Portal Brasileiro de Cinema  O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO

O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO

1968. José Mojica Marins
Rio de Janeiro, 80 minutos, 35mm, p&b

 
 

Filme composto de três episódios de terror e de uma introdução, na qual o personagem Zé do Caixão — então já bem conhecido do público por À meia-noite levarei sua alma e Esta noite encarnarei no teu cadáver — enuncia de forma tétrica sua filosofia sobre o bem, o mal, o medo, a coragem, a vida e a morte. Em “O fabricante de bonecas”, um velho que faz belas bonecas, de olhos impressionantes, tem a casa onde mora com as filhas assaltada por quatro ladrões. Eles barbarizam o velho e estupram as moças, mas acabam assassinados. Os olhos dos ladrões são usados no fabrico dos olhos das bonecas, revelando o segredo do artesão. Esse episódio lembra os filmes de terror ingleses das décadas de 50 e 60, em especial pelo fim mirabolante, em que os “inocentes” agem com crueldade. “Tara” tem a banda sonora composta de músicas e ruidagem altamente expressivas, sem nenhum diálogo. A trama apresenta um miserável vendedor de balões que se apaixona por uma belíssima jovem, seguindo-a de forma incansável; ela não dá conta da existência do rapaz nem mesmo quando deixa cair um pacote de compras, de que ele se apodera. A morte ronda a figura da jovem, como no plano em que um féretro passa pelas ruas da cidade enquanto ela beija o noivo. Realiza-se o prenúncio: no dia do casamento a moça é assassinada por uma rival. Após o enterro, o vendedor entra na cripta, retira o vestido de noiva e transa com ela. A inversão dos contos de fadas funciona em chave irônica: em vez do príncipe encantado, é um miserável que coloca os sapatinhos, retirados do pacote caído na rua, nos pés da moça. No último episódio, “Ideologia”, surge Zé do Caixão, mas, como uma espécie de dr. Mabuse, ele se traveste no professor Oaxiac Odez. Na abertura brilhante do episódio, há um debate televisivo em que convidados discutem as idéias do professor; note-se que Ritual dos sádicos, longa-metragem seguinte de José Mojica Marins, também é marcado pelo mesmo tipo de situação. Nessa seqüência os enquadramentos inicialmente não nos permitem ver o professor, sempre encoberto pelos outros debatedores; sua voz é onipresente e seu corpo se revela apenas aos poucos. Após grande polêmica, Oaxiac Odez convida um dos debatedores para visitar a sua casa. O convidado aparece com a esposa e o professor aprisiona o casal e os submete à tortura (fome e sede), enlouquecendo-os. Uma Santa Ceia às avessas, servindo carne humana, celebra as idéias e práticas de Oaxiac Odez.

Arthur Autran

Cia. produtora: Ibéria Filmes

Produção: José Mojica Marins e George Michel Serkeis

Direção: José Mojica Marins

Roteiro: Rubens F. Lucchetti

Fotografia: Giorgio Attili

Montagem: Eduardo Llorente

Música: José Mojica Marins

Elenco: José Mojica Marins, Íris Bruzzi, Salvador Amaral, Vany Miller, George Michel Serkeis, Verônica Krimman, Nidi Reis, Oswaldo de Souza, Mário Lima e Luís Sérgio Person