CU DA MÃE

1969 . Sebastião de Souza
São Paulo, 8 minutos, 35mm, p&b

 
 

Não há segundas intenções: o primeiro plano do filme já nos apresenta uma bunda, nua, ornada somente com alguns confetes e duas fotografias 3X4, uma ao lado da outra. Se o cu é da mãe, as fotos são dos filhos? O filme não nos dará tempo para pensar nisso nem para solucionar o enigma, outras imagens logo surgem, efusivamente, e delas sobressai a de um ânus que se contrai, emulando uma chuva de dejetos ou, em bom português popular (respeitando o vocabulário do filme), uma bela cagada. Se trata-se de emulação, de interpretação ou se estamos realmente diante de uma verdadeira cagada, também não saberemos, e não será necessário, pois o filme é esperto o suficiente para maquinar uma solução astuciosa. Depois do plano em que o ânus se contrai, somos apresentados a um tubo de ensaio que preenche toda a diagonal da tela, iluminado sobre um fundo escuro, que não permite ver mais nada. Vemos só aquele tubo de ensaio, cheio de líquido — imaginamos ser formol —, com alguma coisa boiando, indo e vindo. Sim, somos apresentados ao resultado da operação que o plano anterior tinha nos mostrado: estamos diante de um cagalhão. Mas não há tantos motivos para nojo. O cocô que invade a tela dançando é objeto cenográfico. E mais: trata-se de um dejeto deveras simpático. Ao som de uma música nosso protagonista escatológico põe-se a bailar, valsando pra cá e pra lá, em close ou plano médio, numa montagem esperta e ágil, que nos remete aos musicais de Hollywood. A coreografia é um pouco mais simples. E o dançarino, bem... o dançarino não é tão amigável quanto Gene Kelly, Fred Astaire ou Ginger Rogers. Cu da mãe é um filme inteligente, que usa a escatologia para questionar a identificação cinematográfica; é antes de tudo cinema, aproveitando a montagem para fazer um curta bastante gracioso. Claro, desde que se aceite a tese inicial, de que se vai ver um cocô dançando de lá pra cá. Mas vale a pena.

Ruy Gardnier

Direção: Sebastião de Souza

Fotografia: Antônio Muramatsu

Montagem: Maria Guadalupe

Música: Rogério Duprat

Elenco: Hélcio Monteiro Cremonese