maria Gladys, Fregolente, Mara Rúbia,
José Lewgoy, Fábio Sabag, Plínio Marcos e Carlos Alberto de Souza Barros

Companhia produtora: Allegro Filmes e Produções Roberto Bakker