ZÉZERO

1974 . Ozualdo R. Candeias
São Paulo, 30 minutos, 16mm, p&b

 
 

Zézero inicia com a aparição, para um camponês, de uma fada coberta de película cinematográfica. Ela mostra fotos e textos de jornais e revistas que dão conta da facilidade de arranjar dinheiro na cidade e das belas mulheres lá existentes. O personagem-título deixa a família no interior, vai para a metrópole, trabalha na construção civil e, após muito sofrimento, ganha na loteria. Entretanto, ao voltar para casa, toda a sua família havia morrido. A fada ressurge e grita para o personagem: “enfie o dinheiro no cu”. A trajetória do homem que circula entre o campo e a cidade é tema recorrente no cinema brasileiro. Entretanto, Zézero chama a atenção, em primeiro lugar, pelo fato de não resvalar para as soluções tradicionais: o campo como repositório da verdadeira cultura nacional ou a cidade como lugar de redenção da miséria e da ignorância, seja pela politização seja pela inserção na sociedade de consumo. O filme também não incorre no discurso reacionário característico de setores da classe média urbana, cujo horror ao migrante é patente no paternalismo típico da esquerda intelectualizada que se pretende porta-voz dos excluídos. Talvez só um cineasta de origem efetivamente popular, embora nutrido por amplo conhecimento cinematográfico, possa enfrentar a questão com tal grau de consciência. Mas vai além neste média-metragem realizado de forma clandestina nos anos de chumbo da ditadura. Ozualdo R. Candeias obtém um resultado estético extremamente forte devido às opções radicais. Um exemplo: a impressionante seqüência em que o personagem central tenta estuprar uma mulher num matagal, constituída por longos planos com a câmera na mão de forma a ressaltar a estupidez do ato. Também possuem força intensa o plano circular evidenciando Zézero esmagado pelo tamanho da cidade e situações com os trabalhadores amontoados no dormitório ou comendo em marmitas. Parece que o diretor não quer dar trégua ao nosso olhar, trata-se de revelar em toda a sua crueza o horror da miséria, sem nenhuma dose de populismo. É possível ver aí relações com o cinema de Luis Buñuel, em filmes como Os esquecidos (Los olvidados, 1950) ou Nazarin (1958), pois Buñuel também buscava demonstrar toda a carga de violência contida na miséria. Apesar de tudo, há espaço para o lirismo: note-se a pungente seqüência da despedida de Zézero, quando vai embora para a cidade, em que, através de um jogo de zoomin e zoom-out, teremos quase toda a situação resolvida. Em seguida, planos próximos dos familiares acenando, com destaque para aqueles rostos crestados de sol e sofrimento.

Arthur Autran

Produção, direção e fotografia: Ozualdo R. Candeias

Montagem: Luiz Elias

Música: Vidal França

Elenco: Milton Pereira, Isabel Antinópolis, Maria Gizelia, Pamira Balbina de Almeida, Maria das Dores de Oliveira, Maria Nina Ferraz, Carlos Biondi e Arnaldo Galvão