Jaguar

 

Eu conheci Leila Diniz quando ela ainda era uma professorinha casada com o Domingos de Oliveira, ela era muito tímida. Depois virou Leila Diniz. Entrevistei-a já como profissional: eu era um jornalista incipiente na época, trabalhava n’ O Dia, na Última Hora e o Domingos me procurou com um projeto, Todas as mulheres do mundo, porque sabia que eu era um cara que curtia muito artes gráficas e tinha uma coleção de gravuras e fotografias – a apresentação do filme foi feita com imagens que ele pegou comigo. Aliás, diga-se de passagem, isso não entrou no crédito do filme, e eu era tão desligado que só reparei nisso anos depois. Depois Leila ficou amiga nossa.

Quem decidiu fazer entrevista com a Leila foi o Tarso de Castro. Eu concordei, obviamente, mas não foi uma escolha minha. Tínhamos outros nomes para entrevistar, não achava que tinha que ser a Leila, mas fui voto vencido. Adorava a Leila como amigo, mas achava que não havia um motivo em específico para entrevistá-la naquela época.

Quando eu fundei a Banda de Ipanema, com Almir Pinheiro e um bando de outros malucos, ela foi convidada pra ser a madrinha da banda. E foi aquela glória. Decidimos que ela seria a primeira madrinha da Banda, porque não podia ser outra pessoa. Apesar de ali ter a maior concentração de mulheres bonitas de toda a história, ela se destacava não porque era a mais bonita, a mais gostosa, mas porque tinha um gerador próprio, uma força realmente imbatível que nem se discutiu. Era a melhor de todas, era uma espécie de farol pra gente, era a Leila Diniz.

O que ela fez naquela época não dá pra avaliar hoje. Por exemplo, aquele bar, ali na ponte de tábuas, hoje chama-se "De Fora" porque era um bar tão pequeno que cabia só cinco pessoas no balcão, e a Leila Diniz passava lá quando ia para Globo tomava a sua batidinha lá e dizia, "Pô, esse bar é tão pequeno que a gente bebe aqui e fica com a bunda de fora". Ai, o dono do bar achou a idéia genial e colocou "Bunda de Fora". Isso em plena época da repressão. Quando a Leila morreu nós, a Banda de Ipanema e outras pessoas, quisemos fazer uma homenagem a ela dando o nome de Leila Diniz à rua Jangadeiro. Houve um abaixo-assinado dos moradores, absolutamente contra o nome de uma mulher de vida duvidosa como Leila Diniz. Um bando de bundões.

Eu adorava a Leila Diniz, o que ela fez no seu tempo foi uma revolução. Leila era boêmia, gostava de se divertir e não tinha limites, ela era aquelas coisas que dizia, aquelas frases que deixavam as pessoas escandalizadas: "Pau duro, só na Zona Norte", o subtexto é que intelectual não é bom de cama. E era um tempo em que rolava muita droga, mas Leila, como eu, sempre foi biriteira, mas não bebia muito – não me lembro dela bêbada, por exemplo, era muito cheia de vitalidade, mas vivia no meio de gente que se drogava enlouquecidamente.

Como atriz, para mim, Leila Diniz é como o Paulo César Pereio. O Pereio é o Pereio, a Leila Diniz é a Leila Diniz. Ela interpretava a Leila Diniz. O Pereio é o Pereio em qualquer filme que ele apareça. Leila Diniz é a mesma coisa, mas não por pretensão.

 

Assisti Banana na banda com o Bardado, outra lembrança interessante. Bardado era o mascote, um cachorro vira-lata inteligentíssimo. Tinha até um garçom no Jangadeiro, que dizia que ele só não falava porque se falasse mandavam ele trabalhar. Ele pegava um ônibus, na praça General Osório, que aliás a Leila apelidou de praça "Gosório" porque no ônibus tinha escrito G. Osório – não cabia general. Isso era uma coisa típica dela, era uma moleca. Aliás, isso é o que mais define Leila Diniz, como dizia o Darci Ribeiro "Tudo que eu quero na vida é isso: é ser moleque. Moleque no bom sentido, assim, de não levar nada a sério". Então o cachorro trabalhava na peça, fazia uma pontinha. Ele andava de ônibus, descia na Central, voltava. E o Barbado ia com a Leila à praia. Ela era muito assediada por paulistas, que chegavam lá e viam a famosa Leila Diniz, e pelos cariocas também. Qualquer homem chegava e começava a cantar a Leila, jogava aquela conversa de "cerca Lourenço" pra cima dela. Aí Leila fazia assim: o Barbado, mergulhava na água, chegava perto do cara que tava importunando a Leila e molhava o cara, que saía todo molhado e embaixo de vaias. Ele era espécie de segurança da Leila, era um dos principais amigos dela. O Barbado é famoso, é uma lenda em Ipanema.

A notícia da morte de Leila foi como o caso das torres gêmeas de Nova York, você vê aquilo, mas custa a assimilar a idéia, pois é um horror, um absurdo, uma pessoa como ela morrer tão jovem, no auge. Então Leila não morreu, como disse Guimarães Rosa, ela encantou, ela ficou encantada.